sexta-feira, 1 de junho de 2012
Infecção urinária de gunaria
Ghunagangh
No Porto, apareceu esta parceria entre o Ghuna X e Rey que fazem “fusionismo” com um foco ideológico acertado para esta Era de Caos. O primeiro é um produtor de música electrónica já com quatro álbuns editados, o segundo é um rapper que lançou o ano passado o seu disco de estreia Sua alteza o vagabundo. Para rotulá-los pode-se dizer que procuram a violência punk num formato dubstep, designação que soa muito bem em papel, segundo o figurino contemporâneo, do tipo aceitável e “hip” para vender às revistas parvas de novas tendências. Mas essas publicações iriam borrar-se todas se os ouvissem. Isto não é para meninos de penteados de 100 euros! Por isso a única promoção possível é mesmo nas margens da cultura oficial!
Tintol
Uma das coisas que solta logo aos ouvidos é a voz do Rey, de sotaque nortenho sem vergonha e a usar expressões estranhas para “o resto do país”. Como ele diz: sou do Norte que sa foda Portugal. A sua voz está muito bem colocada com os instrumentais, o registo gravado inclui quase tudo o que se pode fazer com a voz enquanto instrumento: rap, gritos, sussurros, gemidos,... Rumores dizem que Rey no passado fez parte de bandas Hardcore, talvez isso explique o seu à vontade de fazer vocalizações fora da tabelinha do Hip Hop.
Negócio de Ódio
Será alguma coincidência que a estreia deste projecto começa com um tema intitulado Negócio do Ódio? É que se há uma característica comum a toda a música dita “pesada” é justamente o “ódio”. Do Punk ao Metal, do Industrial ao Hip Hop (ou deveria dizer que toda a música moderna?) é na maioria cheia de raiva, vinculando mensagens de destruição social, física e mental como se prova nas letras escatológicas de Cannibal Corpse, na auto-degradação de Kurt Kobain, já para não falar das toinices de Limp Bizkit ou as provocações de Marilyn Manson.
Guerra e Paz
Nos anos 60/70 o Rock era uma banda sonora de contestatários que de guitarra ou molotov na mão levavam porrada da bófia e sabiam perfeitamente o que pretendiam destruir do sistema. O sistema capitalista espertalhão que é, soube-se disfarçar com a Globalização, não só no seu tecido empresarial mas na forma como dissemina e controla a cultura. Ao ponto que há alguma dificuldade em perceber onde está o “inimigo”…
As letras do Rey nada têm haver com a verborreia do seu álbum de Hip Hop, conseguindo em Ghunagangh fazer letras simultaneamente simples, inteligentes e orelhudas – uma equação extremamente difícil. Figuras violentas e questões sociais aparecem nas letras de forma que se circunscrevem numa experiência de vida portuguesa real, sem fantasias anglo-saxónicas que não interessam a ninguém. O inimigo está à vista de todos: somos todos nós consumidores ociosos e irresponsáveis – com clarividência, o Rey soube identificá-lo!
Babylon arde
A codificação de tribos urbanas foi levada ao extremo na década de 80 e se hoje achamos que o Punk foi algo importantíssimo para todos os que praticam arte, na verdade o seu legado, ou melhor, a sua absorção pelo “mainstream” acabou por salvar justamente o sistema que se pretendia destruir. Não só a indústria fonográfica levantou-se como as vendas dos discos de Punk como o Punk trouxe lugares-comuns detestáveis como a (anti-?)mensagem “Sex & Violence” que se ramificou por subculturas posteriores como o Gótico, Metal, etc… Estas subculturas apesar de apontarem o inimigo (a sociedade, o Estado, Deus, etc…) tem um a maior parte das vezes um papel social nulo. Parece que só oferecem a audição de música carregada de milhares de decibéis, palavras de ordem e ruído que fodem apenas os ouvidos à malta “alternativa” e lobotomizam a acção directa! E pior, cada tribo juvenil criou complexos (e estúpidos) códigos de vestes, tipo de sons a consumir e uma rivalidade com as outras (sub) culturas.
Chibo
A geração Punk e consequentes criaram um antagonismo à geração Hippie. Diz-se que esta última “falhou” mas resta saber em quê? Porque graças às contestações desta é que passamos a trabalha menos, a ter direitos laborais, cívicos, sociais e até sexuais… Enfim, nunca o mundo esteve pior em termos de direitos humanos mas ninguém se lembra de apontar isso à geração dos anos 70!
