A aparição do atelier Mike Goes West constitui o início de uma experiência no campo da arte gráfica em Portugal cujo alcance só poderá ser devidamente avaliado daqui a muitos anos. Para além de saber resgatar a serigrafia ao marasmo em que havia caído, o seu mentor António Miguel Coelho soube apontar com pontaria e dirigir-se àqueles que estavam disponíveis para pensar a serigrafia como muito mais do que uma simples técnica de impressão. Para muitos dos artistas gráficos (ilustradores, desenhadores, autores de BD) que passaram pelos famosos open days do atelier, a serigrafia surgiu como um admirável meio novo para se expressarem. A experiência, disponibilidade e recursos técnicos do Miguel assim o permitiam, e os resultados não se fizeram esperar. As séries Comércio Tradicional e Check Point foram o início de uma vaga de trabalhos em que a serigrafia fazia surgir novas imagens, inteiramente concebidas com a serigrafia no pensamento. Não se trata apenas de reproduzir trabalho, antes criá-lo a pensar na sua reprodução serigráfica. A experiência de trabalhar no atelier Mike Goes West é gratificante e enriquecedora. Ao artista é dada a possibilidade de experimentar, de repensar a técnica, de explorar soluções inteiramente novas. E a serigrafia é devolvida à sua verdadeira vocação: a expressão gráfica. Um exemplo disso é o Método Directo, que o Miguel resgatou à pré-história da serigrafia e que permite que a técnica se transmute em verdadeiro meio criativo, sempre que o artista intervém directamente na rede.
Pelo atelier têm passado uma mão cheia de artistas que não ficaram indiferentes a esta nova abordagem e uma série de relações e cumplicidades se têm estabelecido a partir desta ideia fundadora de fazer a serigrafia extravasar as paredes do atelier e as tradicionais limitações da técnica. A Feira Laica serviu no início como o olho do furacão, que permitia encontrar e testar o público para esta nova proposta. O sucesso retumbante desse primeiro confronto permitiu agigantar a vontade, que se materializa agora na organização de múltiplos workshops, em projectos comuns com editoras independentes (Imprensa Canalha, Opuntia Books), na criação de uma loja online para as edições próprias do atelier e na vontade de alargar as capacidades do atelier com recurso à gravura e à litografia. Não obstante, a lógica do trabalho junto dos artistas permanece a mesma: a criação do veículo ideal para a materialização em material impresso do universo de cada um.
Apesar do cerco ir longo, ninguém parece querer ceder à falta de víveres. Paradoxalmente, aqui não se sente sede ou fome.
José Feitor
Artista gráfico e editor da Imprensa Canalha
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