quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Dossier 2013 de fanzines e edição independente
Todos os anos arranjo fotografias parvas para colocar nestes resumos do que aconteceu no ano anterior referente à edição independente de / sobre Banda Desenhada e Ilustração. Esta fotografia foi tirada pelo sueco Lars Sjunnesson em minha casa, quando preparava um embrulho para enviar por correio, um livro encomendado durante as minhas férias de Verão (Agosto 2013). Queria só defender este pequeno solipsismo, mostrar que ele não é assim tão ordinário como isso. Ora, quem é que se mete nestas coisas da edição independente, não só tem as habituais dores de cabeça com toda a produção e comercialização dos produtos que lança como ainda por cima trabalha durante as férias!!!
“Quem corre por gosto não se cansa” diz-se por um lado e por outro, há quem diga que no mundo profissional estas coisas de trabalhar quase 24h tornaram-se até banais – algo impensável antes da histeria da crise e consequente degradação do mundo do trabalho no Ocidente, em particular em Portugal.
Trabalhar nada tem de glamoroso por mais quer a propaganda capitalista ou a comunista nos tentem enfiar pelas nossas goelas abaixo. Seja um mineiro ou alguém frente a um computador, o trabalho dá sempre cabo do nosso físico, deforma-o e coloca-nos em perigos desnecessários. É o que relembra a nova BD de Bruno Borges, que adapta Abolição do Trabalho (Crise Luxuosa; 1998) de Bob Black, editada num livro "chic-freak" intitulado The Abolition of Work, vol.1 (Arara/ Buraco). Trata-se de uma adaptação integral do texto e que esperamos para breve saírem os restantes volumes em BD.
O que Black diz é que só deveria haver trabalho que nos fosse útil, pedagógico e divertido, algo que num sistema como o nosso onde se produz as bugigangas mais idiotas e "apps" para estarmos 100% ligados ao mundo fascista do Big Brother, será uma Utopia difícil de alguma vez se concretizar. Apesar de tudo, se há coisa que me dá felicidade é trabalhar prá Chili Com Carne ou MMMNNNRRRG, mesmo que interrompa o descanso das férias, é porque neste mundo da edição independente não impingimos nada a ninguém. Quando surge uma encomenda de alguém sinto que estou enviar não apenas um livro qualquer para uma pessoa qualquer. Sinto que quer o livro quer a pessoa são especiais. O livro porque foi feito com amor e dedicação contra os esquemas mercantilistas e no caso da pessoa porque fez um esforço para encontrar o livro. Não o fez num impulso consumidor sem consciência porque foi bombardeada com publicidade o tempo inteiro. Deve ter ponderado até nos contactar, e fez isso também nas suas férias…
Infelizmente tudo isto relatado soa a “hobby” de meia-dúzia de cromos, e mesmo com a população portuguesa a diminuir, é estranho que não apareçam mais pessoas interessadas para este tipo de publicações. Como se consegue expandir a cena da BD em geral e a de autor em especial? Esta parece-me que foi a preocupação da cena independente em 2013.
Rendez-Vous
Um problema que se colocava em 2013 era como seria a edição independente depois do final da Feira Laica, local de encontro e venda de material independente que se concretizava duas vezes por ano, sobretudo em Lisboa. Foi o grande evento do género nos últimos oito anos, chegando até a criar um ritmo sincopado para o lançamento de novidades. Não foi preciso entrar em pânico, pelos vistos, porque a Laica foi imediatamente substituída pela Feira Morta na essência dos seus moldes, chamando a tribo à mudança, mantendo o encontro duas vezes por ano e com um programa idêntico: concertos, exibição de filmes, exposições / instalações, etc...
Há quem diga que é uma "Laica mais punk” e topa-se isso pelo lado mais desbundado da programação, que parece que irá pouco a pouco criar a sua própria identidade fugindo à característica mais aberta ao público que tinha a Laica. Parece que a morte da Laica fez ressuscitar mais duas feiras que andavam dormentes, a F.E.I.A. (com uma terceira edição como sempre no Montijo) e a Feira do Jeco (com duas novas edições, ambas no Porto). Voltaram maiores do que nunca mas tal como na Feira Morta, estes eventos não conseguem sair da armadilha que é preciso concertos de música para virem pessoas ao mercado do livro... A Laica em 2012 conseguiu mostrar que a "edição independente" tinha público por ela própria, como se provou na afluência de público das últimas duas Laicas. Este potencial no entanto não está ser aproveitado por nenhuma destas três organizações. Esperemos no entanto que 2013 tenha sido apenas um ano de transição para que 2014 seja mais assertivo.
Até porque o tempo urge porque o conceito (ou será "soundbyte"?) de “feira de edição independente” parece que está na moda, o que significa que já começaram a aparecer abusos de organizações a quererem capitalizar o conceito em situações de que cultura DIY nada têm - e têm ainda muito menos vergonha para pedir 15 euros por uma mesa, por exemplo, não compreendendo que quem faz destas publicações, faz na sua maior parte do tempo livre e parcos recursos, e não por necessidade económica e exploratória. Não se trata de colocar a "edição independente" numa patamar de virtudes, fria ao dinheiro e ao lucro mas antes de pensar que este é um mundo que tanto se encontram putos pré-universitários com zines baratos como colectivos com livros mais bem produzidos e luxuosos mas que se regem ambos por ideais de "preço justo", e que já são explorados por estágios profissionais e outras sacanices, não o precisam de ser também explorados pelo suposto meio que ajudam a criar.
Parece-me dogmático mas talvez os únicos que devem organizar "feiras de edição independente" são os que realmente o praticam e não pessoas de "fora" - com o risco de se banalizar o conceito e um dia até termos uma FNAC ou o Pingo Doce a fazer uma feira destas, não?
Ao longo de 2013 ainda houve outras pequenas iniciativas como a Pulga do Gato (na livraria Gato Vadio, Porto), a Edita (evento espanhol mais ligado à poesia) passou por Lisboa, a Necromancia Editorial no Festival Milhões de Festa (Barcelos) e Jeux Sans Frontières no âmbito da Trienal de Arquitectura, Lisboa.
Houve no entanto outros eventos que não deixaram de ter a sua graça ou importância, como o divertido lançamento do livro O Hábito Faz o Monstro de Lucas Almeida que incluía corridas de “sofás-skates” nas ruas da Parede, o encontro de criativos Pitchzin em Santa Maria da Feira, a importante exposição “Lixo Futuro” na galeria da livraria de BD Mundo Fantasma que apostou numa nova geração de autores portugueses, o convite do Doc Lisboa para apresentar a colecção LowCCCost da Chili Com Carne e a inesperada “exposição-memória” da loja Mundo da Banda Desenhada / Op (1977-1987) em Setembro nas Escadinhas do Duque – espaço onde muita gente se cultivou no passado com publicações alternativas.
Up!
Uma coisa insólita que aconteceu em 2013 é que a BD profissional ou comercial de autores portugueses deixou de existir! A grande editora Asa (do grupo Leya) que editava algumas “coisas” – a maioria inexplicável e contra a maré dos tempos – deixou de o fazer. Ainda há o “Piçaboy Mendonça”, uma produção luso-argentina que consegue ser ainda pior que o velho Jim Del Monaco dos anos 80, que tem chancela da Tinta da China mas toda a produção BD portuguesa está actualmente entregue a editoras independentes.
Sem futurologia possível, desde meados de 2013 que ficou o campo aberto para as editoras resistentes como a Chili Com Carne, Kingpin Books, MMMNNNRRRG, Mundo Fantasma / Turbina e Polvo, que continuaram activas e com alguma dinâmica, com a hipótese de aumentarem a sua importância no mercado livreiro, face a uma ausência de qualquer tipo de BD editada de autores portugueses nesse mercado. E mesmo em termos de BD estrangeira! A única a trabalhar regularmente é a Devir, uma vez que a Contraponto deixou de publicar BD apesar do sucesso (?) de Marjane Satrapi e Alison Bechdel…
A única estratégia que acho interessante, independentemente se o espaço abriu mais ou não, é que a BD que se edite tenha de ser interessante para um público fora desse "guetho". Para isso tem de ser uma arte “viva”, que conte ou que esteja envolvida no dia-a-dia das pessoas, ou que traga ideias novas como aliás qualquer outra arte faz. Num mundo de blogues e redes sociais que se pode criar comunidades do mais microscópico elemento subcultural, cada um pode ser o maior do bairro. O problema é depois do Bairro, na Aldeia não há espaço para a BD. Nos meios de comunicação social mais tradicionais quase desapareceu, por exemplo. Há mais de 10 anos haviam muitas colunas de crítica nos jornais e agora quando se fala de BD é para anunciar anacronismos como o novo álbum do Astérix ou de mais um original do Tintin vendido por uma barbaridade de dinheiro que deveria ser taxada para remediar o nojo colonialista do rei Leopoldo II - já agora, para quem esteve desatento, ver Vumbi de Rita Carvalho, editado pela Plana Press.
A BD que sempre teve um problema de visibilidade e reconhecimento público em Portugal nunca antes atingiu níveis tão baixos como agora. Só que o problema não é da “BD” mas sim do que se edita. Ora o que se edita geralmente não tem interesse nenhum para as pessoas, mesmo que os actuais filmes de Hollywood sejam todos sobre gajos com cuecas à mostra com super-poderes. Também têm aparecido uma tendência de alguma BD de ficção usar o nosso imaginário histórico (os tempos do fascismo, o PREC ou as guerras coloniais) infelizmente com resultados artísticos tão inócuos e/ou desastrosos que é natural que só se premiando em capelinhas "bedófilas" é que eles ganham relevância - para o próprio "guetho"! E isso é uma coisa que os cromos da BD (que continua a ser um grupo de crianças, jovens com borbulhas e adultos reaccionários) não percebem nem nunca perceberão. A Fantasia ou a Ficção não se cria por ela própria, e quando o faz, ou seja, auto-reproduzindo-se, cai no exercício de estilo pouco ou nada interessante – e isto tanto é verdade prá BD de patos sem cuecas como para quem gosta de Rock Gótico ou Harsh Noise. Os “bedófilos” bem podem admirar o génio do Alan Moore ou do Grant Morrison mas esquecem-se que eles foram formados por uma vida rica em experiências e não porque andaram a ler todos os livros de ficção científica do mundo (embora também o tenham feito!). Essas boas ideias se calhar surgiram porque eles trabalharam a limpar retretes…
Dentro da lógica deste mercado da BD tradicional está a Kingpin Books, uma loja de BD que tem apostado numa série de livros que dão nas vistas no "guetho bedófilo" mas acima de tudo parece ter “alegria no trabalho” no que faz. Há ambição e esforço técnico na produção dos conteúdos e dos livros, coisa que não parecia acontecer na Asa, por exemplo. Passa uma imagem de empreendorismo e dinâmica, justamente o oposto da Polvo que apesar do seu catálogo histórico, é a que menos comunica para fora (nem um blogue é capaz de ter!) e até para dentro (testemunhado no texto de António Kiala no Loverboy na Feira das Vanessas), por isso mesmo que tenham editado um livro do Ricardo Cabral, autor famoso q.b. por ter quatro livros da grande Asa, pouco ou nada irá significar na expansão da editora, que há muito que aceita tudo o que lhe ponham à frente. Ambos casos, até agora, uma por dinamismo, outra por historicidade parecem só mover-se pelos restos mortais do público "bedófilo", cujo palácio-para-burro-ver ainda é o Festival da BD Amadora, onde vão lá lançar novidades e colecionar prémios pacóvios.