Tudo ao soco
As “raivas” da música moderna são apenas catarses juvenis, que acabam por ser inócuas porque só servem para “mosh pits” em quem se magoa são os próprios indivíduos revoltados. Depois das descargas de adrenalina nos concertos já podem voltar à vida normal, mais calminhos e na linha no ambiente que tanto criticam. Quando Rey diz que se foda o povo (…) quero ver tudo ao soco não está a pedir para as pessoas andarem à pêra num concerto mas antes que se manifeste confusão nas ruas para acordarmos desta letargia que vive a sociedade ocidental.
Morre boi
O som do Ghuna X não anda nos passeios cósmicos do seu último disco homónimo mas produziu poderosos ritmos funcionais ao ponto que o nosso corpo não pode ficar quieto. Quando lhe dá em “beats” pesados é claro que queremos bater em alguém – de preferência em alguma tia estúpida que ao nosso lado comece a falar alto durante uma actuação ao vivo do grupo.
Disseram-me que “partiram” na noite do lançamento do disco… eu acredito porque quando os vi na sua segunda actuação às tantas da manhã no Porto, senti que tinha voltado há 17 anos quando vi os primeiros concertos dos Primitive Reason – quando estes eram bons, na formação original. A vontade de pular e cantar é tal que me sentia como um puto de vinte e tal anos.
Engana-se quem pensa que vai ver uma espécie de uma banda de EBM por causa da formação - um gajo nas máquinas e outro com microfone - dois no caso do Rey. Ghunagangh não é uma rabetice à procura de armários. O som que bomba é puro testosterona de mitra de subúrbio fodido. Esta banda não precisa de implorar por um “mosh pit” como vi montes de bandas no 15º SWR.
Estado de emergência
A música moderna é perigosa? Duvido... Talvez como toda a Arte seja perigosa quando nos faz questionar valores. Por ser um “Media” barato e de fácil acesso, conivente com “life-styles” é mais fácil ouvir música do que ler um livro ou ver um filme. A música proporciona alguma facilidade na transmissão de ideias porreiras (ou perigosas) que de outra forma os jovens iriam ignorar – nada mais saudável que ter flyers sobre vegetarianismo ou igualitarismo a caírem de um disco de Hardcore militante…
Cala boca e trabalha
As excepções em que a música moderna mostrou-se realmente conflituosa com o sistema foi com o activismo político de Fela Kuti nas suas várias acções e vicissitudes contra o governo da Nigéria, os anarco-punks Crass que eram perseguidos e investigados por tudo o que era organizações governamentais, as bandas Hardcore que fazem concertos ou discos “benefit” para causas humanitárias ou ambientais, e in extremis quando os Atari Teenage Riot tocaram no meio dos confrontos policiais no 1 de Maio de 1999 em Berlim, acabando a banda presa. Podemos ainda referir as campanhas para a câmara de S. Francisco e Londres por Jello Biafra (Dead Kennedys) e Malcom McLaren (manager dos Sex Pistols), respectivamente, ou as campanhas para Presidente da República por Manuel João Vieira (Enapá 2000), que acabam sempre em palhaçada. De resto: será que alguém me ouve quando berro?
Clube rude
Nos finais dos anos 80 surgiu uma série de bandas que praticavam o “fusionismo” de facções musicais antagónicas, falo de Urban Dance Squad ou Faith No More ou Infectious Grooves que nos relembraram que a música é algo que não merece para andarmos aos tiros uns aos outros. Se há alguém para acertar com balas é um rico filho-da-puta, um bófia (canídeo do sistema) ou uma top model - que só serve para promover a anorexia e bulimia.
Ghunagangh reúne dub, electrónica, hip hop, electro, noise e até Grindcore (sim-sim! o Morre boi é uma versão electro do You suffer dos Napalm Death!) com a mesma energia e frescura como as fusões loucas (e importantes!) de Bring tha noize dos Public Enemy com os Anthrax.
Gunaria Pesada
Ghunagangh não são “punks bestas”, a acção deles é subversiva ao ponto que a edição do disco é algo no mínimo insólita porque é um "patch" – para colocar no casaco de metaleiro arrependido, carago! Ele vem dentro de um envelope com um papel onde se encontra um código de descarga do disco em linha, mais uns autocolantes desenhados por Rudolfo e o norte-americano Mike Diana. O desenho do “patch” é de Rafael Gonçalves, a capa do “disco” e do cartaz do primeiro concerto é de Rafael Gouveia – que reforça a comparação a Primitive Reason, uma vez que este autor fazia os seus cartazes nos anos 90…
Qualquer dúvida é só ouvir em www.facamonstro.bandcamp.com/album/ghunagangh
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