quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

«Dentes de ouro e flow de platina»

Eis uma ressaca sonora da 5ª Feira Laica, que reuniu algumas das principais editoras de livros, zines e discos. É impossível não afirmar que dada à recessão da indústria fonográfica (auto-infligida, nunca esqueçamos!) são as pequenas editoras que tem feito o trabalho todo de apostar em novos nomes e tendências nacionais com boas edições e artistas interessantes ou projectos coerentes. O que é «Nacional é bom!» é um obtuso dogma - diria antes que na maior parte dos casos que «não é mau» - e enquanto estes editores não venderem discos de platina como os bostas dos "David Fonseca's & Mariza's" merecem todo o nosso respeito por arriscarem capital em excelentes discos - muitas vezes a música é capaz de não maravilhar mas como objectos são sempre bastante cuidados e bonitos, o mesmo não se pode dizer das "majors" em que a música e a embalagem são igualmente vulgares.

Começo pela colectânea Bota'sentido! 1995-2014 (Matarroa; 2006) que foi lançada para comemorar os 5 anos de existência da editora de Hip Hop Matarroa. Hip Hop? Não só, na realidade a editora tem apostado em mestiçagens de sons Black através da edição de artistas angolanos (Verbal, Crewcial, Conjunto Ngonguenha) e ritmos jamaicanos (Prince Wadada, Bezegol) em que se ouve crioulo (Factos Reais) ou a "pronúncia do Norte (MataZoo).
Para uma colectânea de comemoração - em que os limites temporais foram esticados para a pré-história da editora e para o futuro - temos uma selecção um bocado preguiçosa (não há raridades ou versões alternativas) nem bota-tanto-sentido-como-isso (nem tudo o que foi editado é reapreciado). Realmente parece que o que se ouve aqui é pensado para 2014 e não para 1995. A tendência da Matarroa é cada vez mais o Reggae / Dancehall / Ragga do que propriamente o Hip Hop - parece-me! Entretanto as escolhas de Hip Hop neste disco (curiosamente) tratam mais de temas sobre gajas e noitadas do que as habituais diatribes da cena - embora também haja no tema (sacado para o título deste "post") de Pródigo & Virus. Faixa porreira é do(s) Nerve com uns samples Jazz bem esgalhados. O futuro são fumaradas jamaicanas o que me deixa curioso do que vai ser a Matarroa de futuro... PS: e como sempre: excelente trabalho gráfico do Chemega.

No campo do Rock pesado (Metal, Hardcore), o especialista do momento é a Raging Planet do qual a última novidade é o álbum Volume II: The hollow dos More than a Thousand. Após um CD-EP de estreia com um título engraçado como Trailers are always more exciting than movies (Raging Planet; 2004) dá vontade de dizer que o segundo registo desta banda Emocore deveria ser Don't judge a record by it cover porque é a melhor capa dos discos da Raging (que o Zamith me perdoe!) autoria do norte-americano Sam Weber mas sem o correspondente musical. Igual a mil e uma bandas do género Emocore - tipo as últimas edições da Victory - com tudo certinho e no lugar, melodioso & orelhudo até à medula, sem emoção apesar das letras serem consideradas "negras", voz plástica e aborrecida como o mundo ocidental... Não temos aqui nem Lynch ou o selecionado do ano do Festival de Sundance mas sim um filme vindo de Holywood com tudo previsível do príncipio ao fim. Foda-se, o que se passa com os putos de hoje?

Surpresa foi a edição de Sucess in cheap prices (Bor Land; 2006) do projecto Most people have been trained to be bored, aka, Gustavo Costa, aka, papa-bandas e colaborações (Genocide, Stealing Orchestra, Três Tristes Tigres, John Zorn, ...) . Este novo projecto começa com Noise inesperado - da Bor Land espera-se as melodias-mais-melodias de índios e alt.countreiros - e revela-se pelos campos do Improv electro-acústico, Jazz não-purista, Glitch e lixo sónico cheio de fantasmas, ready-mades e peças de composição clássica contemporânea entre outras mil-e-uma fontes. O que se sente ao ouvir todo o álbum é que se concentrou quase todos restos mortais das vanguardas do século XX sem nunca parecer colocá-lo num cânone. Música Experimental? Sem dúvida, agora se começarem com as sub-variações, a coisa complica-se e ainda bem.

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