sábado, 18 de janeiro de 2014

QUIMBY'S OU OS BONS VENTOS DE CHICAGO





À saída da estação de metro de Damen-O’Hare, o movimentado ponto de intersecção das avenidas North Milwaukee, North Damen e West North, compondo uma estrela de seis pontas, deixa dúvidas sobre a direcção a seguir. A toponímia não ajuda e, optando por se pedir informações a quem passa, é provável deparar com alguém que só entende polaco. Incomodidades pitorescas à parte, para a Quimby’s é a segunda à direita… Avança-se um pouco pela West North Avenue e logo se descobre o logotipo circular da autoria de Chris Ware, sinalizando um minúsculo edifício de piso térreo que alberga a almejada loja de livros, pequeno paraíso de edições alternativas, modesto por fora, quase mágico por dentro (o esboço da praxe antecede a entrada, apesar do frio cortante, qual capricho de deferência ante o deleite que se julga iminente).



Transposto o limiar, um outro mundo que atrai mas também confunde pelas suas categorias imprevistas, corporizando um exercício de fuga à norma através de uma etiquetagem obsessiva e que dá o tom à etnografia deste tipo de lugares: radical parents + children; gay smut; low brow; sexy art books; muckraking memoirs & miscelanny; photo zines; chap books; mini comics…  Aqui ou ali, vão-se igualmente descobrindo indicações para nichos previamente identificados (anarchy and politics, sex culture…) e até para territórios mais amplos e já extensamente cartografados (fiction & poetry, esoterism, graphic novels…). Ou seja, aos poucos, a familiaridade vai-se instalando. Dos mais variados recantos, os livros parecem travar diálogos consequentes que desaguam em correntes gráficas comuns, de caudal apreciável: os contornos vincados e o jogo de cores de Tomi Musturi reflectindo-se pelos trabalhos de Otto Splotch, Benjamin Bergman, Mat Brinkman, Jon Vermilyea ou Kyle Platts; as densas e expressivas texturas de Theo Ellswurth, Jesse Jacobs, Kevyn Hooyman, Kolbein Karlsson ou Edie Fake competindo umas com as outras; o surrealismo escatológico de Mike Diana reaparecendo na série Prison Pit, de Johnny Rian; algum do minimalismo de John Porcelinno em Simon Moreton; enfim, o desleixo estudado de Gary Panter um pouco por todo o lado…
A primeira investida é porém interrompida por um concerto de música electrónica pelo duo Roth Mobot, integrado na sessão de apresentação de um livro sobre noise japonês, assinado pelo antropólogo David Novak (como se percebe, a Quimby’s é também palco de eventos que tornam momentaneamente inacessíveis alguns sectores da livraria). Perante uma assistência de cerca de vinte pessoas, os músicos Tommy Stephenson e Patrick McCarthy ensaiam efeitos repetitivos a partir do som de um conjunto de brinquedos infantis conectados a uma espécie de caixa de misturas. A técnica dá pelo nome sugestivo de circuit bending e é mais um exemplo de desconstrução musical à revelia da melodia, da harmonia, até do ritmo. Ao fim de vários minutos de ruídos repetitivos e distorcidos, o silêncio que sobrevém indiciando o fim de um “tema” é prontamente aproveitado por Patrick McCarthy para uma breve exposição sobre a sua arte: «Disseram-nos que podíamos continuar por meia hora. E isto foram apenas dez minutos. Portanto, o tempo expande-se quando se faz circuit bending…»
A segunda investida à Quimby’s é mais tranquila mas igualmente demorada e marcada por hesitações quanto ao que levar, tendo em conta o preço e o espaço disponível na mochila: Blobby Boys, de Alex Shubert (que suplanta as expectativas), as variações sobre a varíola constantes no número 4 do fanzine Corpus Corpus (que atrai sobretudo pelo formato a lembrar um baralho de cartas), o número 6 da Little Otsu Living Things Series (com alguns desenhos de animais por Becca Stadtlander), ou ainda um exemplar do fanzine Showcase, contendo BDs feitas com a colaboração de crianças (uma boa capa mas pouco mais que isso…). Neil Brideau revela-se o interlocutor ideal, prestável e informado. Até que a noite desce e a hora de fecho se aproxima. É tempo de dizer adeus à Quimby’s, a livraria onde o tempo ora se expande, ora se contrai, e onde o que é estranho se vai tornando familiar.

Sites & Blogs
http://www.rothmobot.com/


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