Não é de estranhar que uma colecção como a nossa sobre viagens, a LowCCCost, cada vez que sai um novo volume acaba por interessar alguma "media" que geralmente ignoram BD. Seja pelo facto de estarmos num on the road numa “Europa aborrecida” ou a trabalhar numa ONG na Guiné-Bissau (falo de Kassumai de David Campos, claro), imediatamente estes temas atraem revistas de viagens ou a RTP Africa, enquanto que o “Piçaboy” tem de pagar para dar nas vistas... Mas adiante!
Em 2013, como colectivo de fanzines, destaco os cinco títulos do Clube do Inferno, com o material mais refrescante de quem faz produções de páginas fotocopiadas. Dentro do mesmo género, mantiveram-se o CVTHVUS e o Tiago Baptista manteve o Cleópatra e o Preto no branco. Enquanto com maiores meios continuaram BD Jornal, Buraco, Toupeira (da Bedeteca de Beja), Cru, Filme da Minha Vida (Ass. Ao Norte) e Mesinha de Cabeceira. Sentiu-se a falta do Lodaçal Comix mas Rudolfo lançou um novo volume de Musclechoo. E regressou The Killer Season Fanzaine de Pepedelrey – depois de quê? 14 anos!? A sério?
A Chili Com Carne recuperou BDs perdidas de Loverboy de Marte e João Fazenda [et al.], a Turbina as Crónicas da Arquitectura de Pedro Burgos e a Polvo aproveitando no trilho do comboio feito pela El Pep (em 2012) pegou em mais um clássico do Fernando Relvas. São pequenos gestos editoriais mas necessários para que o passado da BD portuguesa não seja esquecido, já que ninguém quer saber disso para nada.
O Quarto de Jade e o Panda Gordo iniciam-se na BD, no primeiro caso com um livro de Diniz Conefrey e no segundo com uma pequena antologia com sete autores "novos", João Sobral, Bárbara Fonseca, Diogo Bessa, Zé Cardoso, Sofia Palma, João Drumond e Amanda Baeza. André Oliveira e Joana Afonso começaram uma série de “comic-books” intitulada Living Will, pela nova Ave Rara, enquanto os Cabidela Ninjas e Imvincible Comics estrearam-se com zines mamados.
Fora do baralho: o Festival de Metal de Barroselas lançou um DVD comemorativo dos 15 anos de existência deste festival de música e que inclui um livrinho de BD sobre o evento feito por este vosso escriba, Marcos Farrajota; a Marvellous Tone lançou a banda sonora do filme O Coveiro (de André Gil Mata) que inclui um livro ilustrado de Sandra Neves; e, o Nicotina’zine que é de poesia continuou aberto à BD descobrindo até uns novos talentos, dos quais destaco o jovem e promissor Sim Mau.
Mas o vencedor do ano foi Lençóis Felizes de Van Ayres! O zine mais simples e boa-onda. Se há alguém que mereça um prémio de BD é ele! O Prémio Frescura!
In / out
Mas 2013 não trouxe só mais dois talentos refrescantes! Outro, ou melhor, outra foi a Amanda Baeza que se estreou em três edições estrangeiras, uma da Letónia e as outras em Espanha. Graças a isso será a autora com direito a uma exposição na Trem Azul Jazz Store durante o Festival Rescaldo, festival que faz um resumo do melhor que se fez em música portuguesa no ano anterior mas que tem dado espaço para a BD! De salutar a iniciativa!
Houve mais autores com trabalho publicado internacionalmente, sendo o mais mediático o de Rudolfo que também se estreou profissionalmente com o primeiro volume de Negative Dad sob argumento dos norte-americanos Nathan Williams e Matt Barrajas, para além de ter continuado a participar no fanzine Kovra (Espanha).
Houve participações de Bruno Borges, Teresa Câmara Pestana, Miguel Carneiro e Marcos Farrajota na revista eslovena Stripburger. Farrajota, Rudolfo e Wasted Rita participaram no Prego (do Brasil). Pedro Burgos teve o seu livro Airbag e outras histórias (Mundo Fantasma; 2003) editado em Itália pela Mal Edizioni. Ainda escrevi textos sobre “comix-remix” no jornal Kuti (Finlândia) e com Pedro Moura participamos no livro Metakatz (Bélgica). E claro André Lemos, mais calmo este ano, ainda assim participou em projectos na Alemanha e Inglaterra.
As viagens ou representações em festivais estrangeiros mantiveram-se: Crack (Roma), MEA 2 (Madrid), Edita (Punta Umbria, Espanha) e Bergen Art Book Fair, e na exposição "Workburger" (Eslovénia) sendo de destacar o Buraco que, tal como a Chili com Carne em 2010, meteu-se na carrinha e fez-se à estrada na sua “Trans-mediterranean Cargo Tour” passando por País Basco, França, Eslovénia, Sérvia e Itália. A exposição do Futuro Primitivo finalmente acabou a sua itinerância em Espanha e no Brasil, depois de ter percorrido países escandinavos, EUA e Itália desde 2011.
Autores estrangeiros que passaram por cá: Alex Vieira (Brasil) veio lançar o último Prego na saudosa Livraria Sá da Costa, Ilan Manouach (Grécia) veio ao Festival de Beja, Weaver (Brasil) ao Sete Sóis Sete Luas (Ponte de Sôr), Lars Sjunesson (Suécia / Berlim) com uma exposição individual na Trem Azul Jazz Store, Alex Baladi (da Suiça), Pedro Franz e André Diniz (ambos do Brasil) vieram ao Festival BD Amadora. Vivendo temporariamente em Portugal estão os brasileiros Sama que editou cá um livrinho de esboços, as autoras do fanzine Piqui (estiveram presentes com mesa na FEIA e Feira do Jeco) e de saída o casal russo-austríaco Alexander Brener e Barbara Schurz lançaram por cá um segundo livro, o Fuck Off and Die Alone.
Zona VIP
Apesar de toda esta cultura da edição independente vir dos fanzines, e sendo os fanzines publicações de fãs que de alguma forma prestavam vassalagem a algo, é o que menos há na edição independente, material de referência. Claro que no mundo da web.2 ter fanzines como o Nemo, Epitáfio ou O Moscardo seria um anacronismo completo mas ainda assim nem tudo está na ‘net, nem esta permite leituras profundas ou reflexão, embora seria injusto dizer isso quando se consulta os blogues de Domingos Isabelinho e de Pedro Moura. Este último e eu, como já referi, participamos no Metakatz, edição da editora belga 5éme Couche em que se discute todas as implicações da destruição e proibição do livro Katz, obra que “desviava” o sacrossanto Maus de Art Spiegelman. Aproveitando a deixa, é de referir também que a Letra Livre editou O Negócio dos Livros : como os grandes grupos económicos decidem o que lemos, de André Schifffin (1935-2013), responsável pelo Maus nos EUA quando editar livros significava alguma coisa, mesmo numa grande editora. Existe essa referência no livro mas como é óbvio não é uma obra sobre BD mas sobre a questão da edição de livros.
Também tive direito a uma entrevista no número 62 da revista eslovena Stripburger, que ajuda a compreender os projectos Chili Com Carne e MMMNNNRRRG. Claro que a revista chega a uma comunidade internacional interessante que irá saber mais sobre estes projectos do que cá, onde se tentam ignorá-los… O universo exagera na ironia!
A iniciativa mais importante no campo da referência foi sem dúvida o Portuguese Small Press Yearbook 2013 projecto dirigido por Catarina Figueiredo Cardoso e Isabel Baraona. É uma compilação relativa à edição independente nacional, sejam livros de artistas, fanzines, zines e outros mutantes bibliográficos publicados entre Junho 2012 a Junho 2013. Pelo meio há textos sobre edição, listas de arquivos públicos, etc...
Entretanto também é interessante referir o projecto de sociologia Keep it simple, make it fast! Prolegómenos e cenas punk (1977-2015) da Universidade do Porto, que está a estudar a cultura Punk em Portugal e que finalmente vai dar valor ao acervo de fanzines e publicações do género que se encontram na Bedeteca de Lisboa. Em princípio haverá algum estudo sobre a BD e a Ilustração punk portuguesa mas só em 2014 é que haverá resultados…
Roleta Russa
E é essa mesma Bedeteca que vai ser despachada prás Juntas de Freguesia, colocando em risco não só todo o sistema de funcionamento bastante racionalizado e optimizado, diga-se de passagem, das bibliotecas municipais (BLX) e pior ainda, esse acervo da Bedeteca, constituído não apenas por várias publicações históricas e patrimoniais - as primeiras revistas de BD como o ABCzinho ou a emblemática Visão, os primeiros álbuns como o Cruzeiro do Sul de Carlos Roque ou o esgotado Mr. Burroughts de David Saores e Pedro Nora, vários livros de BD de referência, revistas e livros estrangeiros - mas sobretudo, e o que interessa aqui, uma colecção única de fanzines, zines, livros de autor, livros de artista, graphzines, etc… que começa nos anos 70 e vai até aos dias de hoje, e que pelos vistos pode ter leituras transversais à BD como a tal tese sobre o Punk da Universidade do Porto.
Lendo a secção "Mapa Borrado", uma BD de Miguel Castro Caldas com desenhos de José Smith Vargas, no “jornal de informação crítica” Mapa, no número 3 (Set’13) vemos o Socialista António Costa a vender Lisboa ao desbarato a Woody Allen, para este último fazer um filme sobre a cidade. Se o velho jarreta o fizesse realmente só poderia fazer um filme lisboeta em hostels e portos de cruzeiros, porque é isso que a capital portuguesa se transformou.
