terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Burn Collector #16

Al Burian
Pegacorn Press; 2012

Foi uma discussão e pêras no ZineFestPt sobre "crítica nos fanzines". Não que houvesse muito para confrontar entre mim e o André Coelho porque assumimos logo os papeis de "Velho do Restelo" e "mais velho que o do Restelo". Não porque quiséssemos fazer esse papel feitos retrógradas idiotas mas apenas porque achámos que havia logo à partida ideias "falsas" sobre os fanzines - culpa do moderador fofinho Tiago da Bernarda. Não há aqui nenhuma maldade contra o Tiago neste comentário, apenas acontece e creio que foi neste evento que dei conta como cada vez mais é tão rápido conceitos de certos "media" transformarem-se ao ponto que um dado objecto não consegue comunicar com o outro idêntico mas antecessor.

O conceito base "fã de algo" (ergo Fanzine) apareceu nos anos 30 e aguentou-se até 2000, sobrevive de vez em quando em poucas iniciativas. O "zine" e o "perzine", ou seja a lógica amadora aliada a vozes individuais (logo "fãs" de "nada", cai o "fan" e fica o "zine") tem inicio nos anos 70 e lá foi até 2000. Sempre "dois mil" porque é quando a 'net impõe a sua lógica na cultura e seu acesso no mundo físico. Nesta nossa presente década é cada vez mais visível a concretização de objectos monográficos a que se chamam de "fanzines", no entanto muita da produção contemporânea vive numa encruzilhada de distâncias equidistante do "livros de artista" e do "fanzine" clássico. Todas estes tipos de fanzines existem ao mesmo tempo - como é normal, uma cultura não apaga a outra completamente, senão como justificar a existência de ranchos folclóricos ou bandas de Garage Rock? - embora os dois primeiros tipos existem com menos força devido à informação na 'net e às redes sociais.

É natural, mesmo que o Tiago faça um fanzine (com todas essas letras) como o excelente Mariano, ele se deixe levar por concepções erradas de quem não viveu (devido à idade) o usufruto desses objectos no seu tempo. Não é uma crítica reaccionária o que escrevo aqui é apenas uma constatação biológica. As mutações dos fanzines ou de formatos idênticos passam pela tecnologia mas também de factores económicos e sociais. No debate alguém bem referiu a crise de 2008 e como esta nos mudou. Pode parecer estranho pensar que a Crise possa influenciar uma parte tão minúscula como os zines, uma forma de publicação barata e despretensiosa. Tal como no Rock é complicado ter bandas que durem muito tempo com quatro músicos porque cada um tem de pensar em sobreviver, o mesmo se pode dizer de reunir X amigos para criar um blogue credível para se escrever sobre BD ou uma grupeta para fazer um fanzine ou uma revista impressa. Não vale a pena discutir se  produzir publicações físicas faz ou não sentido em 2017 havendo o clique do rato ou o "stupidphone". Faz todo o sentido como já iremos ver, o problema é quem é que vai pegar no rolo da massa...

Na banca da Fox Italic, ilustradora ligada ao festival de Fanzines de Berlim, encontrei este Burn Collector que pelos vistos é um clássico da cena. Apesar de ser um "perzine" não deixa de ser relevante para aquilo que se discutiu. BC é um fanzine no sentido clássico porque inclui textos que vão de resenhas críticas de livros ou concertos a entrevistas. À primeira vista até transpira a ridículo quando se percebe que se escreve sobre o Triunfo dos Porcos / A Quinta dos Animais ou dos Iron Maiden. Mas tal como gritei semi-alcoolizado ao Tiago numa tarde da Raia quando ele preparava este debate: "sabes qual é a chave diiiiistu tudo? A INTIMIDADE DA LEITURA bla bla bla" (e depois desapareci como se tivesse deitado uma grande bomba intelectual no Tiago, coitado, que deve ter pensado que eu sou totalmente parvo). Vá, super-sóbrio estou eu agora e volto à carga. A intimidade da leitura, o prazer de se ler em conforto e concentração, isto é o mundo físico dos livros ou fanzines. Há que saber fazé-lo e bem. O BC é desses casos. É impresso em risografia mas a maior parte da publicação são textos - há umas BDs "freaky freaks" à Krazy Kat / underground comix que nada adiantam a não ser embelezar o zine, olha, coisa importante que NENHUMA publicação oficial neste país sabe fazer há mais de uma década! - Então, onde íamos!? Impressão sexy para um zine de literatura, nada mau! Dois, os textos são todos do punk norte-americano Al Burian residente em Berlim, que escreve como se deve escrever quando se é punk, ou seja, "on your face" e sem rodriguinhos. Como tal, é capaz de escrever sobre o livro do Orwell ou dos Maiden com alguma nova perspectiva - tal como Tiago Baptista tem feito, de forma mais intelectual, nos seus Preto no Branco ou Cleópatra sobre os Crass ou Swans, bandas que qualquer gato pingado conhecerá nos dias de hoje, coisa que não era verdade em 1988 ou em 1998. Ou seja, BC dá gozo ler porque é bem impresso, é intimista e por mais zine que seja sabe comunicar com os seus leitores. O último número é de 2012, alguma coisa mudou entretanto?

PS - Numa das entrevistas, um punk diz algo do tipo: "os anarquistas e punks e a Esquerda como não tem religião fragmentam-se em mais discussões. Olhem o que acontece com a Direita, que por serem mais fanáticos conseguem estar mais organizados...". Atenção que o punkito pratica Yoga e quando fala em religião não se refere ao porco nazareno e outros javardes. Religião, como um sistema de crenças espirituais comuns, creio. Tema delicado e pantanoso mas eis um bocado de food for brain...

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