terça-feira, 26 de março de 2013

Os Baeza



v/a : Mr. Spoqui #39 (Nov-Dez'12)
Amanda Baeza : Our Library (Mini Kuš! #13; 2013)

Hoje duas belas descobertas na nossa visita à N.A.V.E. neste Domingo passado. A primeira foi a banda Aye-Aye verdadeira besta destruidora de Grind / Noise que dá juz ao seu estúpido nome. a Segunda foi ter conhecido o trabalho da Amanda Baeza, a solo com um livrinho de BD editado pelos camaradas Kuš!, e com a família (ao todo são 4 irmãos entre os 13 e os 21) com o zine Mr. Spoqui. Claro que o zine já tinha aparecido na Feira Laica e noutras idênticas mas aconteceu que não tinha dado a atenção, ou então este #39 dedicado à Magia deu... juz ao tema. Alguma BD feita por eles e autores estrangeiros, colagens ou coisas encontradas fazem as páginas do zine, embalado com um Design impecável e... familiar!
Seguindo as novas tendências gráficas à escala global sobretudo na Ilustração, Our Library é um livro de BD em formato A6 e a cores - na tradição da Quadradinho e outras muitas colecções com o mesmo formato espalhadas pelo mundo. A BD conta dos perigos que uma biblioteca pode trazer para o mundo e relembra-nos que a repressão do sistema está sempre aí, à espreita. Belo trabalho, bela surpresa!

domingo, 24 de março de 2013

ccc@NAVE


Vamos à NAVE com os nossos livros!

sábado, 23 de março de 2013

Kuti Kuti



Participei no último número do famoso jornal finlandês de BD Kuti com um artigo já conhecido neste blogue. Por causa disso chegou-me um caixote cheio de exemplares desta publicação - mais o Specter (2012), que foi o primeiro livro dos autores que integram o atelier Kuti Kuti (em Helsínquia). Apadrinham o tema da Ficção Científica / Fantástico mas os 14 finlandeses mais o dinamarquês Soren Mosdal e a norte-americana Juliacks cagaram bem de alto para entrar nos seus típicos esquemas ácido-gráficos que tornam este objecto A3 cheio de cores em mais um estonteante objecto de culto. Para além de que estão cá todos os que interessam: o Tommi Musturi com um novo estilo gráfico, o tarado do Jarno Latva-Nikkola, os manipuladores Amanda Vähämäki e Roope Eronen, etc... Pedidos para aqui.

Quem quiser o jornal Kuti, há umas quantas hipóteses de o apanhar grátis: uma visita à Bedeteca de Lisboa (deixei lá alguns exemplares), comprando livros à Chili Com Carne que tenham autores finlandeses - não se esqueçam desta ENORME novidade!!! - ou indo a eventos em que a CCC esteja presente. Quem não foi ontem ao lançamento do Kassumai poderá apanhar amanhã na inauguração da NAVE... Aproveitem!

Psicose+Sangue Violeta+Inferno+MdC#23



Os livros PSICOSE [Miguel Costa Ferreira e João Sequeira] e SANGUE VIOLETA E OUTROS CONTOS [Fernando Relvas], estão em destaque na loja FNAC do Chiado.
Podem também adquirir estes e outros títulos da El Pep através da loja online da CCC, ou nas lojas da especialidade.

Na parteleira de baixo encontram-se o número 23 do Mesinha de Cabeceira [colectiva de autores | CCC 2012] e o livro INFERNO de Marcel Ruijters [MMMNNNRRRG 2012]. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

O Inferno são os outros...

Há pouco tempo o Manuel Pereira, instigador da Narcolepsia, editora de k7s de Noise, disse-me que o Noise é o “novo Punk”. Há vários aspectos que o comprovam: a facilidade que qualquer um poderá fazer este tipo de música, o intercâmbio anacrónico (por “snail-mail”) de objectos igualmente anacrónicos – como k7s – que obriga a quem procure por este tipo de cultura tenha mesmo de se esforçar e não apenas clicar num botão do rato para descarregar o que quisermos; a estética lo fi (fotocópias, fanzines, k7s, colagens), a cultura de choque (nomes dos projectos e imagens vinculadas a “serial-killers”, ditadores sanguinários, massacres, pornografia bizarra, imagens clínicas, deformações de corpos, decadência urbana) e uma falta de hierarquia do movimento – cada um faz o que lhe apetece e ninguém trabalha nisto para fazer dinheiro (embora já hajam muitos artistas Noise que são “stars” como o Merzbow ou KK Null)… O Rui Eduardo Paes até já escreveu um texto a dizer que quem pratica Noise é anarquista, quer queira quer não.