A cultura em Lisboa está a desaparecer a julgar pelo populismo das iniciativas públicas e a morte lenta das iniciativas privadas. A última e mais cruel foi o fecho da Sá da Costa, numa Baixa deixada às marcas multinacionais, que provou ser um “spot” excelente para a venda destas “edições estranhas” que aqui relatamos.
Por fim, apesar de ser uma ideia da CCC e tendo o solipsismo a cegar-me, admito, tenho de dizer algo sobre o concurso interno “Toma lá 500 paus e faz uma BD!” – cujo vencedor foi Francisco Sousa Lobo com The Care of Birds a publicar em 2014. Tratou-se disso mesmo, um concurso para fazer um livro de BD com a oferta de um prémio monetário. O incentivo de podermos oferecer uma recompensa monetária revelou uma estratégia necessária neste país miserabilista, embora saibamos que 500 Euros não cobre todo o trabalho que existe para fazer uma BD de muitas páginas - um romance gráfico. Apesar de todos os criativos / autores de BD andarem a trabalhar de graça ou a receber mesmo muito pouco dinheiro (muito menos do que qualquer outra área criativa onde existe "mercado"), existe uma resiliência que a tem mantido viva.
Não existindo nem actividades nem espaço para a BD de autor em Portugal, especialmente depois da extinção das bolsas de criação literária e o “fade out” da Bedeteca de Lisboa, o que fizemos é muito pouco mas para uma primeira edição, recebemos oito trabalhos inesperados de nove autores (havia uma dupla), alguns deles que nem sabíamos que existiam e que graças ao concurso já começamos a trabalhar com eles – como a Júlia Tovar que vai estar na Zona de Desconforto.
Tudo indica que estamos no caminho certo para 2014. Não?
“Quem corre por gosto não se cansa” diz-se por um lado e por outro, há quem diga que no mundo profissional estas coisas de trabalhar quase 24h tornaram-se até banais – algo impensável antes da histeria da crise e consequente degradação do mundo do trabalho no Ocidente, em particular em Portugal.
Trabalhar nada tem de glamoroso por mais quer a propaganda capitalista ou a comunista nos tentem enfiar pelas nossas goelas abaixo. Seja um mineiro ou alguém frente a um computador, o trabalho dá sempre cabo do nosso físico, deforma-o e coloca-nos em perigos desnecessários. É o que relembra a nova BD de Bruno Borges, que adapta Abolição do Trabalho (Crise Luxuosa; 1998) de Bob Black, editada num livro "chic-freak" intitulado The Abolition of Work, vol.1 (Arara/ Buraco). Trata-se de uma adaptação integral do texto e que esperamos para breve saírem os restantes volumes em BD.
O que Black diz é que só deveria haver trabalho que nos fosse útil, pedagógico e divertido, algo que num sistema como o nosso onde se produz as bugigangas mais idiotas e "apps" para estarmos 100% ligados ao mundo fascista do Big Brother, será uma Utopia difícil de alguma vez se concretizar. Apesar de tudo, se há coisa que me dá felicidade é trabalhar prá Chili Com Carne ou MMMNNNRRRG, mesmo que interrompa o descanso das férias, é porque neste mundo da edição independente não impingimos nada a ninguém. Quando surge uma encomenda de alguém sinto que estou enviar não apenas um livro qualquer para uma pessoa qualquer. Sinto que quer o livro quer a pessoa são especiais. O livro porque foi feito com amor e dedicação contra os esquemas mercantilistas e no caso da pessoa porque fez um esforço para encontrar o livro. Não o fez num impulso consumidor sem consciência porque foi bombardeada com publicidade o tempo inteiro. Deve ter ponderado até nos contactar, e fez isso também nas suas férias…
Infelizmente tudo isto relatado soa a “hobby” de meia-dúzia de cromos, e mesmo com a população portuguesa a diminuir, é estranho que não apareçam mais pessoas interessadas para este tipo de publicações. Como se consegue expandir a cena da BD em geral e a de autor em especial? Esta parece-me que foi a preocupação da cena independente em 2013.
Rendez-Vous
Um problema que se colocava em 2013 era como seria a edição independente depois do final da Feira Laica, local de encontro e venda de material independente que se concretizava duas vezes por ano, sobretudo em Lisboa. Foi o grande evento do género nos últimos oito anos, chegando até a criar um ritmo sincopado para o lançamento de novidades. Não foi preciso entrar em pânico, pelos vistos, porque a Laica foi imediatamente substituída pela Feira Morta na essência dos seus moldes, chamando a tribo à mudança, mantendo o encontro duas vezes por ano e com um programa idêntico: concertos, exibição de filmes, exposições / instalações, etc...
Há quem diga que é uma "Laica mais punk” e topa-se isso pelo lado mais desbundado da programação, que parece que irá pouco a pouco criar a sua própria identidade fugindo à característica mais aberta ao público que tinha a Laica. Parece que a morte da Laica fez ressuscitar mais duas feiras que andavam dormentes, a F.E.I.A. (com uma terceira edição como sempre no Montijo) e a Feira do Jeco (com duas novas edições, ambas no Porto). Voltaram maiores do que nunca mas tal como na Feira Morta, estes eventos não conseguem sair da armadilha que é preciso concertos de música para virem pessoas ao mercado do livro... A Laica em 2012 conseguiu mostrar que a "edição independente" tinha público por ela própria, como se provou na afluência de público das últimas duas Laicas. Este potencial no entanto não está ser aproveitado por nenhuma destas três organizações. Esperemos no entanto que 2013 tenha sido apenas um ano de transição para que 2014 seja mais assertivo.
Até porque o tempo urge porque o conceito (ou será "soundbyte"?) de “feira de edição independente” parece que está na moda, o que significa que já começaram a aparecer abusos de organizações a quererem capitalizar o conceito em situações de que cultura DIY nada têm - e têm ainda muito menos vergonha para pedir 15 euros por uma mesa, por exemplo, não compreendendo que quem faz destas publicações, faz na sua maior parte do tempo livre e parcos recursos, e não por necessidade económica e exploratória. Não se trata de colocar a "edição independente" numa patamar de virtudes, fria ao dinheiro e ao lucro mas antes de pensar que este é um mundo que tanto se encontram putos pré-universitários com zines baratos como colectivos com livros mais bem produzidos e luxuosos mas que se regem ambos por ideais de "preço justo", e que já são explorados por estágios profissionais e outras sacanices, não o precisam de ser também explorados pelo suposto meio que ajudam a criar.
Parece-me dogmático mas talvez os únicos que devem organizar "feiras de edição independente" são os que realmente o praticam e não pessoas de "fora" - com o risco de se banalizar o conceito e um dia até termos uma FNAC ou o Pingo Doce a fazer uma feira destas, não?
Ao longo de 2013 ainda houve outras pequenas iniciativas como a Pulga do Gato (na livraria Gato Vadio, Porto), a Edita (evento espanhol mais ligado à poesia) passou por Lisboa, a Necromancia Editorial no Festival Milhões de Festa (Barcelos) e Jeux Sans Frontières no âmbito da Trienal de Arquitectura, Lisboa.
Houve no entanto outros eventos que não deixaram de ter a sua graça ou importância, como o divertido lançamento do livro O Hábito Faz o Monstro de Lucas Almeida que incluía corridas de “sofás-skates” nas ruas da Parede, o encontro de criativos Pitchzin em Santa Maria da Feira, a importante exposição “Lixo Futuro” na galeria da livraria de BD Mundo Fantasma que apostou numa nova geração de autores portugueses, o convite do Doc Lisboa para apresentar a colecção LowCCCost da Chili Com Carne e a inesperada “exposição-memória” da loja Mundo da Banda Desenhada / Op (1977-1987) em Setembro nas Escadinhas do Duque – espaço onde muita gente se cultivou no passado com publicações alternativas.
Up!
Uma coisa insólita que aconteceu em 2013 é que a BD profissional ou comercial de autores portugueses deixou de existir! A grande editora Asa (do grupo Leya) que editava algumas “coisas” – a maioria inexplicável e contra a maré dos tempos – deixou de o fazer. Ainda há o “Piçaboy Mendonça”, uma produção luso-argentina que consegue ser ainda pior que o velho Jim Del Monaco dos anos 80, que tem chancela da Tinta da China mas toda a produção BD portuguesa está actualmente entregue a editoras independentes.
Sem futurologia possível, desde meados de 2013 que ficou o campo aberto para as editoras resistentes como a Chili Com Carne, Kingpin Books, MMMNNNRRRG, Mundo Fantasma / Turbina e Polvo, que continuaram activas e com alguma dinâmica, com a hipótese de aumentarem a sua importância no mercado livreiro, face a uma ausência de qualquer tipo de BD editada de autores portugueses nesse mercado. E mesmo em termos de BD estrangeira! A única a trabalhar regularmente é a Devir, uma vez que a Contraponto deixou de publicar BD apesar do sucesso (?) de Marjane Satrapi e Alison Bechdel…
A única estratégia que acho interessante, independentemente se o espaço abriu mais ou não, é que a BD que se edite tenha de ser interessante para um público fora desse "guetho". Para isso tem de ser uma arte “viva”, que conte ou que esteja envolvida no dia-a-dia das pessoas, ou que traga ideias novas como aliás qualquer outra arte faz. Num mundo de blogues e redes sociais que se pode criar comunidades do mais microscópico elemento subcultural, cada um pode ser o maior do bairro. O problema é depois do Bairro, na Aldeia não há espaço para a BD. Nos meios de comunicação social mais tradicionais quase desapareceu, por exemplo. Há mais de 10 anos haviam muitas colunas de crítica nos jornais e agora quando se fala de BD é para anunciar anacronismos como o novo álbum do Astérix ou de mais um original do Tintin vendido por uma barbaridade de dinheiro que deveria ser taxada para remediar o nojo colonialista do rei Leopoldo II - já agora, para quem esteve desatento, ver Vumbi de Rita Carvalho, editado pela Plana Press.
