Como toda a gente sabe, o mundo divide-se em dois: os Betos e os Freaks - com algumas diferenças ténues: Freaks que são Betos ou Betos que querem ser Freaks. E claro, ainda há Os Outros - onde por exemplo a Chili Com Carne se insere.
A palavra "freak" apareceu nos anos 60 nos EUA para definir quem passava por um processo de "desprogramação mental e física" aos valores morais e éticos da conservadora sociedade do glorioso "american way of life" dos anos 50. Primeiro foram os Beatniks a "freakar" a América, mais tarde, com a liberdade sexual (graças à criação da pílula) e a contestação estudantil e social dos anos 60, o "freakismo" atingiu uma geração inteira, a famosa "Hippie".
Nos dias de hoje, infelizmente o "Freak" não passa de uma caricatura anacrónica, tal como o "Punk" ou outras idiotices urbanas (e rurais, porque não?) restrito a putos com rastas, t-shirts do Che, uns piercings e curtir Reggae, étnica ou Techno-Trance. Também significa montes de malta que se farta de fumar charros, abraçar causas de Esquerda, e claro, cabeças no ar que são, não se apercebem do nojo que são ou que mal provocam aos Outros.
Os Betos existem desde que o Homem se organizou em tribos, aldeias e cidades. São um mal eterno, que actualmente usam rastas e piercings falsos depois de uma viagem de finalistas à República Dominicana (porque havia lá um surto promocional para fazer estes adornos), usam T-shirts ou relógios Swatch com a cara do Che para irritar os pais capitalistas ou porque o Che tornou-se um ícone inofensivo, também adoram festas de Reggae e de Trance, com Vodka ou pastilhas para os mais afoitos. São responsáveis porque são bem integrados no sistema, quase estúpidos ou ignorantes. Os poucos que são mais cultos são ressabiados porque sabem que são odiados desde sempre. Podem ser muito nojentos mas quando são eficientes podem ser quase agradáveis.
Esta extensa introdução serve para apresentar alguns zines e livros que têm em comum desenhos e narrativas tripantes, devedoras à arte psicadélica dos cartazes Rock dos anos 60 norte-americanos.
Le Cadavre de L'ange (Hélastre; 2004) de Saguenail (texto) e João Alves (ilustrações) é um álbum fotocopiado, um livro de autor bilingue (francês e português) com ar bem seguro que comprei na última Feira Laica, apesar do preço algo que puxado (10€). Constituído por 13 textos, que a maior parte das vezes cada texto até têm direito a duas ilustrações (pelo facto de ser bilingue) ou uma ilustração que aglutina as duas versões do texto.
Os textos têm um cariz onírico em que tanto há pequenas subversões de contos infantis, alguma escatologia & decadentismo "light" e apontamentos mundanos, originados por Saguenail, um realizador e actor de cinema residente no Porto - creio.
Claro que, o que me motivou a adquirir a obra foram os desenhos grotescos de João Alves, que conheço por uma série de belas capas (serigrafadas) dos discos da Marvellous Tone, que aqui assistimos a uma verdadeira parada de criatura grotescas, animais e humanos em clima de fantasia freak (claro) muitas vezes à beira do surrealismo cómico.
Piada nº1: é quase impossível de encontrar esta edição, ao que parece um dos autores não gosta de comercializá-la o que dá na escala de freakismo um sólido 4 em 5 pontos. Com sorte através da Marvellous Tone possam arranjar um exemplar, ou talvez não...
As Ediciones Pneumáticas enviaram-nos dois livros: El charco de plástico (2005) e Hombres de aire (2007), ambos de Ginés com a colaboração de Julio Lebrato como escritor no último título. Os livros são ilustrados e tem um ar "chic-freak" - outro conceito, uma variante línguistica que une o Freak ao Beto ou será o Beto ao freak? Um problema que vejo, ao receber estes exemplares com uma boa impressão e embalados em plástico (individualmente) é que não reconheci ponta de talento e irritou-me o "luxo" das edições - que ainda assim não é tão luxuoso como poderão imaginar, na verdade são edições A5 e A6 a preto e branco com um papel bem escolhido para as capas... talvez até seja só a capa (o toque? e as badanas?) que dão um bom aspecto para o pouco conteúdo.