O Noise quer a cultura Industrial são realmente um bocado devedoras ao Punk é certo porque coexistiram ao mesmo tempo e como tal partilharam das mesmas evoluções tecnológicas. Mas a cultura Industrial cedo ultrapassou o Punk ao nível artístico, indo à exploração tecnológica e a sua relação com o ser humano, e também ao nível ideológico – a criação de novas utopias versus o hedonismo e individualismo do Punk. O Noise afastou-se das seus estandartes políticos e comunais da cultura Industrial para estar numa base misantrópica igual ao do Black Metal mais norueguês possível. O que está fora do quarto (ou casa ou estúdio) onde se produz este tipo de música parece pouco importar aos músicos. Como dizia o Merzbow, quem faz “barulho” são os outros com as suas produções comerciais que não nos largam, que se encontram em todo o lado (rádio, TV, mupis, etc…). Quem faz música Noise tenta escapar ao “barulho” da sociedade opressora criando uma muralha de som para poder afastar os “outros”.

Por isso cada vez que encontro artefactos Noise sinto que estou num mundo paralelo – há muitos pelo mundo fora, o Noise não tem exclusivo do “alienígena” – onde ninguém quer agradar ninguém, e os instintos mais básicos dos humanos vêem ao de cima, como um cano de esgoto se rompesse e viesse toda a merda ao de cima. Não é a melhor sensação do mundo… Isto a propósito de recentes edições da Narcolepsia… a saber:



Bile Enema (Narcolepsia; 2011) é uma K7 Noise e um zine de colagens que “não devem ser vendidas separadamente”. Da música temos Noise com algumas estruturas dinâmicas ao longo do tempo doloroso e nesta maldita k7 de plástico azul Pop – cortesia de Filth Turd. O zine são colagens de Manuel Pereira com frases de Darren Wyngarde / Filth Turd.



Squeal like a pig (Black Blood Press; Mar’12) é um graphzine internacional com desenhos, fotografias e colagens que não foge ao padrão de mostrar a anormalidade do mundo. A riqueza da Humanidade nunca será demonstrada pelas fotografias da Benetton ou das revistas de novas tendências mas justamente por publicações deste género que mostra o que está por detrás, por baixo e por dentro dessas fotografias. O desigual, o assimétrico, a víscera, a cárie, a nudez, a penetração, o pagão, etc… essas são as nossas verdadeiras figuras que os tipos do Le Dernier Cri, Smittekilde e muitos outros projectos editoriais fazem questão de não nos esquecermos. Eis mais um exemplo…



Troubled Sleep #2 (Narcolepsia; Inverno’12) está melhor que o primeiro número porque não repete o mesmo “template” de paginação e as entrevistas estão (ligeiramente) mais soltas. As colagens batem no ceguinho “sexo+morte”, ou seja muita pornografia com alguma gangrena e próteses, enquanto os “noisers” falam de si – ah, pois, este fanzine é de Noise / Power Electronics / Death Industrial / Postmortem / Black Metal incluindo entrevistas a músicos como N., Knullkraft, Wince, ou outros projectos fanzinistas como Coprolaliac Press.

Só para estômagos fortes, né?

terça-feira, 19 de março de 2013

Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo (3 volumes)



Pedro Franz
ed. de autor; 2009-12

Este nem meto nas discussões da bd brasileira porque é mesmo um OVNI à escala global. Franz, que participou no MASSIVE, elaborou uma BD distópica nada longe da nossa realidade, ou seja, uma sociedade pseudo-democrática manipulada pelos media e por um estado policial sofisticadamente repressivo, em que a esperança aparece de um grupo de anarquistas / piratas intitulados de "Jolly Roger" - cujo discurso político segue os ideais Zapatistas e do Sub-comandante Marcos.
O traço pode ser reconhecido pelas influências de Paul Pope ou de Taiyo Matsumoto, o universo ao ser uma amalgama de referências fantásticas lembra o Malus e estas Promessas (...) situam-se no mesmo campo temático da "revolta dos escravos" de Piracy is Liberation. Posicionamentos estes que não invalidam uma voz singular, antes pelo contrário. Tanto que Franz ainda introduz alguma inovações à forma como publica o seu trabalho. A começar por disponibilizar todos os conteúdos para descarga grátis em linha (ide ao sítio sacar o material, ide!!!) mas também porque cada livro tem formatos diferentes de publicação física.
O primeiro volume, Limbo, sendo mais tradicional na forma de bd é publicada numa espécie de "comic-book" impresso em papel jornal como se fosse uma produção popular. O segundo volume, Underground, são 55 láminas soltas (folhas soltas) em que o próprio autor incentiva a serem colocadas em ordens diferentes (ao gosto de cada um) enfiadas num envelope - e que dará em breve a uma referência na segunda parte deste artigo. Serão estas láminas soltas um simulacro das folhas volantes - outra forma popular de desseminação cultural? Serão estes formatos formas de homenagem aos media dos últimos dois séculos? Se for, impõe-se uma diferença ao Piracy (...) que trata da revolta pelos meios electrónicos, na tradição do romance cyberpunk.
Por fim, apareceu o terceiro e último volume, Potlatch, um álbum agrafado a cores com uma dimensão superior ao A4, perfeito para quem explora gestos bruscos e expressivos a pastel e lápis de cera. Como último volume da série transmite uma sensação de vazio dada à "inconclusão linear" da história até agora narrada. É certo que se esperava algum "classicismo" de história de aventura / acção como mostrava o primeiro volume, em que o segundo volume seria apenas um desvio experimental e como tal a "trama" se retomaria agora no terceiro volume para completar a "série". Felizmente isso não acontece (mas lá bem no fundo o "nerd" dentro de mim acha que não!) e o trabalho deixa as revoltas populares, as violências policiais e as paixões em aberto. Tão aberto que como o mundo que vivemos...

