quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Vai ficar uma brasa... que vai ser preciso beber cerveja!! (esgotou a cerveja e acabou a brasa!)


30 anos é muita idade para um fanzine!!

Suspeitamos até que possamos ficar xéxés. No entanto o Mesinha de Cabeceira sabe o que faz - é a vantagem dos mutantes. Criado por Marcos Farrajota e Pedro Brito em 1992, já foi de tudo, fotocópia barata, perzines de Farrajota, serigrafia, alto, baixo, agrafado, brochado, grosso, fininho, graphzine, antologia e muitos trabalhos a solo, indo desde o infame norte-americano Mike Diana até ao cometa Nunsky

Desde o ano passado que este título lembrou-se de voltar às bases, publicando monográficos de novos talentos, projectando-os prá praça pública. Foi o que aconteceu com André Ferreira e Alexandra Saldanha. Agora, de uma assentada só, e aproveitando a sobrevivente e sexta edição da Raia, lançámos dois títulos. 

E não poderiam ser mais diferentes entre eles.




O número 31 é do jovem Marco Gomes (Hamburgo; 1995) que começa uma série de BD, Cerveja Depressão, com uma história intitulada Das Schwarze Lock (trad.: O Buraco Negro). Cerveja Depressão é um mergulho nas fantasias perversas e depressões que andam de mão em mão com o fundo de cada garrafa, copo ou lata (para os menos refinados) do qual tanto usufruímos para nos adormecer da realidade por uns breves momentos, mas que nos atira para um vazio sem fim. Das Schwarze Loch é uma aventura num mundo embriagado criado na sua própria mente onde é obrigado a enfrentar dos seus mais profundos medos. O ritmo é alucinante e faz de Marco um potencial autor a conquistar os mercados do mundo. 

Força, meu!

O número 32 é o regresso maroto de André Ruivo (Lisboa; 1977) à Chili Com Carne (lembram-se do Mystery Park?) e ao Mesinha de Cabeceira onde colaborou entre 2003 e 2005. Hot é também é um regresso do Mesinha ao formato graphzine, apesar de uma mini-BD aqui metida! Este molho de desenhos cheios de rabiosques, pilinhas e maminhas prova que o sexo em 2022 pode ainda a ser divertido e amoroso. Chuac!




Entretanto a Tinta nos Nervos disse sobre o HOT: explorando o modo como os corpos e os sexos (todos e tantos) podem ser tão lúdicos como o Lego. Apenas para vacinados! E a cores!  E a Sara Figueiredo Costa no Livros para atravessar a semana escreveu: A edição #32 do Mesinha de Cabeceira, publicação polimorfa que já foi fanzine fotocopiado na velha escola e encadernação com lombada, de autoria individual ou colectiva, é assinada por André Ruivo. Hot é um livrinho onde a nudez, a intimidade e o sexo se mostram em linhas claras e cores saturadas, sempre com um olhar terno, atento aos pequenos gestos da comunicação e do toque. Um homem e uma mulher compõem o par que entra nesta dança do desejo, ambos munidos de um corpo que se revela sem vergonhas e de uma vontade de chegar ao outro que implica diálogo e negociação com vista ao prazer. Como sempre, as imagens e as pequenas narrativas que se vão estruturando nascem de desenhos falsamente simples, uma linha que define a forma e manchas de cor que lhe dão contraste, textura e movimento, guardando-se em cada composição um manancial de sentidos, pequenos pormenores sobre o modo como nos relacionamos, como pensamos, como podemos perder-nos em tantos “ses” e “porquês”, como o humor é também uma partilha. Por entre a nudez explícita e o sexo sem cortinas para disfarçá-lo, Hot é um livro delicado e muito perspicaz sobre o desejo e as suas esquinas e também sobre como nos encontramos a nós mesmos/as quando nos perdemos num corpo alheio. 

E o Bandas Desenhadas sobre a "cerveja": Com um ritmo desenfreado, quase como se fosse um sucedâneo de Tex Avery, Marco apresenta-nos uma imaginativa e divertida viagem, revelando um autor que merece toda a nossa atenção... 

E a "pankaria" do Ninho de Rattus, secção da Loud! escreveu: destaque para Das Schwarze Loch, (...) de Marco Gomes (também conhecido no universo punk como guitarrista dos Manferior). (...) este livro com pinta de zine leva-nos a um delírio etílico que mergulha em fantasias e depressões e que se afastam da realidade nas fantásticas ilustrações de Marco Gomes.

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AMBOS ESGOTARAM mas ainda pode ser que encontrem algum deles na Tigre de Papel, Kingpin Books, Tinta nos Nervos, Alquimia, ZDB, Snob, STET, BdMania, Universal Tongue e Linha de Sombra.

