Depois de uma Feira Laica em que se apostou forte e feio numa programação dedicada às edições independentes (zines, discos, livros, revistas, jornais ... fotocópias, edições limitadas, CD-R's, Netlabels, e tudo o mais que é paradigma do funcionamento DIY), e dado à emergência de uma nova vaga de edições portuguesas (de bd) que estavam lá todas representadas, acho que seria interessante, deixar algumas considerações e pensamentos.
Em parte o que se passa é que saíram mais umas "coisas" que remetem no "bater no ceguinho" já escrito no Dossiê 2005 do http://www.bedeteca.com/index.php?pageID=dossie§ion=fanzine&set_year=2005 (parte X. Novos Rituais de Passagem) e até em algumas "bocas" virtuais no blogue lerbd... Ser "indie" é um valor em si? Ser auto-editor, zinista, editor underground cria algum valor de qualidade per se?
- Não, há merda auto-editada tão má ou pior como o que sai pela Marvel, da Lombard ou da Universal. E vice-versa, os "grandes" também deitam cá para fora bons produtos.
- Sim, porque representa um "empowerment" para quem os faz, numa altura em que os grandes meios de comunicação submergem em oligopólios e a acção civil na sociedade vai tendo os índices de participação mais baixos de sempre.
Apesar disso, não acho que como consumidor activo (ou seja que divulga e critica) seja levado por um excesso de zelo em apoiar os trabalhos realizados destas micro-edições apenas porque são "pequenas" ou "frágeis". Posso achar "simpáticas" e apoiá-las dando alguma visibilidade pública e desejando "politicamente" (nos dias de hoje qualquer acto é um acto político) que elas cresçam e evoluam, e que sirvam de contrapoder às criações repelentes "mainstream".
O que me irrita mais no mainstream, são quando aqueles ressabiados das "boys-bands" ou aquelas escritoras lambidas dos "desculpa lá, mãe" (não sei o nome da porquita mas nem me vou dar trabalho de ir ao Google sacar o nome dela) vêem cá para fora armarem-se em artistas e/ou pessoas sensíveis. Que elas escrevam, cantem ou criem "trash", tudo bem, precisamos de nos rir de alguém mas terem o descaramento de se passarem por "artistas" é que é nojento. No mundo alternativo também há "wannabies", "arteistes" e carreiristas, mas também podes-lhe ir ao focinho porque ao contrário dos "stars", eles não tem guarda-costas, advogados, agentes e paneleiros à volta. Com um tipo de um zine ou de uma banda ranhosa sempre podemos atirar um tomate no concerto ou chamá-los de "azeiteiro" a noite inteira numa "vernisage" no Bairro Alto... Bem, o Bill Gates já levou com tartes, o que quer dizer que nem os "stars" sejam invulneráveis mas não é de violência a que me refiro. No "underground" existe este "terra-a-terra" que permite aceder a criação artística (quando é!) e quase que participar nela sem ser um mero consumidor. E esta "interactividade", ou melhor, esta capacidade de ver os projectos a aparecerem sem corrupções aparentes que faz deste mundo subterrâneo uma experiência forte, real e íntima ao contrário da produção corrupta Hollywood ou Rock in Rio onde os artistas estão em patamares de Deuses Olímpicos, a maior parte deles criaturas inacessíveis e deformadas - o Michael Jackson é um caso óbvio de uma psicopatologia vindo dos excessos Pop como ainda a Madonna que aderiu à Cabala ou o Tom Cruise à Igreja da Cientologia entre outras aberrações.