sábado, 16 de março de 2013

Lado B? Mas que lado b?



A Tree of Signs : Salt
Capitão Fantasma  : Canção do Carrasco 
(Chaosphere + Raging Planet; 2012)




Jíbóia (Lovers & Lollypops; 2012)

Eis três discos cuja única coisa que partilham é o facto de serem editados em vinil e ocuparem apenas uma das faces do disco... sim, é isso mesmo, só há um "lado A" ou se preferirem, uma vez que deixa de fazer sentido escrever "lado a e b", o que há é um "lado gravado" e outro não.

Na Era do Bandcamp para que raios quer uma banda ser lançado por uma editora fonográfica? Uma editora para gravar quando qualquer música consegue gravar em casa? Para lançar discos que não se vendem? Para lançar discos de poucos exemplares para meia-dúzia de fetichistas de discos físicos? O Bandcamp permite as bandas colocarem música para se ouvir gratuitamente, para descarregar gratuitamente ou não, e já agora ainda se pode vender objectos físicos (discos em vinil ou CD). Teoricamente ter uma editora pouco interessa às bandas nos dias de hoje no entanto! No entanto muitas das bandas underground pagam aos editores para as lançar - não sei se é aqui algum dos casos, acho que não acontece com nenhuma delas - isto porque uma editora ajuda naquilo que os artistas não sabem ou são incapazes de fazer, que é promover e distribuir o seu próprio disco.

O que significa que nos dias de hoje, o trabalho de um "editor" esteja em risco de desaparecer porque não pode fazer lá grande coisa quando é a própria banda que lhe está a financiar a empresa (quem vai mandar numa situação destas? quem paga a conta afinal?) e porque os artistas não parecem saber "editar" o seu trabalho. Esta última questão é mais ou menos grave, significa que os músicos ou artistas não conseguem ter uma visão do que deve "sair" ou "entrar" no seu trabalho quando exposto publicamente, ou não tem confiança em si próprios para arriscar no formato certo ao qual a sua música deveria se materializar.

Se incluirmos as restrições orçamentais - convenhamos que nem a banda nem a editora sejam ricas - vamos assistir a estas deformidades que temos aqui presentes. Gravar um disco em vinil porque é "cool", é uma espécie de vaidade - "o vinil voltou" é o chavão que se aplica. O que é lamentável é que estas bandas não tiverem nem coragem nem vontade de fazer a coisa como deve ser, como por exemplo editar os discos de 10" (que é mais caro que fazer um maxi de 12" mas muito mais sexy! Vide Çuta Kebab & Party) ou fazer mais músicas para ter dois lados, ou convidar outra banda para fazer um split. Na produção musical portuguesa vive-se um estranho e renovado solipsismo e confusão mesmo que se vivam estes tempos da crise eterna do "fim dos discos" e da crise económica. Adiante!

A Tree of Signs tem elementos ligados ao Black Metal português (Corpus Christii, Mother of Hydra) mas deixaram isso na prateleira para fazer um disco de Doom assim "soft", em formato de power trio com voz feminina que também toca orgão - soa mal escrever isto assim, bem sei. A gravação é limpinha como um cu de gatinho depois de lambido pelo próprio. Somos levados para um Heavy clássico que prefere ser ritualista do que demoníaco, talvez por isso que temos um meio-LP de cerca de 24m justamente para não interropermos a cerimónia para mudar de lado, né?

No segundo caso há ainda mais mitrice, além de só termos um lado gravado de um single 7", ainda para mais temos apenas um tema seguido pela sua versão instrumental - teoricamante para quem quiser fazer Rock'n'Karaoke. A capa é preto e branco sem atrair muito mas o vinil é vermelho sanguinário q.b. Tema Rock'n'Roll com laivos de Surf como sempre muito bem feito por estes veteranos que é impossível apontar defeitos. O disco serve para alimentar o culto envolta da banda... Acho que vou comprar um leitor mp3 depois disto!

