Acabou-se! O pior já passou!? Os 10 anos da indefinição? Os anos do início de Século em que não se passa nada? A década tenebrosa que até lhe dedicamos um
livro-vade-retro-satananás?
Ao contrário ao estado geral de desânimo, a
Chili Com Carne não acha que a nova década será pior que a anterior... mais baixo não podíamos ter chegado!!!
A cena da bd portuguesa nos últimos 8 anos foi deslizando pelo cano abaixo, mostrando que o sector privado era mesmo desastroso - ou seja que os "grandes editores" eram (e são) umas grandessíssimas bestas que conseguiram matar tudo o que havia ou que estava a ser construído. As pequenas ou médias editoras (simpaticamente apelidando desta forma) mostraram-se demasiado dependentes dos apoios da
Bedeteca de Lisboa que teve um papel principal da renovação da bd no final dos anos 90 e princípios dos 00's. Hoje esta instituição é um edifício abandonado onde por acaso ainda deixam dois funcionários atenderem (da melhor forma que podem) os utentes interessados em bd. Depois de anos a defender bd e ilustração como nunca antes foi feito, esta Bedeteca merecia um destino menos triste, ou pelo menos reacções públicas dos autores e outros agentes que durante anos usufruíram dos seus serviços e esforços.
Todo o trabalho que a Bedeteca de Lisboa de mudar a imagem bedófila da bd parece até que foi razão para ser contra-atacada com mais força pelos “suspeitos do costume” que insistem em ter uma atitude restritiva da bd como um objecto de cultura Pop, em que toda e qualquer aproximação que não seja infantil ou infantiloíde é rejeitada. Mas o
Ancien Régime cai a olhos vistos e
o recente livro do Leonardo de Sá será o seu Canto do Cisne.
Que fique para trás as distribuidoras de livros que não pagam e provocam danos às editoras que se esforçam num mercado em autofagia capitalista, sem controlo e em colisão constante. O livro tornou-se num produto tão vulgar como um sapato - e nada pior que entrar numa loja de sapatos, acreditem! As lojas de referência fecham, cá e lá fora... como sustentar uma biodiversidade do livro num panorama assim?
Com dignidade e independência será a resposta para a anterior pergunta seja ela retórica ou não... é o que temos feito como Associação ou em projectos a solo dos nossos associados (Imprensa Canalha, MMMNNNRRG, etc…) ou em parcerias mais ou menos indisciplinadas cujo zénite é mostrado nas duas edições semestrais da
Feira Laica.
A CCC ao longo da sua actividade nunca dependeu nada de nada para fazer o que já fez, estando contra tudo e todos. Raramente recebemos apoio de críticos, do mercado ou de instituições. Ocasionalmente tivemos apoios da Câmara Municipal de Cascais ou do Instituto Português de Juventude mas são tão parcos que não nos influenciam nas acções que tomamos, tanto que até existe uma certa censura da Câmara Municipal de Cascais em apoiar as nossas publicações porque
elas cospem no Dalai Lama ou publicam o Mike Diana. Ainda assim insistimos em crescer a olhos vistos: livros a saírem com maior regularidade, livros que esgotam, livros que quase esgotam em menos de um ano,
mais sócios interessados e interessantes, descoberta de novos talentos, o dobro e novo recorde de vendas – só não percebemos é porque continuamos com a conta bancária na mesma… é mesmo estranho!; participação ou criação de eventos nacionais e internacionais:
O Último Fósforo, Festival Rescaldo,
Feira(s) Laica(s), PEQUENO é bom,
10 anos da MMMNNNRRRG,
Greetings From Cartoonia (no Festival de Beja),
Crack, Festa do Cinema do INATEL,
Even my mum can make a book,
F.E.I.A., Alt Com,
Not Tex Not Mex, Matanças… Do Texas à Turquia, portanto!
Isto já para não falar micro-epopeia inédita (pelo menos em Portugal) da
Spreading Chili Sauce around Boring Europa, para mostrar que podemos ser mais bem recebidos do que no país de origem. O que não espanta muito quando o primeiro prémio sobre uma edição nossa – o
Seitan Seitan Scum - alguma vez recebido foi em Itália no evento Slow Comics 2010. Embora, no início do ano passado, a MMMNNNRRRG tenha recebido um Prémio Titan...
