Canicola #9, 10 (Outono 2010, Primavera 2011)
Projectos editoriais de vanguarda têm um prazo de validade. É impossível manter ad eternum uma publicação com o mesmo grupo de personalidades artísticas ou intelectuais numa mesma posição, que geralmente significa repetição de fórmulas e a estagnação - situação grotesca para qualquer criativo. Foi o que aconteceu neste milénio com a antologia finlandesa Glömp que se despediu em glória, e é o que está a suceder com a revista italiana Canicola. Relembro que estas foram os projectos de bd mais excitantes neste milênio.
A Canicola começou como um projecto de um colectivo de seis artistas, em 2004, até que o grupo residente em Bolonha começou a desintegrar-se, continuando um grupo reduzido que têm transformado o projecto numa editora de livros de bd e a revista original em "formato livro-antologia". A redacção da revista mostra o seu cansanço no número 9 e curiosamente um "renascer" com o número 10. O número 9 têm como tema a "Itália" e consegue ser um número preguiçoso, sem apelo e com um uso excessivo de desenho e livro de esboços para encher páginas. Brilha Giacomo Monti que mantêm a sua linha de "slice of life" sobre a incompetência da vida... Acho que ninguém trabalhou para o tema ou não lhes apeteceu. Já o número 10, dedicado aos Bambini (às crianças), já deve ter dado um entusiasmo aos colaboradores e sente-se essa energia em fazer bds para os "leitores mais exigentes do mundo".
A questão de fazer bds para crianças (vindos do universo da bd de autor) começaram a surgir nos últimos anos quando muitos autores questionaram a existência desse tipo de bd depois de terem lutado desde os anos 90 na afirmação da bd como uma arte adulta artística. Alguém lembrou-se: "E os putos"? Não há nada para eles sem serem os franchisings Disney / Marvel / Asterixes? De forma comercial têm havido séries desenvolvidas pela "nova escola" francesa do Lewis Trondheim, Sfar e acólitos, para não falar do infeliz fim da revista Capsule Cosmique. No meio alternativo editorial da bd, são poucas a experiências nesse campo, talvez até haja uma série delas mas são livros de ilustração para a infância (mais fácil de executar que um livro de bd). Recordo um livro do alemão CX Huth (pela Reprodukt), outro de Tiago Manuel (Saí do meu filme) e alguns números da revista suiça Strapazin - incluindo o número / exposição comissariada por Atak e que esteve patente em Lisboa há 2 anos. Este novo número da Canicola é capaz de ser um marco histórico na exploração deste tema. Com colaborações da finlandesa (e fundadora do colectivo) Amanda Vähämäki, a alemã Anke Feutchenberger, Anete Melece (da Letónia), entre outros autores (a maior parte deles italianos) a revista publica bd pela primeira vez a cores mas não perdeu o calor abrasivo que sempre a caracterizou quando era só para adultos. Se a redacção da Canicola está cansada ou virada para a edição de monográficos, este pode ser um bom número de despedida - tal como, por coincidência o 10º número da Glömp o foi - ou um novo ponto de partida.
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