segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ceci n'est pas un editorial pour Destruction

Costuma-se dizer que nos anos zero dos séculos (e dos milénios) não costuma "acontecer nada" que marque a História. Engane-se aquele quem quiser ser enganado porque pelos menos desta vez, os dez primeiros anos do Novo Milénio foram cheios de acontecimentos trágicos e geradores de paradigmas. Invés de acabar com um “bang” começou-se antes com dois "bangs", o 11 de Setembro, que serviu de mote para muito do que veio depois como a gradual perda dos Direitos Civis, sobretudo no campo da privacidade, sempre com desculpas de questões de segurança.

A Cultura tem vindo a desmaterializar-se para formatos digitais e democratizado - quem pensaria que hoje pudessemos ouvir raridades dos antípodas com um clique de rato - rato? quem ainda usa isso com os portáteis? Estamos numa Era da Informação mas que curiosamente onde as religiões oficiais endureceram os seus discursos ignorantes. Para não falar da desesperante procura do Cidadão por novas espiritualidades ou modos de vida saudáveis mas completamente inadequados e pervertidos pela vida competitiva da cidade. O Monstro Capitalista disfarça-se já de New Age oferecendo talismãs de PVC numa caixa de cereais.

Boas notícias, parece que temos uma maior consciência do desastre ecológico iminente, e apesar de algumas medidas de prevenção e remendo, parece que já é tarde demais e dentro de alguns poucos anos estaremos perante um Apocalipse, embora uma parte da humanidade pensará que está a sonhar submersa em CGI's pós-Matrix. Felizmente o que não falta são comprimidos para adormecer que empilhados poderíamos subir até à Lua - mas como não há lá nada...

É neste espaço de paradoxos que propomos o livro Destruição ou bandas desenhadas de como foi horrível viver entre 2001 e 2010, uma antologia de bd que não querendo ser um documento histórico dos primeiros 10 anos do terceiro milénio nem um compêndio de futurologia bacoca, quer apanhar pelo menos 10 novos autores da banda desenhada portuguesa para reflectirem a sua existência nestes tempos "estranhos" (os tempos não são sempre estranhos?) já que a produção nacional, devido a demasiados defeitos para agora aqui referir, quase nunca reflecte o zeitgeist. O tema pueril pode lembrar os temas rídiculos dos concursos de bd que pupulam por aí mas na realidade é um "não-tema" - bastava a participação ter um sabor contemporâneo - e foi uma forma de eliminar bd's históricas ou de fantasia barata que voltaram a ser o "b-a-bá" da bd portuguesa.

Houve uma busca árdua em que foi preciso ESCAVAR à procura por estes novos talentos na bd portuguesa - conseguimos 15 autores, 17 de contarmos com dois escritores. Felizmente os apoios da Câmara Municipal de Cascais e da Hülülülü não nos escaparam porque foi preciso um ano de procura constante em sítios físicos e virtuais! Nas situações mais incomuns lá aparecia a pergunta «conheces algum puto novo que faça bd!?» Foram feitos pedidos às "escolas de bd" que além de não terem apresentado NENHUM resultado, a dada altura, ainda atrapalharam o processo - é de questionar para que elas servem realmente?

MAS conseguimos! Serão poucas páginas (não chegam a 100) mas são escolhas ecléticas e certeiras. Novas vozes e novas caras? Sim e novos traços e técnicas de trabalho que irão surpreender para quem julgava a bd portuguesa morta e a viver das velhas glórias dos anos 90. Todos eles mais ou menos seguros de si, a maior parte são multi-disciplinares - sobretudo com ligações à Música, alguma dela de cariz experimental - e com capacidades para projectarem uma obra no futuro. Não poderíamos estar mais orgulhosos de termos sido os primeiros a mostrá-los, sem pirotecnia circense nem paternalismos. Acho que a edição tem a sobriedade e dignidade que este grupo de autores mereciam. Obrigado por terem-se deixado apanhar!