A BD que sempre teve um problema de visibilidade e reconhecimento público em Portugal nunca antes atingiu níveis tão baixos como agora. Só que o problema não é da “BD” mas sim do que se edita. Ora o que se edita geralmente não tem interesse nenhum para as pessoas, mesmo que os actuais filmes de Hollywood sejam todos sobre gajos com cuecas à mostra com super-poderes. Também têm aparecido uma tendência de alguma BD de ficção usar o nosso imaginário histórico (os tempos do fascismo, o PREC ou as guerras coloniais) infelizmente com resultados artísticos tão inócuos e/ou desastrosos que é natural que só se premiando em capelinhas "bedófilas" é que eles ganham relevância - para o próprio "guetho"! E isso é uma coisa que os cromos da BD (que continua a ser um grupo de crianças, jovens com borbulhas e adultos reaccionários) não percebem nem nunca perceberão. A Fantasia ou a Ficção não se cria por ela própria, e quando o faz, ou seja, auto-reproduzindo-se, cai no exercício de estilo pouco ou nada interessante – e isto tanto é verdade prá BD de patos sem cuecas como para quem gosta de Rock Gótico ou Harsh Noise. Os “bedófilos” bem podem admirar o génio do Alan Moore ou do Grant Morrison mas esquecem-se que eles foram formados por uma vida rica em experiências e não porque andaram a ler todos os livros de ficção científica do mundo (embora também o tenham feito!). Essas boas ideias se calhar surgiram porque eles trabalharam a limpar retretes…
Dentro da lógica deste mercado da BD tradicional está a Kingpin Books, uma loja de BD que tem apostado numa série de livros que dão nas vistas no "guetho bedófilo" mas acima de tudo parece ter “alegria no trabalho” no que faz. Há ambição e esforço técnico na produção dos conteúdos e dos livros, coisa que não parecia acontecer na Asa, por exemplo. Passa uma imagem de empreendorismo e dinâmica, justamente o oposto da Polvo que apesar do seu catálogo histórico, é a que menos comunica para fora (nem um blogue é capaz de ter!) e até para dentro (testemunhado no texto de António Kiala no Loverboy na Feira das Vanessas), por isso mesmo que tenham editado um livro do Ricardo Cabral, autor famoso q.b. por ter quatro livros da grande Asa, pouco ou nada irá significar na expansão da editora, que há muito que aceita tudo o que lhe ponham à frente. Ambos casos, até agora, uma por dinamismo, outra por historicidade parecem só mover-se pelos restos mortais do público "bedófilo", cujo palácio-para-burro-ver ainda é o Festival da BD Amadora, onde vão lá lançar novidades e colecionar prémios pacóvios.
Não é de estranhar que uma colecção como a nossa sobre viagens, a LowCCCost, cada vez que sai um novo volume acaba por interessar alguma "media" que geralmente ignoram BD. Seja pelo facto de estarmos num on the road numa “Europa aborrecida” ou a trabalhar numa ONG na Guiné-Bissau (falo de Kassumai de David Campos, claro), imediatamente estes temas atraem revistas de viagens ou a RTP Africa, enquanto que o “Piçaboy” tem de pagar para dar nas vistas... Mas adiante!
Em 2013, como colectivo de fanzines, destaco os cinco títulos do Clube do Inferno, com o material mais refrescante de quem faz produções de páginas fotocopiadas. Dentro do mesmo género, mantiveram-se o CVTHVUS e o Tiago Baptista manteve o Cleópatra e o Preto no branco. Enquanto com maiores meios continuaram BD Jornal, Buraco, Toupeira (da Bedeteca de Beja), Cru, Filme da Minha Vida (Ass. Ao Norte) e Mesinha de Cabeceira. Sentiu-se a falta do Lodaçal Comix mas Rudolfo lançou um novo volume de Musclechoo. E regressou The Killer Season Fanzaine de Pepedelrey – depois de quê? 14 anos!? A sério?
A Chili Com Carne recuperou BDs perdidas de Loverboy de Marte e João Fazenda [et al.], a Turbina as Crónicas da Arquitectura de Pedro Burgos e a Polvo aproveitando no trilho do comboio feito pela El Pep (em 2012) pegou em mais um clássico do Fernando Relvas. São pequenos gestos editoriais mas necessários para que o passado da BD portuguesa não seja esquecido, já que ninguém quer saber disso para nada.
O Quarto de Jade e o Panda Gordo iniciam-se na BD, no primeiro caso com um livro de Diniz Conefrey e no segundo com uma pequena antologia com sete autores "novos", João Sobral, Bárbara Fonseca, Diogo Bessa, Zé Cardoso, Sofia Palma, João Drumond e Amanda Baeza. André Oliveira e Joana Afonso começaram uma série de “comic-books” intitulada Living Will, pela nova Ave Rara, enquanto os Cabidela Ninjas e Imvincible Comics estrearam-se com zines mamados.
Fora do baralho: o Festival de Metal de Barroselas lançou um DVD comemorativo dos 15 anos de existência deste festival de música e que inclui um livrinho de BD sobre o evento feito por este vosso escriba, Marcos Farrajota; a Marvellous Tone lançou a banda sonora do filme O Coveiro (de André Gil Mata) que inclui um livro ilustrado de Sandra Neves; e, o Nicotina’zine que é de poesia continuou aberto à BD descobrindo até uns novos talentos, dos quais destaco o jovem e promissor Sim Mau.
Mas o vencedor do ano foi Lençóis Felizes de Van Ayres! O zine mais simples e boa-onda. Se há alguém que mereça um prémio de BD é ele! O Prémio Frescura!
In / out
Mas 2013 não trouxe só mais dois talentos refrescantes! Outro, ou melhor, outra foi a Amanda Baeza que se estreou em três edições estrangeiras, uma da Letónia e as outras em Espanha. Graças a isso será a autora com direito a uma exposição na Trem Azul Jazz Store durante o Festival Rescaldo, festival que faz um resumo do melhor que se fez em música portuguesa no ano anterior mas que tem dado espaço para a BD! De salutar a iniciativa!
Houve mais autores com trabalho publicado internacionalmente, sendo o mais mediático o de Rudolfo que também se estreou profissionalmente com o primeiro volume de Negative Dad sob argumento dos norte-americanos Nathan Williams e Matt Barrajas, para além de ter continuado a participar no fanzine Kovra (Espanha).
Houve participações de Bruno Borges, Teresa Câmara Pestana, Miguel Carneiro e Marcos Farrajota na revista eslovena Stripburger. Farrajota, Rudolfo e Wasted Rita participaram no Prego (do Brasil). Pedro Burgos teve o seu livro Airbag e outras histórias (Mundo Fantasma; 2003) editado em Itália pela Mal Edizioni. Ainda escrevi textos sobre “comix-remix” no jornal Kuti (Finlândia) e com Pedro Moura participamos no livro Metakatz (Bélgica). E claro André Lemos, mais calmo este ano, ainda assim participou em projectos na Alemanha e Inglaterra.
As viagens ou representações em festivais estrangeiros mantiveram-se: Crack (Roma), MEA 2 (Madrid), Edita (Punta Umbria, Espanha) e Bergen Art Book Fair, e na exposição "Workburger" (Eslovénia) sendo de destacar o Buraco que, tal como a Chili com Carne em 2010, meteu-se na carrinha e fez-se à estrada na sua “Trans-mediterranean Cargo Tour” passando por País Basco, França, Eslovénia, Sérvia e Itália. A exposição do Futuro Primitivo finalmente acabou a sua itinerância em Espanha e no Brasil, depois de ter percorrido países escandinavos, EUA e Itália desde 2011.
Autores estrangeiros que passaram por cá: Alex Vieira (Brasil) veio lançar o último Prego na saudosa Livraria Sá da Costa, Ilan Manouach (Grécia) veio ao Festival de Beja, Weaver (Brasil) ao Sete Sóis Sete Luas (Ponte de Sôr), Lars Sjunesson (Suécia / Berlim) com uma exposição individual na Trem Azul Jazz Store, Alex Baladi (da Suiça), Pedro Franz e André Diniz (ambos do Brasil) vieram ao Festival BD Amadora. Vivendo temporariamente em Portugal estão os brasileiros Sama que editou cá um livrinho de esboços, as autoras do fanzine Piqui (estiveram presentes com mesa na FEIA e Feira do Jeco) e de saída o casal russo-austríaco Alexander Brener e Barbara Schurz lançaram por cá um segundo livro, o Fuck Off and Die Alone.
Zona VIP
Apesar de toda esta cultura da edição independente vir dos fanzines, e sendo os fanzines publicações de fãs que de alguma forma prestavam vassalagem a algo, é o que menos há na edição independente, material de referência. Claro que no mundo da web.2 ter fanzines como o Nemo, Epitáfio ou O Moscardo seria um anacronismo completo mas ainda assim nem tudo está na ‘net, nem esta permite leituras profundas ou reflexão, embora seria injusto dizer isso quando se consulta os blogues de Domingos Isabelinho e de Pedro Moura. Este último e eu, como já referi, participamos no Metakatz, edição da editora belga 5éme Couche em que se discute todas as implicações da destruição e proibição do livro Katz, obra que “desviava” o sacrossanto Maus de Art Spiegelman. Aproveitando a deixa, é de referir também que a Letra Livre editou O Negócio dos Livros : como os grandes grupos económicos decidem o que lemos, de André Schifffin (1935-2013), responsável pelo Maus nos EUA quando editar livros significava alguma coisa, mesmo numa grande editora. Existe essa referência no livro mas como é óbvio não é uma obra sobre BD mas sobre a questão da edição de livros.
Também tive direito a uma entrevista no número 62 da revista eslovena Stripburger, que ajuda a compreender os projectos Chili Com Carne e MMMNNNRRRG. Claro que a revista chega a uma comunidade internacional interessante que irá saber mais sobre estes projectos do que cá, onde se tentam ignorá-los… O universo exagera na ironia!
A iniciativa mais importante no campo da referência foi sem dúvida o Portuguese Small Press Yearbook 2013 projecto dirigido por Catarina Figueiredo Cardoso e Isabel Baraona. É uma compilação relativa à edição independente nacional, sejam livros de artistas, fanzines, zines e outros mutantes bibliográficos publicados entre Junho 2012 a Junho 2013. Pelo meio há textos sobre edição, listas de arquivos públicos, etc...
Entretanto também é interessante referir o projecto de sociologia Keep it simple, make it fast! Prolegómenos e cenas punk (1977-2015) da Universidade do Porto, que está a estudar a cultura Punk em Portugal e que finalmente vai dar valor ao acervo de fanzines e publicações do género que se encontram na Bedeteca de Lisboa. Em princípio haverá algum estudo sobre a BD e a Ilustração punk portuguesa mas só em 2014 é que haverá resultados…
Roleta Russa
E é essa mesma Bedeteca que vai ser despachada prás Juntas de Freguesia, colocando em risco não só todo o sistema de funcionamento bastante racionalizado e optimizado, diga-se de passagem, das bibliotecas municipais (BLX) e pior ainda, esse acervo da Bedeteca, constituído não apenas por várias publicações históricas e patrimoniais - as primeiras revistas de BD como o ABCzinho ou a emblemática Visão, os primeiros álbuns como o Cruzeiro do Sul de Carlos Roque ou o esgotado Mr. Burroughts de David Saores e Pedro Nora, vários livros de BD de referência, revistas e livros estrangeiros - mas sobretudo, e o que interessa aqui, uma colecção única de fanzines, zines, livros de autor, livros de artista, graphzines, etc… que começa nos anos 70 e vai até aos dias de hoje, e que pelos vistos pode ter leituras transversais à BD como a tal tese sobre o Punk da Universidade do Porto.