Será que eles nunca ouviram falar no pecado da Vaidade? Mas quem nunca pecou que atire a primeira pedra... Podem criticar a economia cega e irresponsável do uso do petróleo (El charco de plástico) ou ainda globalização (Hombres de aire) mas também se deveriam auto-criticar e ter consciência do que fazem enquanto "artistas". Ora se é verdade que há muito lixo comercial e alternativo bem embrulhado pelo mundo editorial fora também não gosto da atitude dos comentários reaccionários de "quem é que merece ser editado e como" (no caso da MMMNNNRRRG estaria bem tramado se dependesse do aval dos imbecis que condenaram as edições de Mike Diana ou do Malus, por exemplo). Deixo apenas o aviso de alerta e a promessa que farei um Diário Gráfico nestes belos cadernos - ao menos sempre servirão para alguma coisa... Seja como for é impressionante, e de se tirar o chapéu, a organização e trabalho árduo deste projecto que pelos vistos se mexe em várias direcções: livros online, ilustrações, edição, animações... Freakismo 2 em 5.
Bébé 2000 (L'Association; 2006) de Caroline Sury (do colectivo Le Dernier Cri) é um livro autobiográfico com desenhos super-freaks! Bem, "freak" é capaz de não ser a melhor palavra, apenas porque "arte freak" costuma ter a) animais b) psicadelismo e c) cabeças sem rosto. Bom, a Caroline não tem o "c)" e por isso, fica provado que não é Freak. Como sabem, ou deveriam saber, parte do espírito do LDC é a Art Brut, e o desenho de Caroline insere-se perfeitamente nesta categoria embora ela não seja uma doente mental com uma necessidade enorme de vomitar desenhos. É verdade que no LDC todos eles vomitam desenhos e Caroline não é excepção. O que não se esperava era um livro de BD com mais de 80 páginas que tratam do nascimento de Oscar, o filho de Caroline e de Pakito Bolino.
É uma mini-viagem à intimidade no LDC: vemos o trabalho dos dois no atelier de serigrafia, a esfera de amigos, as reacções de Pakito à "chocante" notícia da gravidez de Caroline, os problemas de gravidez, as mudanças na vida do casal com o nascimento. Os desenhos fingem uma estética "Brut", algumas vezes com imagens mais exageradas e até com toques de "a)" e "b)" mas que retratam bem a fragilidade e confusão paterna, o vigor feminino, os traumas físicos do parto, o ambiente hospitalar e o estado da saúde na Europa - não é só em Portugal que a Saúde anda pela fossa! Agora, o mais giro disto tudo, é claro, o que irá pensar o Oscar quando ler isto lá quando chegar à dolorosa adolescência... Pseudo-Freakismo: 4/5
por fim, do Texas, terra conservadora mas de onde já apareceu muito Frito (ex.: Butthole Surfers), chegou-nos os dois primeiros números do zine Mass (200_/08) de Nevada Hill. O primeiro número é um A6 fotocopiado, o segundo tem uma capa em serigrafia e a impressão do interior é feito num porreiro papel amarelo. O zine publica uma bd de leitura pouco linear (?) de autoria de Hill onde encontramos um imaginário de mutantes e construções orgánicas bizarras com um toque de psicadélico. A estranha personagem que percorre estes mundos, por acaso tem rastas, muito feias e tipificadas e não acontece a "situação c)" - e ainda bem caso contrário isto poderia correr mal. Tudo ao acaso, em constante construção (e pouca destruição) na tradição-trip do Moebius/Crumb nos loucos anos 60. Freakismo médio de 3 em 5.
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