Casal de Santa Luzia - ESGOTADO

 



O novo Mesinha de Cabeceira foi impresso em risografia pela super-bacana Mago Studio

Carambinha, o MdC também sabe andar na moda mesmo com 30 anos de existência!!

E não é só sobre... gatos! 

Casal de Santa Luzia é realmente mais do que isso. Matilde Basto (2001) vai mais longe nesta banda desenhada para criticar uma cidade - Lisboa, que não haja dúvidas - que se vende ao metro quadrado sem qualquer enquadramento ecológico ou sociológico. O ambiente da BD entra em algo de Fantástico - lembra superficialmente o início da série Gideon Falls - sem nunca entrar numa aventura sci fi espectacular. Se há fogo de artifício esse passa pela mix-art da autora.

BD de 48 páginas mais ou menos A5, impressa uma cor (verde) em risografia e uma capa a duas cores, é mais um fascículo deste zine que comemora os seus 30 anos, sendo que a obra foi realizada no âmbito de um estágio não-explorador da London College of Communication entre Março e Maio 2022.




ESGOTADO mas pode ainda existir na Linha de Sombra, Tigre de Papel, Matéria Prima, ZDB, Snob, Alquimia e Tinta nos Nervos.



Lançado no Penhasco, 16 de Julho, com unDJ MMMNNNRRRG (single e com singles)


Entretanto o André Ferreira (por email) comentou isto: Do Casal de Santa Luzia gostei muito dos desenhos, mas o que mais me surpreendeu foi a forma como a história é contada, como a Matilde Basto nos vai dando pistas, como todos os pormenores contam e ampliam o significado da narrativa. Os gatos são o símbolo duma ameaça que paira sobre todos, um cerco que se aperta, e que nos vai expulsando dos espaços. A seguir para onde vão os gatos? Para onde vamos nós? 

O Rodolfo MarianoGostei muito do Casal de Santa Luzia. O que parecia ser uma história fantasmagórica misteriosa, sem perder esse lançar das conchas sobrenatural, transforma-se numa mensagem de chamada de atenção para o degredo imobiliário. As sequências e o desenho são bons, os desenhos dos interlúdios mais elaborados suaves cremosos fazem um bom contraste com o desenho riscado imprevisível.

André Pereira: (...) gostei, especialmente da prancha em que ela fala de como começa a ver no miar dos gatos um presságio para como vai correr o dia. Boa cena!

O André Coelho: Acho que um formato maior até iria ajudar naqueles desenhos mais gatafunhados dos gatos! Gostei mesmo muito da forma como abordou a gentrificação como algo, mais do que desumano, alienígena e intrusivo.

E Sara Figueiredo Costa na Blimunda escreveu: (...) O baldio dos gatos é um universo em si, um oráculo, uma “boca cósmica”, como se lê numa das vinhetas. É apenas um baldio ao lado da casa de quem narra, mas vai-se agigantando como algo mais. É na leitura dos sinais que essa concretização ganha o corpo possível, com a mudança a revelar-se na cidade e nas vidas de quem a habita. E é nesse momento que Casal de Santa Luzia se revela como eco da pólis, onde facilmente reconhecemos uma Lisboa presa nas malhas da especulação imobiliária, esse fenómeno que as secções de economia dos jornais tratam como algo intangível, explicando subidas e descidas de preços, mas que é, na verdade, uma espada real pendendo sobre as cabeças de quem aqui mora. (...)

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

"Depois passo por aqui com mais calma e menos pessoas" - Cabotino Monedas dixit

 




Num ano mais uma vez anormal em que na Feira do Livro de Lisboa estaremos numa situação que se tornou normal, ou seja com Blau no stand D28.

Fixem o D28 para não perderem tempo como o lixo editorial transacto.

De resto:

Não vai haver sessões de autógrafos e apresentações.

Os livros do dia serão sempre títulos da defunta MMMNNNRRRG (2000-2020).

Haverá um caixote de 50% cheio de raridades e curiosidades.

Vamos continuar o Bestiário e Sendai como editoras convidadas.

Esperamos novidades editoriais mas como tudo anda louco não podemos prometer que o novo livro do Nunsky esteja presentes logo no dia 24 mas temos confirmações do Mesinha de Cabeceira do 40 Ladrões e a reedição do baralho It's you da Amanda Baeza vão estar lá também!!!



foto pirateada ao Expresso, uma vez que não dêmos autorização para meterem as nossas fronhas!


E a imitada Feira do Livro do Porto - 26 de Agosto a 11 de Setembro -, as nossas edições mais ligadas à música ficam representadas na fabulosa e madura Matéria Prima, as outras na excelente Snob e a 1870 fica com os restos mortais da MMMNNNRRRGÉ assim, boy!

