«Quando mais as coisas mudam mais elas ficam iguais» diz-se. E de certa forma é o que tenho sentido nestas últimas semanas depois de ter reeditado as Noitadas, Deprês & Bubas.
Choradinho nº1: falta a distribuição (o mercado antes aceitava livros de bd mas não havia produtos profissionais, agora que há boas edições o mercado livreiro está na mega-melda), falta a promoção nos media (o que é bom porque só se escrevia melda e da glossa) ou a divulgação é reduzida/localizada (e são outra vez as publicações de Rock que salvam a honra, como acontecia antes com o Blitz)...
Estarei em 1997 outra vez!? Será um flashback das dlogas? Uma tlip atlasada?
Choradinho nº2: falta de interesse da comunidade bedefila em geral - o que mostra também que há muitas comunidades de bd e não só uma como a maior parte das pessoas deve pensar. Autores "alternativos" tem dito bem do livro, o Pedro Moura mais uma vez saluta o meu trabalho (10 anos depois de o fazer na Flirt). As pessoas que não são da cena da bd também gostam do livro - algumas pessoas ligadas à música e outras que não costumam ler bd porque não se identificam com os livros de bd editados em Portugal. Mais uma vez, a história repete-se, são estas pessoas que me dão prazer despachar livros tal como há 10 anos eram com "essas mesmas" que trocava os meus zines por celveja em bales e conceltos! Realmente o que eu não quero é que os divulgadores coimbrões venham javardar sobre o meu livro: "a autobiografia só tem interesse se a pessoa tiver uma vida interessante" / "os desenhos em bd têm de ser bons para a bd ser boa" - e "bons" significa variações amorfas de desenhos dos dois únicos géneros que existiam até aos anos 60: o humorístico/caricatural ou o realista - a comunidade bedefila é puritana e conservadora, tal como a sociedade em geral, não admira que os casos de sucesso de crítica e de público na bd portuguesa sejam de autores que fazem desenhos nostálgicos e cinzentos (salazarentos?) como é o caso de Miguel Rocha e de José Carlos Fernandes... E por falar no último, espero que este também não me escreva um e-mail ou deixe um comentário no blogue (invés de um "snail-mail" como fez à 10 anos) a dizer que a autobiografia é um género preguiçoso - ele saberá que usar citação após citação também é preguiça?
Choradinho nº3: Invés de termos a Futura a reeditar o "Mandrake" temos os volumes completos do "Príncipe Valente" e do "Hägaar, o terrível" (é assim que se escreve?). Apesar de haver em Portugal três Bedetecas (caso inédito no mundo!) a quebra de investimento nestes equipamentos ou a falta de qualidade na programação destas instituições (refiro-me apenas ao CNBDI, neste ponto) mantêm o status quo da bd ser aquela coisa para atrasados mentais.
Por falar em instituições, e era por isso que queria "postar": houve este ano mais uma edição do recomendável Festival de Beja e sairam mais volumes das publicações oficiais das entidades organizadoras, o atelier Toupeira e a Bedeteca de Beja e apesar da qualidade dos objectos a "má tlip" mantêm-se.
Começemos pelo quatro volume da colecção para novos autores, Toupeira, que não tem problemas em mudar o formato "comic-book" dos três números anteriores para um formato quadrado de maneira a respeitar a bd A Carga de Susa Monteiro. Admito que gosto do trabalho desta autora - ou pelo menos respeito as suas qualidades técnicas e sentido estético, curiosamente é mais uma autora que facilmente as pessoas gostam porque também tem algo de "nostálgico & cinzento"...
De repente veio-me esta ideia tão estúpida que não me consegui conter: "10 anos depois invês de José Ruy temos Susa Monteiro?" Absurdo! Mas passou-me pela cabeça tal como flechas que serão atiradas pela autora quando ler isto... espero que ela não leve a mal, ela tem de pensar que este texto é como copofonia e o José Ruy, de todos os autores do Antigo Regime é o mais interessante e o mais "open-minded", não é a pior comparação, caraças!
Mas deixem-me explicar esta minha idiotice! Deve-se tal comparação não por culpa da autora ou do seu trabalho (não se pode comparar em nada, como é óbvio) mas vem antes deste mal-estar geral da edição em Portugal. Nos últimos tempos as poucas edições lançadas de autores portugueses foram livros com bd's instituicionais (as da Má Criação ou da Assírio & Alvim) e históricas (o Salazar de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha) tal como acontecia nos malditos anos 80 e meados dos anos 90 até ter aparecido a colecção Quadradinho, a Bedeteca de Lisboa e o movimento editorial independente. Relembro que nessas "Dark Ages" só saíam álbuns pedagógicos da Asa - 10 anos depois a casa faliu mas voltou como Asa II tão horrorosa como sempre foi e sempre será. Por momentos neste país até parece que o único que faz ficção é (outra vez) o Louro! (ui-ui!). Para quem não sabe do que se trata A Carga é uma adaptação da lenda dos Corvos de S. Vicente, o patrono de Lisboa - ei! isto não deveria ter saído pela Lx Comics!? Hips! Não percebo qual é a necessidade de contar esta história quando quer a colecção Toupeira quer a autora não têm nenhuma obrigação institucional ou comercial para o fazer - e sim, eu sei que vivemos em Democracia. O que ainda quero dizer é que se houvesse muitas edições a serem lançadas no mercado nacional não teria tido esta tlip de nostalgia forçada. This is a Jesus-Fuck Silly Season Remix!
