Má Criação; 2004
É sempre horrível temas instituicionalzecos: é a SIDA, o Racismo, o 25 de Abril... é mesmo horrível. Por muito bom que seja o autor que participa, há sempre uma altura que parece que ele se acovarda, que tenta agradar a entidade institucional que lhe encomendou o trabalho ou o público sensível habituado a um tratamento mais PC dos temas. A certa altura, este tipo de trabalho tende a ser lamechas e a ser apenas um exercício de estilo que se abstem de individualismo, de dúvidas ou de defeitos. Se tal é verdade, nunca podemos ter como referência este tipo de trabalhos para avaliar a obra de um determinado artista/autor, ou pelo menos é muito raro e este volume é curioso porque temos o tal problema do exercício de estilo e "A Excepção".
Antes demais o que é o "Sempre!"? É uma edição bastarda que algo que foi um trabalho institucional para comemorar os 25 anos do 25 de Abril. O projecto chamou-se "25 anos, 25 histórias, 25 autores" (se não foi este o nome então foi parecido) e 25 autores de bd fizeram 25 bd's pré-publicadas no jornal Público, foram expostas as bd's numa exposição na Cordoaria e por fim, cherry on the top, seriam publicadas/compiladas num álbum. Entre o comissário Nuno Saraiva, o atelier Cayate (acho que tem dois t's) e a editora Contemporânea (entretanto falida), reza a lenda que se perderam os originais das bd's numa noite de bebedeira, tendo sobrevivido algumas bd's feitas em processo digital (cujos ficheiros tenham resistido aos problemas que a informática tem: virus, "format c:", apagar sem querer, essas coisas), a bd da Ana Cortesão (porque trabalha a preto e branco e tirou fotocópias) e os originais de Alice Geirinhas porque tinham sido comprados por um particular... Desse pouco material, a Má Criação, pegou em 6 histórias e publicou-as. Claro que já há autores ressabiados que acham que isto não pode ser assim, não há critério nhanhanha e isso tudo, mas dadas as condições, mais vale pegar no pouco que há e dar-lhe uma utilidade (editorial) do que não ter nada.
Mas vamos ao que interessa, "Sempre!" antes demais é curiosamente egualitário, 3 bd's feitas por mulheres e 3 por homens: Cristina Sampaio, Alice Geirinhas, Ana Cortesão, e Daniel Lima, Jorge Mateus com argumento de Luís Rainha e André Carrilho com João Paulo Simões (Belle Chase Hotel, Quarteto Tati). "Sempre!" como se estava à espera é covarde, os autores fazem os seus exercícios de estilo: Cristina Sampaio faz uma experiência à la Chris Ware, Daniel Lima faz o seu melhor trabalho num estilo que infelizmente abandonou, André Carrilho tem aqui o que viria a ser o seu estilo na bd publicada no livro "Em lume brando" (Polvo, 2002) ou no #3 da Satélite Internacional, Jorge Mateus não impressiona e pior ainda, assusta com o excesso de clichés glamourosos e hollywodescos - nunca percebi porque cenas de tortura ou com armas levam a pessoas a glamourisar a dor e/ou a morte, deve ser uma fantasia católica - e Ana Cortesão, talvez por ter tido uma filha (e isso deve-lhe ter dado uma alegria maior do que se possa imaginar!) também desilude por ter feito uma história tão cor-de-rosa. É pena, pois Ana Cortesão foi sempre o(a) meu(minha) autor(a) favorito(a) em Portugal... E quem e a excepção? É a Alice Geirinhas que talvez até por não ser uma autora de bd - há pessoas que insistem que sim mas eu acho que não - talvez tenha menos a provar, ou talvez esteja mais à vontade, ou talvez porque sempre foi provocadora nos seus trabalhos enquanto artista plástica, a verdade é que num estilo auto-biográfico Alice consegue ser mais interessante do que todos os outros virtuosos, mais uma vez o conteúdo bate a forma. Obrigado Alice!