1972 / 2022: 50 anos de fanzines de banda desenhada em Portugal - E agora?


Assinala-se por estes dias meio século de edição de fanzines de banda desenhada em Portugal. Apesar da data redonda, o momento não é propício a grandes euforias ou comemorações, pois a edição de fanzines em Portugal está moribunda, apesar de algumas honrosas e esporádicas excepções.

Sem desprimor para edições precursoras, como “O Melro”, editado nos anos 40 por José Garcês, podemos apontar o ano de 1972, como marco inaugural da publicação de fanzines de BD com o surgimento de títulos como Árgon, Saga, Quadrinhos, Orion, Ploc!, Yellow Kid e Copra. O 25 de abril de 1974, proporcionou um novo ambiente de liberdade editorial e de expressão, assistindo-se à disseminação de edições em diversos locais do país, com especial preponderância de Lisboa e do Porto. Ao mesmo tempo, ocorre um notório desenvolvimento dos mecanismos de impressão e reprodução, tornando-os bastante mais acessíveis, o que facilitou o aparecimento de diversas publicações. Nesses tempos, os fanzines constituíam um espaço de partilha e divulgação de trabalhos e expressões dos seus autores e em menor escala, de veículo de intervenção cultural ou social. Estas publicações, assumiam-se como única alternativa para muitos autores apresentarem os seus trabalhos, uma vez que o acesso à publicação em álbum estava vedado à maior parte deles. De forma amadora e com uma qualidade muito oscilante, iam surgindo pelo país as mais variadas publicações que incluíam BD e alguns textos de divulgação e muito raramente de crítica e reflexão. Na segunda metade dos anos 70, aparecem publicações como “Estripador”, “O Evaristo”, “O Ovo”, “Prancheta”, “Vinheta”, “Gazua”, entre inúmeros outros. Realizam-se também diversas Feiras, Salões, Festivais e Jornadas que permitem aos editores e autores apresentar as suas publicações e contactar directamente com o público.

Depois de algum fulgor registado nos anos 70 e 80, o movimento fanzinista começa a decair gradualmente a partir dos anos 90, tendo vindo a definhar no novo milénio, à semelhança do que foi acontecendo à BD mais alternativa produzida e editada em Portugal. Os propósitos principais da edição fanzinistica, como sejam a divulgação de trabalhos autorais, a partilha e interação comunitária, foram sendo substituídos no quotidiano por formas de entretenimento mais modernas, como o home-vídeo, os computadores pessoais, consolas de jogos eletrónicos e muito especialmente pela internet. A rede global, prometia uma conectividade alargada e a possibilidade ilimitada de chegar facilmente a toda a gente em todo o lado. Ao invés, esta utopia foi sendo obliterada por uma generalizada resignação melancólica e pela crescente atomização social, onde a auto-suficiência activista se satisfaz na artificialidade de um ecrã e respectivas caixas de comentários. Hoje em dia, os mais jovens só comunicam através de mensagens curtas e estão soterrados numa cultura narcisista de selfies. Lamentavelmente, as novas gerações estão a esvair a sua energia da arena política e cultural e a aplicá-la somente nas redes sociais para o respetivo círculo fechado de amigos.

Aqui chegados, impõe-se a questão se os fanzines fazem algum sentido actualmente?

Quando o espectro do frio, da fome e da guerra paira ameaçadoramente sobre milhões de pessoas, parecerá fútil escrever sobre fanzines, mas para toda uma geração de jovens oriundos da classe trabalhadora, que não tinha acesso à alta cultura e sem dinheiro para adquirir os originais em suporte físico (discos, livros, filmes, etc.), a televisão pública (RTP 2), a imprensa musical e os fanzines, foram fundamentais para a nossa formação e vivência, pois significavam a irrupção do culturalmente novo e provocavam algum distúrbio num quotidiano de horizontes bastante delimitados. Eram esses pequenos abalos que permitiam sonhar que algo poderia mudar em outras áreas da vida, que talvez as estruturas e o sistema vigente não fossem imutáveis para sempre.

Actualmente, assistimos à progressiva desmaterialização da vida e à manipulação da informação de modo a condicionar qualquer tentativa de pensamento crítico, caminhando para uma situação de infertilidade imaginativa e de constante repetição de estilos e de modas, sintoma evidente de uma cultura estagnada e completamente zombificada.

Acredito convictamente que os fanzines poderiam contribuir para insuflar a BD e a cultura com alguma vida, agregando as novas e as antigas gerações em projectos comuns e, gerando múltiplas ignições de novidade, de talento, de inconformismo e ousadia.