Independentemente das redundâncias que possam aparecer neste meio, sempre as prefiro, na esperança de encontrar algo genuíno e francamente poderoso, religioso, artístico, humano, e tudo mais no universo. Só assim é que explico a MMMNNNRRRG que vive de "gente bruta" como o Janus, Mike Diana, André Lemos, Christopher Webster entre outros. E que as melhores edições que sairam nos últimos meses foram edições "não-oficiais" como a revista Cospe Aqui ou os zines da Opuntia Books e Imprensa Canalha. E voltando atrás, houve outras edições de boas de intenções mas fracas de conteúdo:
24h Volta a Portugal em BD (Dr. Makete; 2006) foi dirigido por Phermad (do zine Terminal, participante do Mutate & Survive) e tem uma ideia fixe: percorrer Portugal (com autores estabelecidos pelo país) em 24h (cada autor fica com "uma hora" para desenvolver uma história / bd). Começa com Andreia Rechena (na Aldeia de Monsanto) à meia-noite e vai acabar na Serra da Estrela com Phermad, passando por Castelo de Vide (uma bela prancha de Teresa Câmara Pestana), Vilamoura (com o sarcástico José Carlos Fernandes) sem mais a acrescentar. Esta produção amadora (que até passa pelos arquipélagos da Madeira e Açores!) pouco opina (sobre as coisas, sobre eles próprios, sobre o que lhes rodeia) e pouco nos enche o olho graficamente falando. É este vazio (mental?) que me irrita nestas publicações - não me preocupa as "falhas" técnicas, seja lá o que isso quer dizer, mas sim o vazio "político" dos seus autores.
Com mais do que 24 páginas A5 bem impressas e bem paginadas - Fernando Madeira, aka Phermad, há muito tempo tem dado provas que é um bom designer - sabem a pouco. [3]
Venham +5 #2 (Bedeteca de Beja / CMB; Abr'06) está melhor que o primeiro número a começar pela capa de teor homo-erótico. Curiosamente o estilo gráfico da capa nada tem a ver com a bd no interior, do mesmo autor, Zé Francisco - menos conseguido e uma pastiche do "Traço de giz" de Miqueanxo Prado. Dizia eu que estava melhor na essência pelos grafismos mais sólidos dos seus autores, a começar pela Susa Monteiro ("davemckeanesca" mas muito bem executada), continuando por Paulo Monteiro (em registo David B assumido) e acabando no violento Pedro Amorim (Janus meets Manga? Hohohoho). Na essência pelas páginas vamos quase sempre encontrando uma "teenage angst" pouco arrebatadora. A revista neste número encontrou-se aberta a colaboradores fora do talento local (de Beja) mas não foi desta que nos conseguiu agarrar pelas mesmas razões apontadas acima no "24h". [2,8]
Space & Co. (Bedeteca de Beja / CMB; 2006) é o segundo título da colecção Toupeira, uma colecção idêntica à Lx Comics (da Bedeteca de Lisboa) por editar as primeiras bd's a solo de autores num formato "livro" - embora seja um "comic-book" de formato. Lam é o autor de uma bd pantomima, cómica e paródica à ficção científica estereotipada: naves espaciais, monstros-aliens, armas lazer, etc... Apesar de Lam ser um dos autores mais capazes da pandilha de Beja no que diz ao grafismo (de longe um amador, fazia os divertidos "Kama-sutras Obeso" n'O Fiel Inimigo), falha os seus objectivos de não usar palavras - a dada altura não pára de usar balões com números e/ou desenhos dentro dos balões - para além de ser pouco extravagante e pouco ritmado na narração. O que é mesmo uma pena! [2,7]
Allgirlzine #1 (Daniel Maia; Abr'06) é mais uma experiência de colocar em papel (de registo e de incentivo) bd feita por autoras - há uma década o Azul BD3 fez 2 números com o mesmo objectivo embora houvesse uma forte participação de autoras estrangeiras. Neste vamos encontrar bd infantiloíde e juvenil, e não é por acaso que as melhores bd's são de duas jovens adultas: Carla Pott (com texto de Alain Corbel) e Rosa Baptista. O que parece um erro, assumir que uma edição terá interesse em aglomerar uma jovem que goste de animaiznhos, outra que poderá gostar de sofrer uma depressão, e outras que já tem uma visão artística mais definida. Não faz muito sentido mesmo sobre o mote de "vamos fazer uma mostra de talentos femininos". Ficamos mais uma vez pelas boas intenções e pouco mais, para não repetir o que já foi dito no Dossiê 2005. O que aliás, me desconsola imenso, perdendo ligeiramente a fé nestas coisas dos zines. [2,8]