Lendo a secção "Mapa Borrado", uma BD de Miguel Castro Caldas com desenhos de José Smith Vargas, no “jornal de informação crítica” Mapa, no número 3 (Set’13) vemos o Socialista António Costa a vender Lisboa ao desbarato a Woody Allen, para este último fazer um filme sobre a cidade. Se o velho jarreta o fizesse realmente só poderia fazer um filme lisboeta em hostels e portos de cruzeiros, porque é isso que a capital portuguesa se transformou.
A cultura em Lisboa está a desaparecer a julgar pelo populismo das iniciativas públicas e a morte lenta das iniciativas privadas. A última e mais cruel foi o fecho da Sá da Costa, numa Baixa deixada às marcas multinacionais, que provou ser um “spot” excelente para a venda destas “edições estranhas” que aqui relatamos.
Por fim, apesar de ser uma ideia da CCC e tendo o solipsismo a cegar-me, admito, tenho de dizer algo sobre o concurso interno “Toma lá 500 paus e faz uma BD!” – cujo vencedor foi Francisco Sousa Lobo com The Care of Birds a publicar em 2014. Tratou-se disso mesmo, um concurso para fazer um livro de BD com a oferta de um prémio monetário. O incentivo de podermos oferecer uma recompensa monetária revelou uma estratégia necessária neste país miserabilista, embora saibamos que 500 Euros não cobre todo o trabalho que existe para fazer uma BD de muitas páginas - um romance gráfico. Apesar de todos os criativos / autores de BD andarem a trabalhar de graça ou a receber mesmo muito pouco dinheiro (muito menos do que qualquer outra área criativa onde existe "mercado"), existe uma resiliência que a tem mantido viva.
Não existindo nem actividades nem espaço para a BD de autor em Portugal, especialmente depois da extinção das bolsas de criação literária e o “fade out” da Bedeteca de Lisboa, o que fizemos é muito pouco mas para uma primeira edição, recebemos oito trabalhos inesperados de nove autores (havia uma dupla), alguns deles que nem sabíamos que existiam e que graças ao concurso já começamos a trabalhar com eles – como a Júlia Tovar que vai estar na Zona de Desconforto.
Tudo indica que estamos no caminho certo para 2014. Não?
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Brasil XV
E voltamos sempre ao Brasil... E ao Samba, projecto de um colectivo de Brasília que acredita na fragmentação narrativa e talvez por isso que apesar de ter começado como uma revista intitulada de Samba - com três números - o projecto tem mudado de nomes para Kowalski, Mini-Samba (que já lá iremos) ou agora o Novo (2013). Este último é uma antologia menos cheia e pesada de colaborações, ficando-se o trio-editor (Gabriel Mesquita, Gabriel Goés e LTG - já nossos conhecidos no Seitan Seitan Scum) com Pedro Ivo Verçosa e Ulisses Garcez a realizarem BDs experimentais no limite das "artes plásticas", lembrando esforços de um número especial do kuš! e do Glömp e já agora do autor Dice Industries (que por sua vez tem um passado que vai até Max Ernst), para procurar novas formas de trabalhar a BD - pelos vistos não são assim tão novas como isso mas talvez esta antologia seja um importante manifesto artístico para a BD brasileira. Destaque pró trabalho de Goés e as colagens de Verçosa.
Entretanto só agora é que nos chegou às mão o Bátima (2011) de André Valente, uma deprimente BD sobre a realidade de um "looser" que trabalha num "MacMerda" de uma grande cidade mas que vai dizendo prá família no interior que está em ascenção no mundo do trabalho liberal - ah, e vai cravando dinheiro também. Uma coisa triste de uma Humanidade que faz dos filmes de super-heróis "blockbusters" quando a realidade delas é o inferno que vemos à vossa volta. O humor não entra em "besteirol", é bastante negro, roça o Chris Ware mas não há aqui cores vivas, sol nem sambinha. Valeu!
Entretanto só agora é que nos chegou às mão o Bátima (2011) de André Valente, uma deprimente BD sobre a realidade de um "looser" que trabalha num "MacMerda" de uma grande cidade mas que vai dizendo prá família no interior que está em ascenção no mundo do trabalho liberal - ah, e vai cravando dinheiro também. Uma coisa triste de uma Humanidade que faz dos filmes de super-heróis "blockbusters" quando a realidade delas é o inferno que vemos à vossa volta. O humor não entra em "besteirol", é bastante negro, roça o Chris Ware mas não há aqui cores vivas, sol nem sambinha. Valeu!
domingo, 26 de janeiro de 2014
Família Bifana
Na última Feira do Jeco, na troca de prendas "natalixo" com o Sr. Esgar Acelerado, eu dei-lhe um DVD de cowboys e ele um EP 7" em vinilo de uma banda que ele dizia que não havia nenhuma informação na 'net! Que tangas! Se há coisa que 'net infelizmente fez foi mapear 99,9% do mundo e da actividade cultural humana. O problema é antes perceber se a banda chama-se Família Carnage Asada ou apenas Carnage Asada - que parece que é a última, pelos vistos. Disco de 1997 pela Travisty Records (alguém da banda tinha de inventar um nome prá label, né?) soa a pós-Hardcore mais próximo de Oxbow ou Fugazi do que o Punk 4x4, devido aos ritmos lentos e riffagem Blues. Ao que parece a Cru ainda vende disto a 2 euros! É de aproveitar!
sábado, 18 de janeiro de 2014
QUIMBY'S OU OS BONS VENTOS DE CHICAGO
À saída da estação de metro de Damen-O’Hare, o movimentado ponto
de intersecção das avenidas North Milwaukee, North Damen e West North, compondo
uma estrela de seis pontas, deixa dúvidas sobre a direcção a seguir. A
toponímia não ajuda e, optando por se pedir informações a quem passa,
é provável deparar com alguém que só entende polaco. Incomodidades pitorescas à
parte, para a Quimby’s é a segunda à direita… Avança-se um pouco pela West
North Avenue e logo se descobre o logotipo circular da autoria de Chris Ware,
sinalizando um minúsculo edifício de piso térreo que alberga a almejada loja de
livros, pequeno paraíso de edições alternativas, modesto por fora, quase mágico
por dentro (o esboço da praxe antecede a entrada, apesar do frio cortante, qual
capricho de deferência ante o deleite que se julga iminente).
Transposto o limiar, um outro mundo que atrai mas também confunde
pelas suas categorias imprevistas, corporizando um exercício de fuga à norma
através de uma etiquetagem obsessiva e que dá o tom à etnografia deste tipo de
lugares: radical parents + children; gay smut; low brow; sexy art books;
muckraking memoirs & miscelanny; photo zines; chap books; mini comics… Aqui ou ali, vão-se igualmente descobrindo
indicações para nichos previamente identificados (anarchy and politics, sex
culture…) e até para territórios mais amplos e já extensamente
cartografados (fiction & poetry, esoterism, graphic novels…). Ou seja, aos poucos, a familiaridade vai-se
instalando. Dos mais variados recantos, os livros parecem travar diálogos
consequentes que desaguam em correntes gráficas comuns, de caudal apreciável:
os contornos vincados e o jogo de cores de Tomi Musturi reflectindo-se pelos
trabalhos de Otto Splotch, Benjamin Bergman, Mat Brinkman, Jon Vermilyea ou
Kyle Platts; as densas e expressivas texturas de Theo Ellswurth, Jesse Jacobs,
Kevyn Hooyman, Kolbein Karlsson ou Edie Fake competindo umas com as outras; o
surrealismo escatológico de Mike Diana reaparecendo na série Prison Pit, de Johnny Rian; algum do
minimalismo de John Porcelinno em Simon Moreton; enfim, o desleixo estudado de
Gary Panter um pouco por todo o lado…
A primeira investida é porém interrompida por um concerto de
música electrónica pelo duo Roth Mobot, integrado na sessão de apresentação de
um livro sobre noise japonês,
assinado pelo antropólogo David Novak (como se percebe, a Quimby’s é também
palco de eventos que tornam momentaneamente inacessíveis alguns sectores da
livraria). Perante uma assistência de cerca de vinte pessoas, os músicos Tommy
Stephenson e Patrick McCarthy ensaiam efeitos repetitivos a partir do som de um
conjunto de brinquedos infantis conectados a uma espécie de caixa de misturas.
A técnica dá pelo nome sugestivo de circuit
bending e é mais um exemplo de desconstrução musical à revelia da melodia,
da harmonia, até do ritmo. Ao fim de vários minutos de ruídos repetitivos e
distorcidos, o silêncio que sobrevém indiciando o fim de um “tema” é
prontamente aproveitado por Patrick McCarthy para uma breve exposição sobre a
sua arte: «Disseram-nos que podíamos continuar por meia hora. E isto foram
apenas dez minutos. Portanto, o tempo expande-se quando se faz circuit bending…»
A segunda investida à Quimby’s é mais tranquila mas igualmente demorada
e marcada por hesitações quanto ao que levar, tendo em conta o preço e o espaço
disponível na mochila: Blobby Boys,
de Alex Shubert (que suplanta as expectativas), as variações sobre a varíola
constantes no número 4 do fanzine Corpus
Corpus (que atrai sobretudo pelo formato a lembrar um baralho de cartas), o
número 6 da Little Otsu Living Things
Series (com alguns desenhos de animais por Becca Stadtlander), ou ainda um
exemplar do fanzine Showcase,
contendo BDs feitas com a colaboração de crianças (uma boa capa mas pouco mais
que isso…). Neil Brideau revela-se o interlocutor ideal, prestável e informado.
Até que a noite desce e a hora de fecho se aproxima. É tempo de dizer adeus à
Quimby’s, a livraria onde o tempo ora se expande, ora se contrai, e onde o que
é estranho se vai tornando familiar.
