quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Brasil XX

O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015 (Narval + Veneta; 2015) é um grande livro: muitas páginas e capa dura, páginas a cores e é um "best of" do que se faz de BD no Brasil... mas são os livros pequenos e modestos que mostram realmente o melhor da BD brasileira. O Fabuloso fica bem numa estante de uma Bedeteca privada ou pública, impressiona os incautos e o melhor do livro é sem dúvida a capa de Luciano Drehmer! Além da falta de mais autoras que é coisa parva - "menina não entra" no clube de BD dos rapazes, pelos vistos - também falta o Camarada Zimbres, que se calhar não entrou porque não tem produzido BD nos últimos tempos (pena!). O resto já se sabe, os autores que tem interesse já os conhecemos há muito tempo: Diego Gerlach, Pedro Franz (que nos visitou recentemente), Marcelo D'Salete (com uma BD de Cumbe, publicado em Portugal), Rafael SicaGuazzelli e mais um bom punhado de outros autores a marcarem a diferença à tirinha humorística, ao humor e outras tretas que compõe o livro... A dinâmica da BD brasileira está em alta e em mutação, o Fabuloso só apanha "a alta" e não "a mutação", não deixando de ser um projecto de se tirar o chapéu por ser um "tour de force" para colocar o Brasil no mapa da BD e/ou para forçar a barra institucional de reconhecimento da BD. Era bom haver algo assim em Portugal se houvesse algum editor com bons critérios...

Mas o verdadeiro raio X dos mutantes brasileiros é nas publicações mais à margem como o Coral da Camarada Taís Koshino ou nos livros que recentemente comprei na loja do Camarada El Pep - no fundo somos todos camaradas. Embora já sejam "velhos" (mais de um ano é velho?) ainda não ficaram desactualizados para serem divulgados neste blogue, como é o caso de Flores (Samba; 2014) de Gabriel Goés. Em formato A5 e a cores, esta BD é uma parábola sobre o mundo moderno, da infância à morte em que a pior parte é o mundo laboral (claro). O existencialismo é aquela amargura à Chris Ware, o que mostra que o Brasil não é só festa, bundinha, sambinha e bola. O pessoal apanha deprês também! Boas Goés! As melhoras! Que a depressão passe...
Feio pra caramba é o Alvo Roco (Vibe Tronxa Comix; 2012) do Diego Gerlach e ainda bem... já chega de tanta coisa bonitinha por aí! Talvez este livrinho A5 seja parte do "work-in-progess" Pinacoderal ou talvez não, não se sabe e se calhar nem o autor sabe. Aqui tudo é drogaria urbana com diálogos de cortar à faca enquanto os desenhos de Gerlach sugam-nos para o seu mundo de distorções e alucinações. O que raios é um agente independente? E a letra "A cabeça de um burocrata / Linda e altiva / Numa bandeja de prata"? Este gajo é o que conheço mais próximo aos primeiros discos d'Os Mutantes. 'Tá lá! E aconselho a ir visitar a lojinha El Pep para sacar estas pérolas.

Topografias não estará lá nas estantes porque acabou de sair. Editada pela Piqui, eis uma resposta indirecta de falta de autoras d'O Fabuloso... Seis maravilhosas autoras entre elas duas conhecidas pelos leitores portugueses se estivessem atentos, a já referida Camarada Taís, e Puiupo, que era mais conhecida por Paula Almeida. Esta antologia A4 impressa a duas cores directas - como O Espelho de Mogli, passe a publicidade - coloca a BD brasileira no século XXI! Escrevo isto não porque existe um tema camuflado de "ficção científica" para as seis BDs/autoras mas justamente pela atitude e forma de abordarem esse tema, com a sensibilidade e inteligência de uma Ursula K. Le Guin. Os raios lazer são enfiados na próstata e vai-se para pequenas ilhas da utopia, havendo até uma relação inesperada entre as BDs de Júlia Balthazar (que abre o livro) e LoveLove6 (que o fecha). Grafismos sérios para um livro à séria. Cuidado com o Piqui!


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