Cidade de muitas livrarias, Buenos Aires não desaponta no que à banda desenhada diz respeito. Mas também não deslumbra. O colecionador proveniente da Europa poderá demorar-se na livraria Enteléquia, sita no número 341 da Avenida Uruguay, onde encontrará vários exemplares das revistas que marcaram o período dourado da historieta argentina, de Hora Cero ou Misterix (anos 1950-60) até Hierro (anos 1980), tudo devidamente fechado em invólucros de plástico, etiquetados com preços mais ou menos acessíveis. Os clássicos de Oesterheld estão igualmente disponíveis em livro, em particular os que resultaram das parcerias com Solano López (Eternauta I e II, pela Doedytores) e Alberto Breccia (Sherlock Time, Mort Cinder, pelas Ediciones Colihue, menos apelativas por causa das suas capas uniformes em tom laranja). O problema começa quando se pergunta pela banda desenhada argentina actual, em especial os trabalhos de pendor mais alternativo ou experimental. Em livrarias como a Enteléquia ou a Club del Cómic, a amostra é reduzida, para não dizer inexistente, sendo abertamente menosprezada pelos funcionários em proveito das velhas glórias entronizadas. E torna-se complicado tropeçar em pontos de venda de fanzines e edições independentes, mesmo para quem disponha de alguns dias para calcorrear as longas artérias que cruzam o Microcentro, em especial as duas margens da Avenida Corrientes entre Callao e 9 de Julio. Mas eles existem, claro: por exemplo, a galeria LDF, no fascinante bairro de San Telmo (Avenida Perú, 711), que todavia não tivemos oportunidade de visitar.
As notas que se seguem são, por isso mesmo, esparsas, resultando sobretudo das informações e materiais disponibilizados pela ilustradora Muriel Bellini. Há pelo menos duas editoras a ter em conta: La P!nta e Burlesque. O catálogo da primeira é reduzido, consistindo numa meia dúzia de livros em formato comic, com boa apresentação, podendo ser facilmente encontrados em livrarias como a Enteléquia. Já as Ediciones Burlesque editam brochuras em formato A6, mais próximas do circuito dos fanzines e, como tal, mais difíceis de descobrir. Em qualquer dos casos, o que se edita são maioritariamente autores argentinos, mas não só (Burlesque tem colaborações provenientes da Suiça ou da Holanda, entre outras). Berliac será porventura o nome mais projetado da nova geração. Se Rachas (La P!nta, 2009) nos apresenta um conjunto de histórias ‘de romance e mistério’ ilustradas a traço grosso e com muitas sombras, aqui ou ali fazendo lembrar Muñoz, DGMW / Devil Got My Woman (La P!nta, 2011) afirma-se como realização de maior fôlego, onde o autor desenvolve um registo subtil e original, de traço parcimonioso de modo a gerar um efeito de desenho ‘inacabado’ que na verdade se complementa em manchas de um cinzento desbotado, aplicadas com mestria. A história, com argumento de Damián Connelly, relata as investigações de um jornalista em torno do bluesman Nehemiah Curtis ‘Skip’ James, contendo admiráveis enquadramentos inspirados nos cenários naturais do delta do Mississípi.
Connely & Berliac, DGMW
Para além do craque Berliac, a seleção de banda desenhada argentina
apresenta outros recursos dignos de nota, como o humor extravagante de Ernán
Ciriani, servido com um traço desleixado e bastante idiossincrático (vários
trabalhos publicados no fanzine peruano Carboncito);
ou as narrativas autobiográficas de Ezequiel García, num estilo que nos recorda
o melhor de Marcos Farrajota, tanto a nível gráfico como textual (Llegar a los 30, Emecé Editores, 2007; e
aventuras subsequentes, também em Carboncito);
ou ainda as atribulações domésticas de Camila Torre Notari, em especial a sua
produção a preto e branco (Es Miserable,
No?, Burlesque Ediciones, 2010; e outros trabalhos em Carboncito); e, para finalizar, os super-heróis surrealistas de
Fran López (Súper, Burlesque
Ediciones, 2010). É caso para dizer que, se em tempos o melhor da historieta argentina girava em torno de
naves espaciais e extraterrestres (com a notável exceção dos argumentos de
Oesterheld desenhados por Pratt), a inspiração contemporânea é mais terrena
mas, igualmente, bem mais variada.
Ernán Ciriani, 'De como os Conquistamos', Carboncito 13
Ezequiel Garcia (sem título), Carboncito 13
Camila Torre Notari, Es Miserable, No?
Fran López, Súper
Sites & blogs
Contactos:
Galeria LDF: ldf.galeria@gmail.com
Berliac: berliac@bibliopinta.com
Ezequiel García: ezeqgarcia@hotmail.com
Muito obrigado por la nota! Burlesque Ediciones está en https://www.facebook.com/editorialburlesque. Podemos coordinar para hacer envíos a todo el mundo!
ResponderEliminarLuciano
Burlesque Editorial