Eis duas boas surpresas dentro de um cruzamento de BD de género e a de autor. Foram publicadas por duas editoras que apesar de pautarem pela persistente luta em trabalhar no difícil mercado da BD sempre apostaram em BD de géneros tão velhos como a própria BD - humor, aventura e as suas variantes - nem sempre com resultados interessantes em conteúdo, estética e até nas questões gráficas e editoriais, muitas vezes quando acertavam numa coisa não acertavam na outra... No entanto, estas novas edições limpam os pecados do passado!
The Mighty Enlil do "desconhecido-a-não-ser-que-leias-BD-na-'net" Pedro Cruz é um conto que se quer "retro" dentro do género Super-Heróis. Esta abordagem que nada surpreende na cultura Pop e especialmente na BD de Super-herói que se auto-regurgita mais do que se bebesse todas as garrafas de Absolut. A comparação não é inocente, tal como esta marca de vodka convida artistas para fazer novas embalagens prás suas garrafas cujo líquido é o mesmo, as editoras de BD fartam-se de ter autores que recriam as suas personagens míticas e íconográficas ad nauseam contando sempre a mesma história. Passando por Alex Ross a Tim Sale ou Darwyn Cooke a 1963 (de Alan Moore & cia), nos últimos 20 anos a indústria norte-americana do "comic-book" tem feito revisitações de si mesma captando um olhar nostálogico sobre as suas criações. São poucas as que fazem destas revisitações com uma agenda política como é o caso de Moore, claro, até porque este tipo de BD é para putos e uma geração de público que envelheceu lendo este tipo de BD mas que intelectualmente e emocionalmente ficou bloqueada. Cruz executou uma obra "nerd", claro, não há aqui nada de subversivo mas fê-lo com personalidade e bem feita a nível técnico (uma combinação extramamente rara na BD nacional!), cheia de sabores do passado Pop, com um estilo gráfico minimalista fundido com um uso económico de cores planas, cujo poder de comunicação é mil vezes mais forte que as outras BDs de desenho "realista" que se publicam por aí, geralmente com resultados desastrosos.
De resto, a El Pep fez o livro mais bem tratado do seu catálogo - afirmação injusta, e o livro do Relvas? - acertando no papel, impressão, formato e tudo mais.
Safe Place é o primeiro livro a solo de André Pereira e o primeiro em que a Kingpin Books deixa o seu modelo "fordiano" de fazer BD, que poucos resultados trouxeram a nível de conteúdo - no máximo trouxeram funcionalidade às BDs e pouco mais. É um mimo de livro, também com papel bem escolhido, bem impresso e um grafismo simples mas eficaz.
Dois jovens passam a tarde à espera de outros seres para uma banhoca no lago. O cenário, criaturas e as personagens são um cruzamento de mitologia Pop de elfos, mutantes, ciborgues e todas essas criaturas fantáticas mas que nunca se direcciona para uma acção do género de aventura. Não é (por exemplo) Nausicaä do mestre Hayao Miyazaki nem os Guardiães de Maser de Frezzato mas usando outro exemplo japonês seria mais Saturn Apartments de Hisae Iwaoka. Ou então seria mais próximo de Shuck Unmasked de Rick Smith e Tania Menesse ou... muitas outras produções contemporâneas em que o aspecto visual fantástico é apenas ambiente para apresentar um boredom juvenil autobiográfico vulgar. É uma pena que isso aconteça por aqui porque o grafismo seguro e sexy atrae para algo mais - que nunca acontece! Talvez fosse essa a intenção do autor, fazer um exercício de manipulação do público, nesse caso até conseguiu o efeito desejado. De referir as intervenções bem poderosas de Paula Almeida - faz duas ilustrações e uma BD de epílogo - que merecem muita atenção de futuro.
Parabéns às editoras por meterem-se em aventuras estéticas menos conservadoras!
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