Jibóia é a revelação de 2012! E será de 2013 agora que há finalmente disco! Depois de ter tocado em toda a sala de espectáculos, bares, teatrinhos e espaços exóticos (hoje toca num restaurante Kebab no Porto!!! vão vê-lo CARAGU!!!), finalmente saiu o maldito disco - verdadeira saga exaustiva para o encantador de serpentes Óscar da Silva. Jibóia é um "one-man-band" que usa guitarras digna do Rock turco e beats sujos de um Omar Souleyman (embora num dos temas vêm à cabeça o House manhoso do Cães de Crómio, tema Techno dos Mão Morta do álbum Vénus em Chamas). É portanto um verdadeiro apetitoso caldeirão da Aldeia Global que merecia uma capa decente e um Lado A. Vale pela música, o objecto temos tantas dúvidas como os outros acima referidos, shame on the nigga...

sexta-feira, 15 de março de 2013

terça-feira, 12 de março de 2013

sábado, 9 de março de 2013

Comix Remix, parte I

Lembras-te quando eras puto com um gravador de k7s e com a pretensão de querer fazer música usando pedaços daqui e dali? Querias misturar aquele “beat” de uma música com um berro histérico do apresentador do programa de rádio. Ou prolongar para sempre aquele riff que tanto gostavas – e nesse tempo nem conhecias o termo "Drone"?

Pois é, já vivias numa “era de edição” em que os Dadaístas, William S. Burroughs, os Situacionistas, o Hip Hop e o Techno deram as bases teóricas, artísticas e técnicas, e por fim, o mundo digital deu as ferramentas para a concretizar ubiquamente. Todos nós seja quando preparamos um e-mail apaixonado ou um relatório cinzento habituamo-nos a escrever, corrigir, reescrever, cortar um excerto e colocar noutro parágrafo, reutilizar um texto para outro propósito nem que seja mudando o nome a quem nos vamos endereçar! Vivemos uma cultura de “copy / paste” – consequentemente as formas de arte arranjaram mais outras terminologias como “remix” ou “mash up”.

Enquanto isso as leis de direito de autor agonizam, sem saber onde irão chular a seguir, e até parece impossível que se venha a cometer outra vez crimes oficiais como aconteceu ao John Oswald ou aos Negativland (1) há umas décadas atrás – o que não verdade como irão ver mais à frente. Apesar da fama de batalhas legais ir quase sempre para a indústria fonográfica, na verdade os maiores casos legais de direitos acontecerem (e continuam) no seio da indústria BD norte-americana e na Europa, com a intratável Fundação Moulinsart a perseguir tudo e todos que usem o velho Tintin e a sua cadela idiota. A defesa extrema do “copyright” na BD é mais um pecadilho a juntar à história negra da BD. Mas não é sobre isto que vos quero falar mas sim sobre as possibilidades da cultura “remix” no médium do “comix”. E temos de falar disto rápido! Não há tempo a perder!

A BD demorou 40 anos a chegar ao automatismo (obrigado Robert Crumb e Moebius por terem tomado drogas!), ”andou às aranhas” com a autobiografia ou à auto-representação do autor, jornalismo, ensaio e crónica e uma eternidade no que diz ao respeito institucional. Não podemos ficar de fora, não podemos deixar que os DJs roubem todo o bolo! Preparem lá essa tesoura e cola! Melhor ainda… saquem lá o Photoshop!



Socialistische Patienten Kollektiv

Talvez as formas mais vulgares de “comix remix” serão os “cadáveres-esquisitos”, ou Comix jams como são conhecidos, em que vários indivíduos encontram-se num evento e fazem uma BD improvisada. Cada autor escreve e desenha uma vinheta, passa a outro autor para que seja continuada sem poder exercer nenhum controlo sobre o que irá acontecer à sua história original. Geralmente funciona bem quando o teu grupo de amigos junta-se no mesmo bar há anos e já não têm nada para discutir…

Os “cadáveres-esquisitos” são um catalisador colectivo de subconsciente onde reina algum caos narrativo (para não falar gráfico) no entanto este processo também pode ser direccionado com um propósito como um argumento prévio. É o caso de The Worm : The Longest Comic Strip in the World (Slab-O-Concrete + The Cartoon Ar Trust; 1999) escrito por Alan Moore e desenhado por “a galaxy of greats” (2). Com um propósito de criar fundos para o Cartoon Art Trust em 1991 através de um evento espectacular e mediático, participaram 125 desenhadores para realizar 250 vinhetas expostas em 75 metros lineares de cumprimento ganhando o estatuto da maior tira de BD do mundo pelo Guiness. A narrativa passa por um sonho utópico de um autor de BD que revê todo o processo da progressão da Humanidade e da sua relação com a BD: das pinturas rupestres aos hieróglifos, das tapeçarias de Bayeaux à BD moderna. O esquema de trabalho parece explicado no livro que publica o resultado final e percebe-se que houve um cuidado minucioso de Moore para cada vinheta fazendo com que esta BD seja diferente pela performance ao vivo e pela caldeirada de estilos gráficos de vinheta para vinheta.

