Fiquei indeciso durante muito tempo, já com o livro nas mãos há algumas semanas desde que saiu na última Raia de forma não-oficial e com o lançamento a acontecer... e lá foi lançado a semana passada! E não consegui escrever nada! Não sabia se deveria fazer uma crítica mais "mordaz" ou séria n'A Batalha ou dar uma palavra de apoio sincero e positivo pela iniciativa neste blogue - onde abandonei a crítica em favor do jornal, tirando em períodos epidémicos.
É que espero que a antologia QEQTPQE?? venha a ser mais do que um mero OVNI de passagem na BD portuguesa. Desejo que venha a ser um projecto maior, que consiga crescer e sobretudo que crie diversidade no enfadonho "clube de rapazes da BD", essa cultura que teima ainda em ser masculina e nostálgica, sem perceber o mundo que a rodeia.
Há muito, embora não tenha encontrado algum texto que comprove isso nos arquivos deste blogue, que afirmei que o que era mesmo bom era que houvesse "uma Chili Com Carne" por distrito em Portugal. Uma rede de estruturas que pudesse contradizer a cultura dominante da BD dos rapazinhos parvinhos e que formasse um circuito alternativo de promoção, distribuição e de apoio mútuo. Infelizmente Portugal é uma sanita e não há malta suficiente para tal. Quer dizer, até há muita gente a fazer BD, mais do que alguma vez vi! Só que só me apercebi, recentemente, que "maus editores criam mau público e maus artistas" (ler artigo a sair em breve na revista Pentângulo). Obviamente que merda gera merda e daí o que vemos sair todos os dias são BDs da terceira divisão de Fantasia da pissa ou ainda uma literatura lamechas, cheias de problemas do Primeiro Mundo sem interesse - havendo mesmo até uma autora que usa tal estatuto escarrapachado no seu pseudónimo, incrível mas é verdade!
E ao mesmo tempo já nem é bem assim, há mais pessoas que experimentam na BD uma forma de expressão artística! Se a Chili tem sido uma excepção oficial à tendência dos eco-desastres editorias acima referidos também é verdade que não pode ir a todas pela sua diminuta dimensão logística e económica. Aliás, muitas vezes nem percebemos que existe mais gente, bem que tentamos usando o concurso dos 500 paus como chamariz para conhecer essa malta mas não isso chega, não conseguimos ir a tudo. Não somos uma instituição nem uma casa comercial, e mesmo estas (pasme-se) não querem saber de Arte na BD para nada - vejam como os festivais de BD que existem, todos eles camarários, como a "BD Porcalhota" e "Las Bejas", cada vez tem ficado mais tradicionalistas! Invés de procurarem novos públicos e temas, voltam atrás com o cagalhão mesmo ao peito!
Aparecer um QEQTPQE?? - oh, by the way quer dizer Quem é que tu pensas que és? - para mim, significa estar menos sozinho contra a ignorância que grassa no meio da BD. Uma solidão atroz que muitas vezes podemos pensar que estamos a fazer tudo errado, que somos parvos em lutar contra a maré. Ou pior, que nos estamos a tornar nuns arrogantes... menos mal isto! Há que admitir que os outros fazem mesmo BD de merda e dizê-lo alto e bom som! Sobretudo esta solidão indica a fragilidade no meio, como se viu nos anos covid em que foram mais as editoras estrangeiras a publicar artistas portugueses do que cá.
Não vou referir BDs ou artistas desta antologia que tenha gostado ou que não tenha curtido, nem vou aqui apontar questões editoriais bem ou mal feitas. Apenas vou enaltecer o gesto das três editoras-autoras que meteram mão à massa, lançaram uma convocatória e descobriram artistas novos - as idades variam entre uma pessoa que nasceu na década de 70 com muitos que nasceram nos anos 90 e algumas que brotaram neste milénio. Os "novos" significa que são novidade para o "mercado". Cada um deles tem os seus vocábulos e estéticas, mais inspirados ou menos, com influências mais óbvias que outras, pouco interessa! O que interessa é que estão aqui 132 páginas impressas a laranja PSD (para baralhar os direitinhas identitários, como é óbvio) completamente diferentes do que se fez aqui na Chili e até no passado portuense, cidade de onde aparece o projecto - aproveito para recordar uma potencial genealogia: a Associação do Salão do Porto e a revista Quadrado, os fanzines Cru, Gambuzine e Succedâneo, o colectivo alíngua e a revista Satélite Internacional; e o colectivo Os Gajos da Mula que originou a Oficina Arara e a publicação Buraco.
Na realidade, até tem aparecido ultimamente e timidamente alguns projectos que marcam a diferença, como o livro Guarda-livros, de Teresa Arega (que participa no QEQTPQE??), publicado pelas Edições da Ruína (projecto de Gonçalo Duarte), o fanzine em linha Passatempo e já para não falar dos óbvios MASSACRE. Meu, ainda há esperança para este cantinho ibérico, se era para dizer isto já podia ter escrito este textinho mais cedo! Bóf!
Esperem, esperem, isto não acaba assim! Parabéns à Goteira! Venham mais projectos assim!!!
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