Os desenhos afastaram-se do "McKeanismo" que a autora sofria nos seus primeiros trabalhos e começaram a incorporar outras influências europeias. Algumas imagens são inteligentes como aquelas que usa a "pespectiva medieval" - por acaso, o José Ruy sempre teve problemas com pespectivas, hehehehe... É confuso, bem sei, mas justamente vivemos tempos confusos, hein? Fico a aguardar pelo segundo livro a solo da autora...
O Venham +5 também mudou de formato neste número 5 chupando os formatos do Mutate & Survive ou da Quadrado - Beja copia demasiado os modelos extintos de Lisboa... seja como for estes títulos já tinham chupado à revista Lapin que tinha chupado à segunda série da mítica Raw... começei mal, portanto... Aqui também estamos em 1991 em que invés de fanzines (daqueles mesmo fanzines: A4 e fotocopiados!) como o Shock, Banda e BD&Roll. Apesar da óbvia diferença entre o Venham +5 e esses fanzines comece logo pelo facto do primeiro editar 58 autores em 224 páginas a preto e branco. A estatística não satisfaz porque fiquei com aquela sensação que se repetem os mesmos gajos desde os anos 90!
Não escrevo isto com aquele mau-feitio reaccionário de "que são sempre os mesmos" mas mais por achar que algo de errado está acontecer na bd portuguesa e que no futuro é bem capaz de vir a ser o único país no mundo onde a bd será dada como extinta - ao contrário de todos os outros paises em que a bd está a rejunescer a olhos vistos (da Roménia à Àfrica do Sul, da Croácia à China, da Suécia à Rússia). Talvez os portugueses tenham a pior educação da Europa? É o país onde se lê menos? Onde os livros são mais caros? Onde o Governo sempre preferiu manter-se como um país de mão-de-obra barata e analfabeta ou um país de turismo xunga sem respeito nenhum pela arquitectura, património, cultura e ecologia?
Faz muito calor para pensar mais, voltemos ao puzzle Venham +5 que pode ser resolvido por três tipos de peças, quatro, não, três... ok! quatro!
1) novos autores que não enchem nem olhos nem a cabeça que desaparecerão como muitos desapareceram nos zines dos anos 90 - o que é normal;
2) gajos que andam aqui há mais de 10 anos e parecem (neste volume) que começaram a fazer bd pela primeira vez - o que não é normal!
3) a minoria interessante ou "diferente" que são exactamente os mesmos de há 10 anos - e só refiro estes porque não só merecem ser destacados como não quero mais chatices com este "post"... há mais uns quantos mas destacaria Filipe Abranches (participa com uma bd que saiu numa revista italiana de grande tiragem), André Lemos (he's the man!), Teresa Câmara Pestana, Paulo Monteiro, Susa Monteiro, Pedro Rocha Nogueira e Diniz Conefrey;
4) e os estrangeiros, alguns até bastante merdosos e outros porreiros como o Alex Uyeno (creio que é aluno do Alain Corbel nos EUA).
Claro que esta análise está incompleta mas assim a vida, e é verão! O Venham +5 é uma boa iniciativa, o problema sou eu que estou a ficar velho numa cena que está a caminho da extinção - ou será que irá ter um boom estranho outra vez como aconteceu no final dos anos 90? Seja como for, quando ficar mesmo gágá não quero ir para um lar de terceira idade com esta malta! Tudo menos isso! Seria um pré-Inferno... aliás, já é um Inferno!
Para acabar pelo menos em sangue fresco - serei vampiro? Infelizmente ou felizmente outro flashback! Desta vez, com um zine chamado Besta Quadrada! Não não é o "revival" do número único lançado por Tiago Gomes e João Fonte Santa (em 1992?) mas sim uma coincidência que o Tiago Baptista tenha dado o mesmo nome. Acontece... mas não deixa de ser tudo um ciclo vicioso de paranoia, não?
Este "novo título" já vai no terceiro número (Out'06/Jan'08) num formato quadrado bestial. O terceiro número tem uma capa em serigrafia sobre cartão prateado. Se juntarmos que o título e a numeração estão numa "font" gótica, o zine deve meter inveja a qualquer Black Metal que se preze.
O Tiago é um dos últimos moicanos em Portugal a fazer zines "old-school": bd's, desenhos, textos, reviews a zines, livros e discos naquela total liberdade que os zines dão. Não há justificações a dar, é mal educado, experimental, artístico e pirata porque-sim. Resta dizer que o Tiago faz três zines diferentes: Bolso, Facada e Besta Quadrada. A única aparente diferença entre eles é o formato, o primeiro é A6, o segundo é A5 e a Besta é quadrada.
O último número do Bolso que tive acesso (número 7; Out'07) a capa também é serigrafada como algumas páginas do interior. Os resultados dos trabalhos variam de qualidade e de intenções, tanto há segurança de conteúdo como a bd Teresa Câmara Pestana como à excitação juvenil de André Lopes. A mesma fórmula repete-se (mas com mais páginas e colaboradores) na Besta Quadrada.
Vale a pena investigar porque as publicações do Tiago vão contra todas as marés. Ora, como se bem sabe, quando vamos contra tudo e todos e porque só podemos estar certos...
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