o trabalho em linha de montagem de The Worm

os resultados gráficos  caóticos de The Worm

Mais interessante é a compilação Twilight Jamming : comic jams by Serbian underground family and their further relatives (Silent Wall Army; 2008) que é um “best of” das melhores experiências do género realizadas na Sérvia – onde existe uma tradição em “jams”. A mais radical enquanto manifesto artístico é do autor Wostok que declara que Year after year it was getting harder and harder for me to force myself to read some of those “profesionall” and “hight quality” comics. And when I had almost lost all hope that it is possible to find something really new, fresh and Creative in comics, it happened that I came across the stories and drawings of na absolute amateur. That peson was my four year old daughter Lola.[sic] Talvez esta descoberta tenha ajudado Wostok a tornar-se um incansável instigador de workshops de BD que realiza com grupos em aldeias, vilas e cidades, fora ou não da Sérvia, e ao publicar os seus resultados já merecia também um registo no Guiness por ter editado mais números de um fanzine – não me recordo mas creio que já ultrapassa os 600 números do seu zine Krpelj. Uma das BDs apresentada no Twilight Jamming usa um texto de Kate Hodges que biografa o mítico e alucinado produtor musical inglês Joe Meek (1929-1967). Ou seja, Wostok andou pela Sérvia e Alemanha obrigando as pessoas que se metessem no seu caminho a desenharem uma vinheta a partir do dito texto. A vantagem sobre o The Worm é que realmente o amadorismo chega ao ponto de haver participantes que nem desenham mas recortam imagens. Há uma vinheta que tem uma fotografia do Kurt Cobain, outras usam vinhetas de outras BDs populares (italianas?) sem relação com o texto criando todo um novo discurso entre imagem e texto – que não é assim tão novo, já lá iremos! Esta BD sobre Meek é de uma puerilidade cómica alinhada a um surrealismo sujo porque as imagens desenhadas (ou coladas) são feitas pelos participantes sem que estes tenham qualquer documentação real. Esta biografia de Meek acaba por ser tão negra e mistificada em imagens tal como foi realmente a sua vida.


o rapaz dos Nirvana a servir aos interesses britânicos e sérvios



Impelida pela força do silêncio abre-se para trás uma porta


Mas como dizia, não há um novo discurso na relação disparatada entre texto e imagem “roubada” porque Max Ernst (1891-1976) fez dois maravilhosos livros de BD: La femme 100 têtes (Éditions du Carrefour; 1929) e Semaine de Bonté (Jeanne Bucher; 1934) (3). Ambos são “graphic novels” como muitas outras que se editaram nos anos 30 do século passado pelo mundo fora, geralmente identificáveis por usarem uma imagem por página (ou até uma por folha) ultrapassando as narrativas em mais de 200 páginas e com temas que não eram para entretenimento infantil e juvenil, como He Done Her Wrong (Doubleday, Doran & Co.; 1930) de Milton Gross (4) ou Destiny : a story pictures (Delphin; 1930) de Otto Nückel. De facto a existência destes livros revela outro pecado da BD enquanto arte, que não deixou este formato vingar até o aparecimento de Maus de Art Spiegelman em 1986. Ainda assim a diferença destas “graphic novels” com as de Ersnt é que este usa colagens para ilustrar os seus textos usando reproduções de gravuras da época Vitoriana cheias de tragédias épicas (acidentes) ou quotidianas (ambientes sórdidos), animais e engenhos tecnológicos, figuras etnográficas e mitológicas. As colagens naturalmente reúnem objectos e figuras humanas em desproporções físicas talvez porque não havia as fotocopiadoras (ou Photoshop!) para reduzir ou ampliar imagens o que no caso de Ersnt até reforça o cariz surrealista das obras. Semana de Bondade é impressionante como Ernst conta vários crimes passionais com imagens tão “desconexas”. É impossível, por exemplo, a mesma personagem ter a mesma cabeça ou corpo de imagem para imagem (vinheta para vinheta ou página para página) uma vez que cada colagem usa fontes diferentes não podendo. Talvez dada à tecnologia da altura, reproduzir a mesma “figura” implicasse ter vários exemplares da mesma revista de onde Ersnt recortava para ter uma continuidade figurativa, ou então, ele simplesmente não o quis... Para os fatalistas do “tudo já foi inventado”, é verdade, o Max Ernst foi o primeiro “comix remixer” do mundo!

