A Ugra Press começou uma colecção para republicar em formato de livro trabalhos de malta dos zines brasileiros de BD! Pode-se dizer que por lá, no Brasil, está haver uma revisitação ao seu passado uma vez que recentemente recebi pelo Camarada Weaver a compilação Seres Urbanos - Antologia do Quadrinho Underground Cearense que testemunha a experiência deste colectivo, os Seres Urbanos, com fanzines entre 1991 e 1998 que se tornaram numa referência no meio underground brasileiro - e também internacional, ao ponto de alguns trabalhos dos seus autores terem cá chegado a Portugal no número quatro do fanzine A Mosca, publicado pelo Núcleo de BD da Universidade de Aveiro e dirigido pelo Mário Augusto. Law Tissot e Alberto Monteiro também apareceram n'A Mosca e tenho boas memórias disto tudo...
Maldito Seja é o nome da colecção que a Ugra deu a estas colectâneas dedicadas a um autor por volume. Cada volume reúne várias BDs e são acompanhadas por uma entrevista ao autor. Já saíram três, entre 2013 e 2014, que recomendo nem que seja pelo seu lado "antropológico". "Maldito" remete para os tempos dourados do suplemento Mau da revista Animal onde o grande Fábio Zimbres divulgava esta "movida" de autores que faziam piças a tudo e todos enquanto fotocopiavam milhares de zines pelo mundo inteiro. Com a 'net isso tudo foi à vida e estes livros relembram-nos como as coisas eram, como funcionavam e quais as razões desta cultura DIY. A unir estes autores de BD está a sua enorme produção, constante e non-stop tal como acontece com os artistas da Art Brut, o que torna qualquer tentativa de reeditar toda a obra uma tarefa impossível. Suponho que os editores tenham feito uma selecção criteriosa para juntar as melhores peças. Também o que os une é a poeticidade das suas BDs, menos focadas em textos narrativos e de acção mas mais a pensamentos que são despejados em textos e imagens.
Henry Jaepelt é o único que não conheço deste grupo. O seu estilo gráfico lembra Carlos Giménez e os alucinados da ficção científica dos anos 70, talvez seja o mais difícil de engolir por causa do "fantástico", que cria alguma distância face aos temas urbanos mais acessíveis de Tissot e Monteiro. E também é o autor que cede mais facilmente à piada fácil e juvenil (ou seja sem piada) quando os seus mutantes não flutuam algures no espaço inter-dimensional. Monteiro e Tissot são sem dúvida os que trazem referências culturais urbanas mais fáceis de identificar - Sigue Sigue Spunik, Jesus & Mary Chain ou Atari Teenage Riot, por exemplo, aparecem aqui ao fartote - mesmo que Tissot leve o leitor para paisagens urbanas cibernéticas Dark e pós-apocalípticas. Mal sabia ele passados alguns anos com aquilo que se está a passar em Paris e outras capitais europeias é um pesadelo maior que a sua imaginada negritude - é caso para dizer que a realidade ultrapassa a ficção, geralmente a mil à hora!
Monteiro é o autor que mais me agarra por várias razões, a primeira é o seu grafismo tosco e experimental que usa técnicas iconoclastas "punk" e "zinistas" como colagens e desordens visuais de todo o género, e segundo pelos textos coloquiais que fazem transporte (público?) para o espaço urbano cheio de vivências estranhas. Ele lembra-nos que viver na cidade o que é normal é o bizarro... Monteiro capta isso com um olho atento!
Parabéns à Ugra pelo excelente trabalho de recuperação destes "brutos" brasileiros! Por fim, e puxando a sardinha à nossa brasa, em Portugal "alguém" também faz trabalho de recolha de material perdido no mundo dos zines... não se esqueçam! E posso já adiantar que em 2016 sairá nesta colecção um super-projecto de recuperação de BD nacional que faz parte do nosso património mal conservado! Estejam atentos, ó cidadãos de Dark City!