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http://www.rothmobot.com/sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
RONDA BREVE DE SÃO PAULO
Não encontrareis, ó aficionados da ilustração e da banda desenhada, especiais motivos de assombro no Rio de Janeiro, posto que haja boas livrarias e se possam descobrir preciosidades independentes na Blooks do cinema Arteplex, a Botafogo, na La Cucaracha de Ipanema e ainda mais n’A Bolha, para os lados de Santo Cristo. Já os colecionadores de raridades visando algum Zé Carioca vintage, a revista Crás ou A Guerra dos Farrapos, de Colin, terão de depositar esperança noutras paragens, confirmada a desactualização das moradas de sebos cariocas especializados em quadrinhos retiradas da Internet dias antes da partida. O que havia de interessante, já fechou. São Paulo é, pois, o destino a seguir. A imensa e industriosa e rica metrópole decerto não defraudará. Os relatos prometem avenidas repletas de alfarrábios e lojas totalmente consagradas aos gibis. A ver vamos…
Saindo na estação de metro de Clínicas e virando costas ao muro do Cemitério do Araçá, iniciamos a descida da Rua Teodoro Sampaio, marcada pela alternância de sebos e casas de instrumentos musicais, até desembocarmos na recatada Praça Benedito Calixto, onde se podem descobrir, por entre as árvores, algumas lojas de charme e cultura, incluindo aquela que aqui nos trouxe, dita Gibiteria, sita no primeiro andar do número 158. Uma sala relativamente ampla e bem iluminada onde se podem encontrar boas amostras da produção brasileira contemporânea. Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho, e Campo em Branco, de Emilio Fraia e DW Ribatski (ambos resultando da colaboração entre ilustradores e escritores) constituem assinaláveis exercícios de fragmentação narrativa dentro do campo da banda desenhada, ao passo que Morro da Favela, ilustrado por André Diniz, prima sobretudo pelo conteúdo biográfico e fotográfico de Maurício Hora. Do lado das publicações independentes, as capas enormes e ultra-coloridas d’A Bolha destacam-se nos escaparates, com boa parte das edições consagradas a autores estrangeiros (nomeadamente europeus e norte-americanos, incluindo notáveis como Gary Panter, Seth ou Tommi Musturi), uma vez mais lembrando as limitações de amostras condicionadas por fronteiras nacionais. Em Se a Vida Fosse como a Internet (Beleléu), Pablo Carranza segue os passos dos seus conterrâneos paulistas Angeli, Laerte e Glauco, exibindo um humor rejuvenescido que Iturrusgarai parece incapaz de alcançar. Na mesma editora, Tiago “Elcerdo” Lacerda sobressai pelo traço impetuoso e rasgado dando vida a histórias sem texto (veja-se «O Pianista Maldito» no Friquinique #3), ao passo que Stêvz e Biu nos servem uma convincente mistura de registos narrativos e gráficos em Aparecida Blues.
Cachalote (Companhia das Letras, 2010)
Campo em Branco: Lembrança de 1987 (Companhia das Letras, 2013)
Morro na Favela (Barba Negra, 2011)
Se a Vida Fosse como a Internet (Beleléu, 2012)
«O Pianista Maldito», Friquinique Zineteaser #3 (Beleléu, 2014)
Aparecida Blues (Beleléu, 2011)
Quanto a alfarrábios, não os há na Gibiteria. Mas recomendam-nos a Rika Comic Shop, situada na relativamente próxima Rua Augusta, que cruza a Avenida Paulista: é voltar a apanhar o metro em Clínicas e sair na estação seguinte, Consolação. Passando diante de algumas galerias comerciais dedicadas à venda de artesanato, vestuário e livros de arte, chegados ao número 1371, é subir as escadas até à sobreloja 10/11. Vista do exterior, a Rika faz jus à legendária tradição sebenteira do Brasil, com as suas prateleiras lotadas de fascículos amarelecidos pelo tempo, a que se juntam enormes colunas de volumes empilhados à entrada. A impressão de felicidade é, porém, passageira. No interior, o visitante esbarra com um balcão onde lhe pedem que indique o título da obra que procura, a qual, verificada a sua disponibilidade no computador, poderá ser-lhe entregue para consulta. Na falta desta informação, de pouco adianta fornecer o nome de um autor — a busca informática só funciona mesmo por títulos. Fica assim posta de parte qualquer possibilidade de vaguear pelo espólio e descobrir coisas inesperadas. A Rika assume-se como uma anti-livraria, e o próprio cartão-de-visita, anunciando «Gibis de todas as épocas para todas as idades», logo acrescenta, autoritário, que se «COMPRE TUDO PELA INTERNET» — opção decepcionante para quem vem de fora e com disposição para sentir os sítios por onde passa. É, pois, questão de dar meia-volta e sair de São Paulo.
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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
RIO EM ESQUINA E ESCOMBRO
Tema antigo e basto glosado por quem de talento, dos clássicos Manuel António de Almeida, João do Rio, Lima Barreto ou Mário Pederneiras aos modernos Luís Edmundo, Vivaldo Coaracy e Sérgio Porto, para não falar de Vinícius, Caetano ou Calcanhoto… Mas o espectáculo das ruas do Rio de Janeiro continua, alimentando a veia de novos passantes, flâneurs, turistas, cronistas, artistas, etnógrafos, bloggers e outros retardatários. Como tal, aqui ficam as impressões documentadas sobre algumas curiosidades visuais que se podiam apreciar, no mês de Outubro de 2013, durante um curto trajecto a pé pela zona da Lapa.
Por esses dias, na esquina da Rua Sílvio Romero com a Rua Riachuelo, alguém colara uma série de desenhos coloridos retratando corpos em poses e actos explicitamente eróticos (algumas destas ilustrações foram prontamente rasgadas, inviabilizando um registo fotográfico mais completo). A ideia que assomava era a de que se trataria de um espólio concebido ao sabor de uma relação amorosa entretanto terminada e posteriormente exposta aos olhares do público das ruas. O conteúdo textual que acompanhava alguns desenhos parecia confirmá-lo: «Antes de me ofender / Antes se afastar / Gosto de você, pra começar…» Noutra folha, a mensagem que permitiria dar um sentido ao painel: «Só para você saber eu esqueci de você!», seguida de uma assinatura: «Luiz Rocha» Na verdade, uma simples pesquisa no Google revelou que os textos pertenciam a letras de canções e que Luiz Rocha era, afinal, um artista plástico do Rio de Janeiro devidamente cadastrado e vezado em criações da mesma têmpera. De modo que aquilo que se afigurava um indício de arte-terapia se revelou uma intrigante manifestação de arte de rua estrategicamente colocada num polo de diversão nocturna. De qualquer maneira, arte efémera. E imprevista, também, pelo menos para quem vem de fora e, sem coordenadas, demora o seu tempo a encontrar as referências certas. Neste caso, a riqueza do conjunto é reforçada pelo próprio jogo das descodificações, antes que a recondução a uma matriz autoral lhe confira um estatuto, lhe arrume um sentido…
Prosseguindo a caminhada pela Rua Riachuelo, logo após os arcos da Lapa, a metade arruinada de um casarão centenário desponta como ecossistema gráfico, sobre a qual se inscrevem e colam e afixam todo o tipo de intervenções, avisos, sinais. Nas janelas emparedadas do rés-do-chão, dois grandes painéis de grafitis abrindo amplas perspectivas históricas sobre o Rio (um deles contém uma dedicatória legível «ao povo carioca»). Percebem-se ainda alguns trabalhos mais abstractos, outros mais caricaturais e humorísticos, devendo o transeunte aproximar-se para apreciar devidamente um conjunto de desenhos com motivos obsessivos (esboços de casas assinadas por um tal de Cristiano da Silva, bem como algumas figuras rudimentares, a negro e vermelho, ensaiando passos de dança) que, pelo tamanho reduzido, desafiam a escala convencional da arte de rua. O edifício alberga ainda uma série de tags e pequenos cartazes com palavras de ordem e outras mensagens que soam como despertadores: «Ninguém manda no que a rua diz», «Pense nos porquês», «O que te faz voltar quando sai para comprar cigarro?», «Atenção, isto pode ser um poema». São as marcas do Coletivo Transverso, um grupo formado em Brasília e que se dedica à apropriação artística e poética do espaço urbano: os modelos dos cartazes podem ser facilmente descarregados na Internet e colados por qualquer pessoa (o Coletivo apenas pede para ser informado da sua utilização, de preferência com fotografias). Mas um grande anúncio de «VENDE-SE», aplicado ao próprio casarão, traz-nos de volta à realidade da vida material, a que se junta uma variante para bolsas menos recheadas: «ALUGA-SE KITINETE TEL. 9186-9123». Porém, logo abaixo, um velho letreiro indicando a «Rua Evaristo da Veiga» — que os mapas actuais localizam noutro ponto da zona centro —, transporta-nos de novo para terreno incerto, algures entre o presente e o passado…
O último pormenor de destaque neste curto trajecto vai para um objecto artístico mais usual: um quadro em estilo pós-impressionista mostrando uma rua europeia pintada em cores garridas, e que se encontrava pendurado, ao que tudo indica permanentemente, na parede exterior da pizzaria Guanabara, na esquina da Rua Riachuelo com o Largo da Lapa (trata-se, evidentemente, de uma reprodução). Ampliando a imagem, é possível descortinar uma assinatura sugerindo qualquer coisa como «Burnand», «Bérnard» ou «Bonnard». Mas a obra em causa não é facilmente atribuível a nenhum dos três e, na ausência de pistas concretas, as ferramentas de pesquisa de imagens da Internet são praticamente inúteis, perdurando o mistério e, com ele, a dúvida — mas também o interesse…
(Fotos: Ana Magalhães)
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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Post-Viagra-Metal
Depois de aturar um monte de discos "toing toing toing" há alguns meses atrás foi com um enorme alívio que andei curtir Festival Roadburn 2013 Sampler semanas e semanas... E admito que não tive paciência para escrever sobre esses discos, entre eles as duas últimas edições da Shhpuma - também ia bater no ceguinho do bezuntas do Tó Trips por isso para quê? O Roadburn é o festival dos metaleiros que já não são metaleiros, e que têm guito para ir ver o que interessa sem papar grupos. Acontece uma vez por ano na Holanda e quem organiza também edita discos que são demosntrados neste CD-sampler. Mesmo que seja música de tabelinha Stoner / Doom / post-metal / Black com cânones com pelo menos 20 anos já testados, não conhecia nenhuma das bandas mas foi fixe ouvir algo com força e funcionalismo ritmíco! Foi como sair de um buraco de depressão com duas doses de Viagra enfiadas pela pila dentro! Caramba uma delas até se chama Conan! E há uma chamada Haikai No Ku... enfim, nada é perfeito, ainda assim muchas gracias ao Luís Lamelas da Glam-O-Rama pela oferta deste simples CD!