Capa de Una Biografia
Em 1973 é dado mais um passo em frente neste tipo invulgar de BD, com o espanhol Chumy Chumez (1927-2003) e o seu álbum Una Biografia – um livro de 104 páginas em grande formato (27x35cm). Diz na introdução da edição da Grupo Libros (1994) que o autor demorou 5 anos a fazer este álbum, três dos quais a juntar imagens para recortar e montar. As imagens são também retiradas de revistas ilustradas do século XIX, por isso, elas são também na essência gravuras, dando, tal como os livros de Ernst, alguma coerência formal e estética. Chumez admite também que não queria que as suas colagens ganhassem uma dimensão surrealista, o que se concluí que deveria conhecer os livros de Ernst e não queria ser facilmente comparado, embora isso seja quase inevitável por não haver muitas obras assim. Onde claramente se distingue é na composição de página, sempre composta por três tiras por página, e texto em baixo de cada tira/ vinheta, um formato rígido, tradicional e facilmente reconhecível da BD. A sensação que as imagens nos transmitem é de planos cinematográficos, o que não será de estranhar, uma vez que o autor além de cartoonista também era realizador de filmes (5), havendo sequências sem texto perfeitamente assombrosas – a do sonho, da fecundação (microscópica), dos pássaros (da morte) ou a do leão.

a fecundação em Una Biografia


Muito provavelmente haverá mais deste “tipo” de trabalho - BDs feitas exclusivamente de colagens - espalhados pelo mundo, e correndo o risco de passar por ignorante nacionalista não deixaria de comentar uma modesta intervenção de 5 páginas da BD Avés Marias Rap de Diniz Conefrey na revista Lx Comics #2 (MFCR; Outono 1990) que desbunda um “rap” sobre Lisboa usando imagens desenhadas de panfletos turísticos e fotografias de Lisboa. Mais curioso ainda é que o próprio texto é também um “mash-up” de textos do escritor Cesário Verde e uma reportagem sobre Portugal da National Geographic dos anos 50. Com duas vinhetas / tiras por página é um retracto melancólico de um país pobre que só pode viver do turismo mas sobretudo é uma pequena pepita de ouro produzida mais sobre a influência da música de David Byrne e Brian Eno do que outra obra visual.

o Rap de Conefrey


A propriedade é um roubo

Os franceses adoram o termo “detournement” para quando se pega numa imagem e muda-se o texto dando à imagem um significado completamente diferente. Os Situacionistas na sua acção fartaram-se de fazer isso nos anos 60, mais tarde os Punks mantiveram esta ideia viva até que nos dias de hoje quase toda a gente pratica esta arte iconoclasta – quantos “forwards” com um gif animado e manhoso a gozar com alguém famoso recebes por dia?

Em Itália também se mastigou bem o Situacionismo especialmente o autor Stefano Tamburini (1955-1986) que entre várias sacanices elaboradas, é de se referir o divertido Snake Agent (1984) em que fotocopiava as tiras “clássicas” (como o Secret Agent X-9), remontando para histórias de espiões obcecados em prazos e timings minuciosos. Para gozar com a questão da precisão e cronometragem, as imagens eram arrastadas na fotocopiadora dando um efeito de “desfoque” – da mesma forma quando um objecto é “fotografado” a uma grande velocidade. Já antes, Tamburini, diz-se, que chegou a fazer BDs de “westerns” para a enorme indústria italiana de “Fumettis” decalcando os desenhos de outras BDs similares (5). Nunca vi o resultado disto nem consegui confirmar através dos meus contactos italianos mas só por si é um belo mito urbano!

Snake Agent por Tamburini publicada na revista brasileira Animal (ou julgavam que isto tinha sido traduzido em Portugal? Ah!)

Com o advento da fotocopiadora e mais tarde dos PCs, o uso de fotografia ou de outras imagens, colagens e inserção de objectos ou texturas nos trabalhos tornou-se mais ou menos vulgar para desenhar ou acrescentar algo ao desenho embora o objectivo de usar excertos (samples) de imagens reais (geralmente fotografias) sirva apenas como decoração sem que isso traga elementos subversivos à narração. A lista será interminável, podemos encontrar nos “comics” de super-heróis (John Byrne), nas BDs francesas (Piotr), espanholas (Josep M. Béa), belgas (La Vache de Johann de Moor) e no influente britânico Dave McKean. A sua influência foi tal que durante uma década, os ilustradores quase perderam os seus empregos porque qualquer Designer achava que poderia fazer ilustrações à McKean com o Mackintosh “scanando” umas texturas e despejando na “ilustração”! Antes deles todos ainda podemos encontrar um importante trabalho de colagem fundido com texto e imagem pelo artista de Art Brut, Henry Darger (1892-1973) que fez o maior livro da história (15 145 páginas!) e claro é obrigatório referir o grande mestre uruguaio/ argentino Alberto Breccia (1919-1993) que conseguia desenhar tão bem com os habituais riscadores como com papel colado. Entre 1973 e 1979 publicou várias BDs que adaptavam contos de H.P. Lovecraft (7), onde ironicamente usou a colagem (fotografias) para poder representar o irrepresentável - que é o fulcro da obra Lovecraftiana - sendo estas BDs talvez o pico virtuoso do uso de colagem em BD.