Para mim, lançar o livro
Talento Local – e concluindo a compilação das minhas bd's autobiográficas – é o mesmo do fecho de um ciclo maior. Poderá ser pretensioso adaptar esta “edição de intimidades” como um marco macroscópico mas estando “Deus morto”, a “História finalizada” e tudo mais, são as referências pessoais que marcam cada um de nós - também pode ser lido ao contrário, há um novo ciclo e eu também começo um como formiga bem-comportada do Universo. Para mim, 2011 e a nova década são nitidamente um novo ciclo a explorar –
não serei o único a sentir isso, creio.
A tristeza eterna de ver horas de trabalho em pranchas de bd que ninguém quer saber – incluindo as ditas pessoas da “cena” – é deprimente. A luta de procurar alguém que nos dê atenção sempre teve de ser desviada para outros olhares menos quadrados, durante um período de tempo pensou-se que ia mudar essa perspectiva mas os agentes económicos insistiram em esmagar as conquistas, chegando a sacrificarem-se a eles próprios – em Portugal, todos gostam de estar juntos na merda.
Como dito anteriormente, continuou a haver resistentes e os resultados vão aparecendo pouco a pouco – a verdade é que quando o trabalho é bom ele não pode ser simplesmente apagado! Assim para a semana inaugura no
Museu Colecção Berardo (no Centro Cultural de Belém), a exposição
Tinta nos Nervos. Banda Desenhada Portuguesa comissariada pelo
Pedro Moura, estando a exposição patente entre 10 de Janeiro a 27 de Março. O objectivo é divulgar uma bd de autor, uma bd que em Portugal tem origens nobres em Raphael Bordalo Pinheiro, continuando pelo regime fascista com Carlos Botelho, depois com o “reboot 25 de Abril” e a geração da revista
Visão até aos dias de hoje. Haverá críticas dos sectores conservadores sobre a escolha de Moura, à qual defendemos a 100% - mesmo quando muitos autores não são do nosso gosto. É o mínimo de respeito que podemos ter porque sendo mais ingénuos ou menos ingénuos, todos eles fizeram algo para não deixar a bd sujeita a lugares-comuns e fórmulas gastas. Alguns até desistiram de fazer bd, alguns voltaram a fazer, outros foram fazendo de forma intermitente, mas esperamos que este lento reconhecimento institucional sirva de lição para todos nós.
Sendo o “dinheiro o nosso Deus”, muitos irão perguntar que ganharão os autores com esta exposição. Será a Vaidade o único proveito mais directo que se poderá retirar daqui? Se for, este pecadilho capital não fará mal a ninguém, numa área onde nunca houve proveitos financeiros ou sociais de relevância. Mas o tempo irá responder a tudo isto…
Vamos todos morrer! Que se lixem as redes sociais!
Por fim, um descortinar de que vai ser 2011 na CCC: vamos ter um novo livro de
Rafael Dionísio e uma nova colecção, ambos para este primeiro trimestre. O melhor será para Maio em que lançaremos um livro e exposição,
Futuro Primitivo, que será uma demonstração de força. Bom... pelo menos de força interna, porque tentaremos mostrar o trabalho de todos os nossos criativos – até dos músicos, colaborando numa banda sonora a compilar pela net-label
You Are Not Stealing Records.
Já mete-nojo, a verborreia das “redes sociais” e as porras dos myspaces e facebooks, é muito útil para saber que a Zézinha vomitou de manhãzinha logo poderá ser engatada pelo grupo fetichista por grávidas-de-3-meses, ou que há 10 pessoas gostaram (polegares no ar!) deste “post” mas como sempre nada acontece para além de meia-dúzia de observações fúteis que só servem de observatório de comportamentos para empresas e controlo social - é o que as redes virtuais parecem, muito francamente, a substituição física da porteira do prédio! Antes da modinha, a Chili Com Carne foi criada para ser uma rede social que serve para trabalhar em conjunto – se a solidão é uma doença do século XXI, tentem fazer bd: uma das actividades mais solitárias do mundo!
O desafio assumidamente egoísta de meter todos os que são da Associação num livro é cheio de ratoeiras mas vamos tentar que resulte num projecto singular. A exposição está projectada para o Festival de BD de Beja seguindo para Roma, países escandinavos e
somewhere in Texas.
Quando a exposição voltar pode ser que o país esteja diferente!