Na mesma altura que aturava "toings" também houve o "nosso" Roadburn, ou seja o Amplifest, e o ThisQuietArmy voltou a Lisboa para mais um concerto intenso deste "OneManBand", que é o que reproduz o DVD São Paulo. Brasil (TQA; 2013). A preto e branco prós estetas da melancolia, vê-se num plano único um espectáculo ao vivo em Julho do ano passado em S.Paulo, similar ao que se assitiu por cá, com uma parte extra em que o músico junta-se a uma banda brasileira. O disco é acompanhado por fotografias e um flyer do concerto, tudo depois metido num envelope que faz deste conjunto uma edição catita e fetichista para mais tarde recordar. Nice!
ccc@tenderete.7
Estivemos no Tenderete (a Laica de Valência) e passado uma semana ainda estamos a aprender a voltar a respirar de tão intenso que foi!
É verdade que os espanhóis têm a mania de imitar tudo, e o próprio cabecilha deste magnífico evento, o camarada Martin Lopez Lam, admite publicamente que se inspirou no Boring Europa e na Feira Laica para ter criado o Tenderete. Ficamos até lisonjeados mas sentimos que fomos ultrapassados dada a qualidade de oferta que vimos naqueles dois dias.
Se calhar, há logo um contexto urbano maior que torna o Tenderete tão potente, é que Valência é uma cidade de artes gráficas, provada por ter ruas com nome de artistas gráficos ou pelo Museu de Ilustração de Valência ou ainda por eventos como a exposição de Ops / El Roto / Rábago na La Nau da Universidade de Valência, justamente todo um oposto a Lisboa que apesar de estar numa latitude idêntica, destruiu os eventos Ilustração Portuguesa e Salão Lisboa, e agora prepara-se para destruir a Bedeteca de Lisboa e a rede BLX.
Se a Laica andou durante imenso tempo a definir-se como projecto, o Tenderete assume-se logo como "auto-edição gráfica e sonora", e mostra sinais de profissionalismo, criando folhas volantes com o programa e a disposição das mesas dos editores. Além de boas edições de ilustração e BD também fomos encontrar boa música, seja do "blues cerdo one-man-show" do camarada Tumba Swing ao "soundart" da plataforma Audiotalaia.
O primeiro tem um novo EP em vinil 7", Lamento Electrico (Calamidad; 2013), que mostra que apesar da pancada pela música do século passado, Tumba Swing sabe ser versátil nos vários tons de Rock'n'Roll; no segundo caso destaco para o CD A Country Falling Apart (2013) de Edu Comelles música ambiental feita de captação de sons, recusando o uso de qualquer tipo de instrumento na elaboração desta música. E tal como Tumba Swing, havia mais malta que divulgava tanto música como livros de autor, como a Bad Weather Press que partilhava mesa com a Orgonomy Records.
Buen Dolor é um fanzine editado por Álvaro Nofuentes e é um mimo para quem curte BD à procura de novas alternativas narrativas e gráficas. Participam uma padilha de autores ligados a um eixo que passa pela Argentina (com o nosso conhecido Berliac), de Valência (entre eles o camarada Lam) e de França, nesta última situação porque Nofuentes estudou em Angoulême. Buen Dolor é um bom companheiro do Kovra, só é pena que os dois estejam parados... porque o último número (o três) data de 2012, o que pode significar que não há mais continuidade ao projecto. O "sexo" (tema deste número) acabou com o projecto, pelos vistos...
Quem anda cheio de tusa, e se calhar com tusa a mais é o autor do excelente livro Black Metal, Magius. Apareceu com dois títulos intitulados de Murcia, cidade onde reside, e que pelos vistos tem lendas profanas para contar, e depois assina como Yo Perro ou Diego Corbalán para La philosofie dans le boudoir e Eva Braun. Todas estas publicações são a cores, A5 e no máximo com 12 páginas, não têm numeração nem se percebe continuidade caso haja. La philosofie é uma BD que pega no Marquês de Sade e que parece que continua em duas páginas em Eva Braun que é na essência um caderno de esboços do autor e uma fotonovela de um gajo Black Metal a violar (?) uma hipster numa loja de discos (???). Confusão editorial e mental que apela a estarmos atentos ao que se passa no blogue oficial deste tipo muito muito estranho porque se prepara uma magnum opus então temos de esperar com sapiência e veneração! Hail Magius!
Incongruências mais fáceis de explicar são os desdobráveis em acordeão do El Monstruo de Colores No Tien Boca que publica sonhos (ou pesadelos) de crianças ilustrados, a lembrar o conceito de Duplex Planet Illustrated de David Greenberger que recolhia histórias de velhos em centros de dia para depois transformar em BD. Se o início destas publicações eram modestas - o mais antigo que tive acesso, o número 2, The King / El Rey / Le Roi (2010) ilustrado por Mitch Blunt - em formato 10x10cm a preto e branco, os mais recentes o formato não só aumenta (para cerca 15x15cm) como é adicionada uma cor como acontece com Inside my hair / Dentro de mi pelo (#26; 2013) por Thomas Wellmann. A colecção parte sempre de seis sonhos sacados a crianças por Roger Omar entre o México e Valencia - o editor é mexicano e vive em Valência - mas também há um número com uma criança de Israel - #24, Lie Die / Mentir Morrir (2013) de Fitnat e Roni Fahima (i). Também há excepções como é o caso de Best Friends / Mejores Amigas (2013) de Mireia de Oliva e Wren McDonald (i) e Más Grandes y Viejos / Bigger and Older (2013) de Maria e Amanda Baeza (i) que são nitidamente "fora de colecção" porque ilustram apenas um sonho. São também os melhores deste projecto porque são mais sequenciais e narrativos permitindo que o texto seja explorado de forma mais alargada. Nos outros números, uma página representa quase sempre um sonho e uma ilustração tendo menos impacto. Ainda de referir que participaram neste projecto o português Pedro Lourenço (#11, El Mago / O Mágico / The Magician; 2011) e o moçambicano Rui Tenreiro (#14, Espada y Escudo / Sword and Shield / Espada e Escudo; 2012). Por fim, os sonhos das crianças mexicanas são muito mais violentos e mórbidos que as crianças de Valencia. E quando digo "muito mais"...
Arròs Negre Fanzine (4 números; 2011-13) lembra muita coisa (como a Lapin, Zundap ou ainda a linha estética da No Brow) por causa da sua elegância gráfica e impressão a duas cores. Interessam-se por banda desenhada, ilustração e tipografia mas também por temas sociais ou políticos como se pode verificar pelos temas de cada número: Beltor Brecht, os árabes ou a Espanha republicana. Chama-se fanzine mas parece uma revista literária numa altura em que pensamos que nunca mais irá haver tal coisa como a "nossa" saudosa Quadrado. Talvez seja mesmo um fanzine pelo facto dos trabalhos ainda serem um bocado verdes talvez porque os colaboradores ainda sejam estudantes da Universidade? [como sabemos os estudantes nos dias que correm são a massa menos contudente do planeta, já lá vão os tempos que o Estado tremia com as manifestações de estudantes] Talvez não deveria chamar-se "fanzine" porque acaba por ser pouco contudente, excepto o número dois porque pega em Brecht!
Mob Rule (Dez'13) é um fanzine literário mas que o editor e escritor Alejandro Álvarez Fernández não teve medo em pegar em nove ilustradores valencianos - ligados a estes projectos aqui divulgados como Jorge Parras (da extinta Arght!), Martín López Lam (ed. Valientes), Álvaro Nofuentes (Buen Dolor) ou Elías Taño (Arròs Negre) - para participarem. E não apenas de uma forma óbvia de ilustrar partes dos textos mas fazendo até BD e obrigando o texto a ficar preso para sempre das imagens - temos de aplicar esta fórmula nos nossos livros literários um dia destes e sermos nós a imitar os espanhóis! Interessante...
Por fim, deixo a glória editorial final para o camarada Martin López Lam, que não lhe falta capacidade de provocação, experimentalismo e empreendorismo. Bem sei que a última palavra é repugnante nos dias que correm porque parece que todos nós, por falha total do sistema capitalista, temos de ser todos chico-espertos que devem correr à frente de todos. Ora como sabemos, se o sistema sempre afirmou que há líderes e seguidores e que não há espaço para todos serem o número 1, o empreendorismo que se promove nos dias de hoje parece antes um "socialismo" para tolos. Martin por acaso até podia ser o número 1 ou um líder porque não está preso aos formalismos espanhóis desta Europa cansada, uma vez que o autor é peruano de origem. Este facto, e a sua emigração para Espanha, dá-lhe uma liberdade de pensamento e de acção que ultrapassa os outros valencianos sedentários. Daí que o Tenderete seja obra sua ou as Ediciones Valientes sejam mais cosmopolitas, atentas ao mundo para além do bairro e surpreendentes como provam as duas belas edições acabadas de sair. O número nove do El Temerário mostra como deve ser um "graphzine"! Duas cores e num formato maior que o A4 que é para os desenhos terem poder de nos causar perturbações! Se há muito que estou farto de ver graphzines (sobretudo portugueses e do Porto!) com este novo número voltei a ter fé neste tipo de publicações cheias de desenhos. Assim sim! Depois há o Chemtrail, um desdobrável que pode dar em poster mas que na realidade é uma BD feita de acasos imaginativos e manipulação digital drogada. Um produto a afastar das crianças, não por cenas explícitas mas porque as cores podem fazer danos mentais! Gracias Martin!
É verdade que os espanhóis têm a mania de imitar tudo, e o próprio cabecilha deste magnífico evento, o camarada Martin Lopez Lam, admite publicamente que se inspirou no Boring Europa e na Feira Laica para ter criado o Tenderete. Ficamos até lisonjeados mas sentimos que fomos ultrapassados dada a qualidade de oferta que vimos naqueles dois dias.
Se calhar, há logo um contexto urbano maior que torna o Tenderete tão potente, é que Valência é uma cidade de artes gráficas, provada por ter ruas com nome de artistas gráficos ou pelo Museu de Ilustração de Valência ou ainda por eventos como a exposição de Ops / El Roto / Rábago na La Nau da Universidade de Valência, justamente todo um oposto a Lisboa que apesar de estar numa latitude idêntica, destruiu os eventos Ilustração Portuguesa e Salão Lisboa, e agora prepara-se para destruir a Bedeteca de Lisboa e a rede BLX.
Se a Laica andou durante imenso tempo a definir-se como projecto, o Tenderete assume-se logo como "auto-edição gráfica e sonora", e mostra sinais de profissionalismo, criando folhas volantes com o programa e a disposição das mesas dos editores. Além de boas edições de ilustração e BD também fomos encontrar boa música, seja do "blues cerdo one-man-show" do camarada Tumba Swing ao "soundart" da plataforma Audiotalaia.