Nos anos 90 surge o movimento OuBaPo (8), apoiado pelos membros da editora francesa L’Association, que teorizou uma série de ideias para BDs diferentes dos cânones habituais aplicando-se na criação restrições matemáticas ou semânticas. Irmanada do movimento OuLiPo que afirmaram que os seus escritores eram ratos que construíam um labirinto que dele se proponham sair, entre as várias propostas de exercícios na sua revista oficial, OuPus I (L’Association; Janeiro 1997), vamos encontrar desde o clássico “detournement” (um texto de Freud numa prancha de Little Nemo in Slumberland) à diminuição do número de vinhetas de uma BD já publicada - imaginem uma aventura num álbum de Tintin de 60 e tal páginas em que se colocam 10 vinhetas numa só página. Mas também colagens de elementos de uma BD noutra, reenquadramento de imagens e até substituição de elementos gráficos por outros novos. Foi uma caixa de Pandora teorizada e modelada que poderá ter levado criadores de todo do mundo a fazerem experiências novas com a BD, embora duvido que o norte-americano Hank Retchum tenha lido estas teorias redigidas em francês quando fez a simples página Menaced Dennis no primeiro volume de Legal Action Comics (Dirty Danny Legal Defense Fund; 2001). Nesta BD usa close-ups da tipificada série “Dennis The Menace” – aquele género de BD sobre putos de classe média norte-americana que estão sempre a fazer traquinices - e que lhe tira justamente esse ar inocente e divertido para transmitir uma cena de violência sobre crianças – nunca é demais relembrar que os EUA é o país com maior estatística de pobreza infantil, trabalho de menores, abusos sexuais... Definitivamente algo que é originalmente inocente pode ser “remisturado” para algo sinistro.

O irritante Denis leva porrada!


Entre várias iniciativas produzidas pela OuBaPo a mais próxima do “remix” musical é sem dúvida a Series OuMuPo (2004-06), em parceria com a editora fonográfica Ici, d’ailleurs. Foram produzidos seis CDs acompanhados pelos respectivos “booklets” com BDs. Cada “rato”, músico ou autor de BD, inventou os seus “labirintos para saírem deles” embora houvesse uma regra geral que todos deveriam usar os materiais sonoros e gráficos dos catálogos das editoras envolvidas no projecto. Assim, The Third Eye Foundation, DJ Hide, Rob Swift, DJ Krush, Rubin Steiner e Kid Loco misturaram faixas de discos das bandas como Micro:Mega, Matt Elliot, Yann Tiersen, Bästard entre outros projectos, não fugindo muito a uma lógica de “mix-tape” de música electrónica que esteve na moda nos anos 90 – batidas Hip Hop sobre um ambiente de Clubling burguês – e apesar de muitos escolherem os mesmos temas para misturar, ainda assim conseguiram transmitir a personalidade do misturador – ex.: Steiner é mais kitsch / Disco, Swift mais Rap, etc… Da mesma forma os autores de BD Jochen Gerner, Luz, JC Menu, Dupuy-Berberian, Killoffer e Étienne Lécroart usando imagens de vários autores editados pela L’Association (José Parrondo, Matti Hagelberg, David B, Sfar, etc…) conseguem mostrar versatilidade de propostas de “mixagem” e de identidade artística sendo o trabalho mais conseguido será o de Killoffer que reproduz as 64 jogadas de uma partida de xadrez entre Marcel Duchamp e Edouard Verschueren em 1923.


OuMuPo, vol.6 reúne DJ Krush no CD e Killoffer no livrinho / BD
nunca o xadrez foi tão divertido de se assistir!

