Dicionário Universal da Banda Desenhada : pequeno léxico disléxico
Leonardo De Sá
Pedranocharco; 2010
Eis uma valente edição do ano passado que merece ser promovida. Sim! É um dicionário (ou será mais antes um glossário ou um léxico?) de expressões, termos e palavras únicas empregues na BD – e na cultura popular uma vez que a bd sempre teve uma forte componente popular ao longo da sua história. Há logo três pontos fortes nesta edição, a começar pela quase ausência de obras de estudo ou de investigação ou de referência em Portugal, logo é inesperado uma edição deste género estando a Pedranocharco de parabéns! Segundo, é realmente um apanhado de 99,9% do que se pode falar de bd em Portugal e no Brasil – e nos Palop’s em geral? – mostrando por parte do autor uma enorme sabedoria sobre o assuntos dos dois países e também do resto do mundo. Terceiro, é um guia bastante interessante para qualquer curioso do mundo editorial e da cultura Pop – para quem tinha uma vaga ideia do que é um “Pulp” ou que é a “serigrafia” poderá aqui ter uma excelente e sintetizada oferta cultural.
Falhas, há muitas, algumas graves, outras ridículas e outras leves, como seria natural numa obra deste género apesar da tendência para o “completismo” acaba sempre por haver erros, gralhas e omissões (espontâneas ou propositadas). Talvez o leitor não saiba mas nunca haverá um livro perfeito (sem erros de qualquer espécie) por mais que o editor ou o autor se esforce... haverá sempre uma vírgula que falta ou sabe-se lá porquê uma palavra com uma letra trocada ou mal-traduzida.
Mas não é este tipo de “falhas” que acontecem aqui (nem detectei nenhuma desse género), começa por algo de perverso e doentio ao estilo do romance 1984 em que muitos significados não são dados sendo que temos de saltar com as remissivas antagónicas – para sabermos o que é “mainstream” somos obrigados a saltar para “underground”, o que convoca a tal ideia de 1984 em que o “Ministério da Guerra” era o “Ministério da Paz”, ou posto de outra forma, quem domina a linguagem domina a sociedade. Alguns casos parece que estamos frente uma preguiça – sei que poderá ser uma acusação injusta dado a todo o conjunto da obra – mas não me parece bem feito e piora quando para “vignettista” (cartoonista em italiano”) remete-se o significado para “vinheta” (e aí é explicado o que é “vignettista”).
O problema de ser “cromo da bd” é que parece que o “outro mundo” não existe daí que linguagens mais modernas e urbanas falhem, como por exemplo “webcomics” (não está contemplado) ou “Zine” é remetido para “fanzine” quando desde há muito tempo, pelo menos em países anglo-saxónicos, os termos separaram-se. “Fanzine” continua a ser uma publicação amadora que celebra um tema enquanto que o “zine” é uma publicação amadora que nada deve a ninguém a não ser ao imaginário dos seus autores e editores. Felizmente o autor não incluiu uma expressão do divulgador Geraldes Lino que é “fan-editor” ou “edi-autor” (ou algo assim!) mas inclui a infeliz expressão “Fanálbum” que nada é mais que uma “edição de autor” ou “livro de autor”. O Lino começou a divulgar (desde 1996 pelos vistos) e agora ficou sacralizada por este Dicionário. É triste, ainda por cima a justificação dada é que a expressão apareceu na Alemanha para álbuns de música amadora – gosto muito da língua alemã mas é uma língua que para “isqueiro” diz “coisa-de-fogo”… Para quem acha que tem rigor científico, o Dicionário começa-se a desmanchar com estas situações. Outra, a inserção de “cartoon desdobrado”, neologismo do autor do Dicionário, que pelos vistos é o único a usar e por isso a imortalizar nesta compilação única no género em Portugal.
Aliás, o egocentrismo do autor é galopante ao longo de toda a obra, não faltando várias vezes auto-referências que se algumas vezes são merecidas noutras podia ser modesto e auto-crítico. E por falar nisso, a entrada “crítico” é a anedota maior deste trabalho. Se é verdade que o autor vai usando um humor mais ou menos saudável – manda bocas ao excesso de exemplares para o Depósito Legal, por exemplo – mostra-se um verdadeiro imbecil (não me lembro de outra palavra muito sinceramente) quando define os críticos como “autores falhados, mas com conhecimento e experiência suficientes para analisar o trabalho dos outros”. Talvez noutro Dicionário menos disléxico mereça uma entrada do tipo “investigador é um crítico falhado mas que colecciona muitas coisas de interesse relativo”. Mas o ainda mais ridículo é que o livro recebe um prefácio de Carlos Pessoa, crítico de bd do jornal Público, que por acaso encaixa em quase todos os chavões que Leonardo propõe para crítico... Quem será mais ridículo entre os dois? «The Shadow Knows…»
Sem comentários:
Enviar um comentário