O primeiro tem um novo EP em vinil 7", Lamento Electrico (Calamidad; 2013), que mostra que apesar da pancada pela música do século passado, Tumba Swing sabe ser versátil nos vários tons de Rock'n'Roll; no segundo caso destaco para o CD A Country Falling Apart (2013) de Edu Comelles música ambiental feita de captação de sons, recusando o uso de qualquer tipo de instrumento na elaboração desta música. E tal como Tumba Swing, havia mais malta que divulgava tanto música como livros de autor, como a Bad Weather Press que partilhava mesa com a Orgonomy Records.
Buen Dolor é um fanzine editado por Álvaro Nofuentes e é um mimo para quem curte BD à procura de novas alternativas narrativas e gráficas. Participam uma padilha de autores ligados a um eixo que passa pela Argentina (com o nosso conhecido Berliac), de Valência (entre eles o camarada Lam) e de França, nesta última situação porque Nofuentes estudou em Angoulême. Buen Dolor é um bom companheiro do Kovra, só é pena que os dois estejam parados... porque o último número (o três) data de 2012, o que pode significar que não há mais continuidade ao projecto. O "sexo" (tema deste número) acabou com o projecto, pelos vistos...
Quem anda cheio de tusa, e se calhar com tusa a mais é o autor do excelente livro Black Metal, Magius. Apareceu com dois títulos intitulados de Murcia, cidade onde reside, e que pelos vistos tem lendas profanas para contar, e depois assina como Yo Perro ou Diego Corbalán para La philosofie dans le boudoir e Eva Braun. Todas estas publicações são a cores, A5 e no máximo com 12 páginas, não têm numeração nem se percebe continuidade caso haja. La philosofie é uma BD que pega no Marquês de Sade e que parece que continua em duas páginas em Eva Braun que é na essência um caderno de esboços do autor e uma fotonovela de um gajo Black Metal a violar (?) uma hipster numa loja de discos (???). Confusão editorial e mental que apela a estarmos atentos ao que se passa no blogue oficial deste tipo muito muito estranho porque se prepara uma magnum opus então temos de esperar com sapiência e veneração! Hail Magius!
Incongruências mais fáceis de explicar são os desdobráveis em acordeão do El Monstruo de Colores No Tien Boca que publica sonhos (ou pesadelos) de crianças ilustrados, a lembrar o conceito de Duplex Planet Illustrated de David Greenberger que recolhia histórias de velhos em centros de dia para depois transformar em BD. Se o início destas publicações eram modestas - o mais antigo que tive acesso, o número 2, The King / El Rey / Le Roi (2010) ilustrado por Mitch Blunt - em formato 10x10cm a preto e branco, os mais recentes o formato não só aumenta (para cerca 15x15cm) como é adicionada uma cor como acontece com Inside my hair / Dentro de mi pelo (#26; 2013) por Thomas Wellmann. A colecção parte sempre de seis sonhos sacados a crianças por Roger Omar entre o México e Valencia - o editor é mexicano e vive em Valência - mas também há um número com uma criança de Israel - #24, Lie Die / Mentir Morrir (2013) de Fitnat e Roni Fahima (i). Também há excepções como é o caso de Best Friends / Mejores Amigas (2013) de Mireia de Oliva e Wren McDonald (i) e Más Grandes y Viejos / Bigger and Older (2013) de Maria e Amanda Baeza (i) que são nitidamente "fora de colecção" porque ilustram apenas um sonho. São também os melhores deste projecto porque são mais sequenciais e narrativos permitindo que o texto seja explorado de forma mais alargada. Nos outros números, uma página representa quase sempre um sonho e uma ilustração tendo menos impacto. Ainda de referir que participaram neste projecto o português Pedro Lourenço (#11, El Mago / O Mágico / The Magician; 2011) e o moçambicano Rui Tenreiro (#14, Espada y Escudo / Sword and Shield / Espada e Escudo; 2012). Por fim, os sonhos das crianças mexicanas são muito mais violentos e mórbidos que as crianças de Valencia. E quando digo "muito mais"...
Arròs Negre Fanzine (4 números; 2011-13) lembra muita coisa (como a Lapin, Zundap ou ainda a linha estética da No Brow) por causa da sua elegância gráfica e impressão a duas cores. Interessam-se por banda desenhada, ilustração e tipografia mas também por temas sociais ou políticos como se pode verificar pelos temas de cada número: Beltor Brecht, os árabes ou a Espanha republicana. Chama-se fanzine mas parece uma revista literária numa altura em que pensamos que nunca mais irá haver tal coisa como a "nossa" saudosa Quadrado. Talvez seja mesmo um fanzine pelo facto dos trabalhos ainda serem um bocado verdes talvez porque os colaboradores ainda sejam estudantes da Universidade? [como sabemos os estudantes nos dias que correm são a massa menos contudente do planeta, já lá vão os tempos que o Estado tremia com as manifestações de estudantes] Talvez não deveria chamar-se "fanzine" porque acaba por ser pouco contudente, excepto o número dois porque pega em Brecht!
Mob Rule (Dez'13) é um fanzine literário mas que o editor e escritor Alejandro Álvarez Fernández não teve medo em pegar em nove ilustradores valencianos - ligados a estes projectos aqui divulgados como Jorge Parras (da extinta Arght!), Martín López Lam (ed. Valientes), Álvaro Nofuentes (Buen Dolor) ou Elías Taño (Arròs Negre) - para participarem. E não apenas de uma forma óbvia de ilustrar partes dos textos mas fazendo até BD e obrigando o texto a ficar preso para sempre das imagens - temos de aplicar esta fórmula nos nossos livros literários um dia destes e sermos nós a imitar os espanhóis! Interessante...
Por fim, deixo a glória editorial final para o camarada Martin López Lam, que não lhe falta capacidade de provocação, experimentalismo e empreendorismo. Bem sei que a última palavra é repugnante nos dias que correm porque parece que todos nós, por falha total do sistema capitalista, temos de ser todos chico-espertos que devem correr à frente de todos. Ora como sabemos, se o sistema sempre afirmou que há líderes e seguidores e que não há espaço para todos serem o número 1, o empreendorismo que se promove nos dias de hoje parece antes um "socialismo" para tolos. Martin por acaso até podia ser o número 1 ou um líder porque não está preso aos formalismos espanhóis desta Europa cansada, uma vez que o autor é peruano de origem. Este facto, e a sua emigração para Espanha, dá-lhe uma liberdade de pensamento e de acção que ultrapassa os outros valencianos sedentários. Daí que o Tenderete seja obra sua ou as Ediciones Valientes sejam mais cosmopolitas, atentas ao mundo para além do bairro e surpreendentes como provam as duas belas edições acabadas de sair. O número nove do El Temerário mostra como deve ser um "graphzine"! Duas cores e num formato maior que o A4 que é para os desenhos terem poder de nos causar perturbações! Se há muito que estou farto de ver graphzines (sobretudo portugueses e do Porto!) com este novo número voltei a ter fé neste tipo de publicações cheias de desenhos. Assim sim! Depois há o Chemtrail, um desdobrável que pode dar em poster mas que na realidade é uma BD feita de acasos imaginativos e manipulação digital drogada. Um produto a afastar das crianças, não por cenas explícitas mas porque as cores podem fazer danos mentais! Gracias Martin!
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
Kassumai @ JL
Simpática resenha crítica a Kassumai no Jornal de Letras. Quanto à questão do "trabalho editorial" o escriba engana-se, o "trabalho editorial" existe em Portugal, ou pelo menos na Chili Com Carne - costumamos intervir muito mais nos livros do que parece à primeira vista! Os problemas que aponta e que até concordamos em maior parte deles, devem-se antes a questões de "tempo = dinheiro", ou antes à "falta de tempo = falta de dinheiro" para que o autor e o editor possam trabalhar melhor ou reflectir mais - ou até pagar a outros para o fazerem por nós. O "algo alienígena" não é verdadeiro, até porque Kassumai não se pretende "reportagem" nem uma peça de jornalismo, é um diário pessoal de David Campos na Guiné-Bissau ponto. Ainda assim gracias...
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Cartazes do Futuro Primitivo A ESGOTAR!!!
Para acompanhar a exposição do homónimo livro Futuro Primitivo foram feitas cinco serigrafias, cada uma com pequenos detalhes. Algumas já esgotaram outras faltam muito muito pouco!!!
...
A primeira foi feita por Miguel Carneiro, impresso na Oficina Arara.
A primeira edição-versão-limitada de 23 exemplares foi feito para o Festival de Beja 2011 dos quais sobrou UMA deste monstro 100 x 70 cm / uma cor / sob cartolina preta.
Para o Festival Crack 2011, em Roma, foi feita uma nova versão a duas cores de 66 exemplares que também só já há UMA.
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A primeira foi feita por Miguel Carneiro, impresso na Oficina Arara.
A primeira edição-versão-limitada de 23 exemplares foi feito para o Festival de Beja 2011 dos quais sobrou UMA deste monstro 100 x 70 cm / uma cor / sob cartolina preta.
Para o Festival Crack 2011, em Roma, foi feita uma nova versão a duas cores de 66 exemplares que também só já há UMA.
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To travel along with the Futuro Primitivo book + exhibition we made five diferent silkscreens posters, each of them with small details.
The first one was made by Miguel Carneiro and printed in Oficina Arara. First edition is limited to 23 copies - most of them sold in the Beja Comics Festival. There's ONE copy of this 100 x 70 cm / one colour / black paper monster. There's also ONE of the 66 copies of the 2 colour in pink paper version made for the Crack Festival.
...
The image of other four posters are made ONLY of Futuro Primitivo skrewed & chopped comix book. The comix images were REMIXED by André Coelho, Bráulio Amado, Filipe Quaresma and Margarida Borges creating brand new images in the same logic of the book.
Printed by Lucas Almeida, there was 40 copies of each poster, most are gone!!!
Printed by Lucas Almeida, there was 40 copies of each poster, most are gone!!!
Os outros quatro cartazes foram concebidos EXCLUSIVAMENTE com uma "REMIX" das imagens das bds publicadas no Futuro Primitivo. por quatro diferentes designers que puderam usar o "banco de imagens" do livro para criarem uma nova, seguindo o mesmo conceito do livro.
Foram convidados André Coelho, Bráulio Amado, Filipe Quaresma e Margarida Borges. A impressão ficou a cargo de Lucas Almeida e foram feitos 40 exemplares, muitos deles já espalhados pela Escandinávia e américas e quase todos esgotados!!!
Foram convidados André Coelho, Bráulio Amado, Filipe Quaresma e Margarida Borges. A impressão ficou a cargo de Lucas Almeida e foram feitos 40 exemplares, muitos deles já espalhados pela Escandinávia e américas e quase todos esgotados!!!
ANDRÉ COELHO
BRÁULIO AMADO
MARGARIDA BORGES