Há no entanto uma nova geração de autores que estão a fazer uma síntese do que tenho estado aqui a escrever, são os nossos contemporâneos Dice Industries (Alemanha), Fredox (França) e Dunja Jancovic (Croácia), que mantêm a chama acesa do corte e costura e preparam-se para esticar para um novo nível, embora para já os seus trabalhos sejam mais gráficos do que narrativos. Fredox usa colagens para mostrar um mundo “porno-gore” cheio de feridas psico-sexuais e desordem social – como poderão tomar conhecimento no assustador Les Dossiers Noirs de L’Histoire (Le Dernier Cri; 2001) que compila esse trabalho gráfico. Recentemente na antologia Hopital Brut (Le Dernier Cri) têm-se assistido à publicação de trabalhos com sequências que se inscrevem no âmbito da BD. Dice Industries fez um caminho oposto, começou por fazer BD depois achou que já estava tudo desenhado e que ele não conseguiria acrescentar mais nada nesta forma (9), e passou a usar a colagem para potencializar novas visões. Usa elementos das BDs populares da Disney (e quejandos) e Manga comercial para criar paisagens e abstracções. A maior parte destes trabalhos tem sido mostrados em galerias ou pequenos catálogos auto-editados – no seu “zine de vida” QWERT  com 15 números lançados, os últimos quatro dedicados ao trabalho de colagem. Recentemente para o meu “zine de vida”, o Mesinha de Cabeceira (#23 : Inverno, Associação Chili com Carne; 2012) Dice pegou numa série de colagens e acrescentou um texto para podermos inserir esta série na categoria de BD, será este o regresso de Dice à BD? Espero que sim! Dunja no seu recente livro Circle Cycles Circuits (Firma; 2012) coloca colagens ao serviço da narrativa e funde-as com desenhos seus – as imagens são sobrepostas, montadas, desenhadas por cima. As imagens tanto são fotografias figurativas como são apenas formas geométricas ou abstractas. Serão desenhadas à parte e coladas posteriormente? São pinturas falhadas que são recuperadas para “texturar” as páginas? Não sabemos…

Dice Industries no Mesinha #23


Em 2011 apareceu um livro intitulado Katz que teve o triste final de ter sido destruído sob a acusação de infringir “copyright”. Katz substituía as cabeças de todos os animais de Maus por cabeças de gatos – relembro que em Maus, ao retratar a perseguição dos judeus no regime Nazi, Spiegelman retrata os judeus como ratos, os alemães como gatos, os polacos como porcos... Quando os autores anónimos de Katz fazem a substituição das cabeças, uma das várias perguntas que se levantava é o maniqueísmo antropomorfo realizado por Spiegelman na construção da sua obra. O livro foi recolhido em 2012 do mercado e os exemplares foram destruídos num revivalismo histórico digno dos tempos em que os The JAMMs (mais tarde The KLF) tiveram de retirar o seu disco com samples dos ABBA. No entanto a barbárie de 2012 chega a ser pior a de 1987, pois se os JAMMs foram prá Suécia destruir os discos como mais uma provocação no caso de Katz os exemplares tiveram de ser destruídos, incluindo o ficheiro digital, na presença de representantes oficiais! (10)


A conclusão violenta deste livro mostra que afinal a BD ainda contém elementos perigosos por explorar. Apesar de ter vivido tempos “zombies” actualmente não é uma arte morta!



Marcos Farrajota
Lisboa, 26/02/13

Agradecimentos Tommi Musturi, Bedeteca de Lisboa, Diniz Conefrey, Vitor Petel, Ilan Manouach, Thanassis Rentzis, Valerio Bindi e Alberto Corradi. Ondina Pires traduziu para inglês este artigo que será publicado brevemente no jornal finlandês Kuti, e Joana Baguenier traduziu para francês para ser publicado no livro MetaKatz. Uma segunda parte deste levantamento de “comix-remix” está a ser redigido mas desta vez focado nas questões narrativas.


Notas

(1)  é curioso que o processo levantado contra os Negativland tenha sido os “defensores dos pobrezinhos” dos U2, que nada fizeram para aliviar os sacríficos que os Negativland sofreram.
(2)  Onde vamos encontrar desde o desconhecido Christopher Webster ao famoso Kevin O’Neil
(3)  O primeiro é a Mulher 100 cabeças (que quer em francês e português pode-se ser como a “mulher sem cabeças”) e o segundo é Semana de Bondade. Procurem edições modernas destes livros, em Portugal estão publicados pela &etc
(4)  Ver edição portuguesa da Libri Impressi, Ele foi mau para ela (2011)
(5)  Outra curiosidade, quer a Mulher 100 cabeças de Ernst quer Una Biografia de Chumez, foram adaptadas para cinema. A mulher foi realizado pelo francês Eric Duvivier em 1968 e Una Biografia pelo grego Rentzis Thanassis em 1975- que é capaz de ser a única adaptação realmente fiel para cinema de uma BD, embora o realizador tenha acrescentado um capítulo extra no final do filme.
(6)  É de assumir que seja um tipo de BD popular dos anos 70, feita por autores anónimos, mal remunerada e de conteúdo estereotipada, do tipo “Tex” da Bonelli ou algo assim...
(7)  Estas BDs estão exemplarmente reunidas em Les Mythes de Cthulu (Rackham; 2008)
(8)  Ouvroir de Bande Dessinée Potentielle / Oficina de Banda Desenhada Potencial
(10)  Podem ver o vídeo em vimeo.com/38618657