Marcos Farrajota
(editor do Destruição)


...
Sobre os participantes: Ana Biscaia (1978) é ilustradora e designer gráfica. Estudou Design de Comunicação na Universidade de Aveiro, Design Gráfico e Ilustração na Konstfack University College of Arts, Crafts and Design (Estocolmo) --- Rodolfo Brito (1988; Oeiras) em 2005 em conjunto com o Chico, lançaram o zine Fantástico Michael agrupando desenhos de vários bandalhos. Participou também no Gatafunho (zine da António Arroio). Agora estou a fazer Artes Plasticas nas Caldas da Rainha. Ah, e já fui Escuteiro. --- David Campos (1979; Medons La Florett, França) aos 4 anos veio para Portugal, crescendo no Montijo. Tirou o curso de Formação Profissional de Desenho Animado (ETIC) e também o de Escrita para Multimédia e Audiovisuais, e na Ar.Co o curso de Ilustração e BD com uma pequena paragem de um ano para fazer voluntariado na Guiné-Bissau, actualmente faz umas bd's sobre as memórias da Guiné. --- Christina Casnellie (1982; Seattle, EUA) em 1994 veio para Portugal viver. Tirou o curso de Design de Comunicação na FBAUP. Recebeu uma bolsa Erasmus para estudar animação na Faculdade de Belas Artes de Budapeste (2003/04). Licenciada, em 2005 formou o Alfaiataria com o Rui Silva. Entre 1999 e 2006 realizou vários cursos e workshops nas áreas de Ilustração, BD, Animação e Serigrafia no Porto e Lisboa. Em 2006 recebeu uma bolsa Leonardo da Vinci e foi para Holanda trabalhar para o Studio Kluif como Designer e ilustradora onde ficou três anos. Agora trabalha como freelancer. --- Chico (Lisboa, 1989) co-editou o zine Fantástico Michael. --- André Coelho nasceu na infame década de 80 e continua a espalhar o seu terror gráfico hoje em dia na zona do Porto, estando sempre à espera do Armagedão participou também no MASSIVE (Chili Com Carne, 2009) entre capas para discos e a edição de zines sob a etiqueta Latrina do Chifrudo. --- Gonçalo Duarte (Setúbal, 1990) --- Afonso Ferreira (Portugal, 1988) Tem trabalhos de ilustração e BD publicados na Playboy, Cais e várias antologias. --- Bárbara Fonseca (1989, Caldas da Rainha) ganhou vários prémios nos concursos do Festival Internacional de BD da Amadora (2005, 2007 e 2009) e na Vírus (Menção Honrosa) e participou no Evasão!'zine e revista Big Ode. --- Sara Gomes nasceu em 9891 e desde então crê louvar o Santo Anás. --- Rui Madeira designer gráfico, nascido e cultivado em Portugal desde 1982. --- Ricardo Martins (1984) depois do Secundário na António Arroio aventura se pelo curso de Produção musical na Restart, de seguida reencontra o desenho e entra no curso de Ilustração e BD da Ar.Co. Paralelamente sempre esteve a música, tocou (bateria) em mais de 20 bandas nestes ultimos 8 anos e de momento está envolvido em Lobster, Adorno, Suchi Rukara, I had plans, Vrbls, R-, The Living Dead Orchestra. Participou nas exposições Adorno/ Suchi Rukara (2007), Furacão Mitra (2008) e Sobreviventes do Furacão Mitra (2009). Criou junto com a Margarida Borges a Hülülülü, onde tem vindo a ter o prazer de editar zines de amigos, dar os primeiros passos em stopmotion, organizar concertos, e a co-editar, em 2009 a antologia de desenho MASSIVE. Particpou no zine Chili Bean (2007) e antologia Crack On (2009) ambas pela Chili Com Carne. --- Sílvia Rodrigues (1984) licenciou-se em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa; faz o curso de Ilustração e BD do Ar.Co. Participou em diversas exposições de ilustração com o colectivo Janelas Grandes. Publicou ilustrações na revista Cais, tendo ilustrado o livro Os InDiferentes de José de Matos-Cruz, no âmbito do 15º aniversário da mesma revista. Participou na antologia internacional de bd Crack On (Chili Com Carne + Forte Pressa; 2009). --- Rudolfo da Silva (1991) é um verdadeiro Mestre dos mais variados ofícios: desde a BD, passando pela Música e pela Agro-Pecuária, Rudolfo já de tudo fez e mostrou ser um excelente técnico desses variados assuntos. Adora ajudar o avô no seu mini-mercado. --- Uganda Lebre (26 anos, Portugal) --- José Smith Vargas (1981, Lisboa) formou-se em pintura na ESAD das Caldas da Rainha. Desde o final dos anos 90 que se dedica, à parte de outros ofícios, à bd e à ilustração. Publicou ilustrações no Mutate & Survive e Crica Ilustrada (pela Chili Com Carne) no Jornal de Sintra, no portal Sintra Cultural e em dezenas de zines. Na sua obra gráfica consta também a produção de cartazes e capas de discos e revistas. Fundou e cantou em bandas como Focolitus, Mal D´Vinhos e Casal do Leste. Dedica-se desde 2008 à pintura de murais em conjunto com Nadine Rodrigues.

Sem comentários: