Não sei se o sítio www.bedeteca.com terá futuro, para já é verdade que o habitual Dossiê anual do Estado na Nação da BD Portuguesa nem está funcionar mais... Como a papa já estava feita, vêm para aqui a publicação deste "relatório" sobre os Fanzines de BD de 2010. Podem (re)ler este outro texto que repete algumas coisas e acrescenta outras.
Talvez já tenha mostrado o optimismo no blogue da Chili Com Carne, numa onda de “Mensagem do Presidente para 2011”. Aqui a análise é retroactiva, menos ampla, mais focada e isenta mas os sintomas de optimismo sentem-se – por ter sido escrita pela mesma pessoa, claro está. Aliás, é preciso mesmo olhar para o passado, neste acaso, em 12 meses para perceber que aconteceu muita coisa, tanta que a cabeça ficou tão cheia e insensível que se esqueceu da actividade dinâmica. Foi bom rever o que aconteceu em 2010 ao fazer a pesquisa para este Dossiê.
Com a decadência das grandes estruturas comerciais e institucionais são os “pequenos” que suportam e criam novas estruturas. Este ano faço questão até de fazer uma listagem em vertical para mostrar a força da coisa.
Lista a) Começamos pelo básico! Continuaram a editar:
- Reject’zine (de Andreia Rechena)
- Opuntia Books
- Imprensa Canalha
- Gambuzine
- MMMNNNRRRG
- Associação Chili Com Carne
- El Pep
- Zona BD
- Le Sketch
- Plana Press
- Boletim CPBD
- Kingpin Books
- É Fartar Vilanagem! (de Alexandre Esgaio)
- autora Jucifer (Techno Allah)
- Pedranocharco
- Venham +5
- Toupeira Comix
- colecção Filme da minha vida
- autor Rudolfo (vários títulos)
- Tertúlia BD’zine
- Cleópatra (De Tiago Baptista)
- Znok (de Filipe Duarte)
Lista b) Regressaram:
- Polvo
- Kzine
Lista c) Agora sim, o importante (já explico). Apareceram novos projectos:
- Yoshi, o puto dragão (edição de autor e reedição profissional pela Raging Planet)
- Apupópapa
- Soft Porn Coloring Book
- B74
- Thou the Latrina spoken
- Sou daquelas (de Sílvia Rodrigues)
- Fígado da República (de José Smith)
- dois zines de David Campos
- dois zines de João Ortega
- Intro Espectro (de Tiago Araújo)
A Lista a) mostra uma continuidade de trabalho que insinua uma “profissionalização” dos projectos como é o caso da MMMNNNRRRG, El Pep, Zona BD, Plana Press e Kingpin Books – esta última nitidamente é uma casa comercial que coloca problemas em estar aqui a ser metida mas tendo em conta a pequena expressão no mercado faz sentido estar aqui.
No meio da lista a biblio-biodiversidade domina em objectos e objectivos: do carácter mais coleccionista do Boletim CPBD ao lúdico Le Sketch, do fetichismo dos Opuntias Books à necessidade de exteriorização artística de Andreia Rechena, do conteúdo programático da colecção Filme da minha vida (da Associação Ao Norte) ao institucional de Venham +5 (editado pela Bedeteca de Beja)... Há de tudo para todos neste universo de edição independente em que misturo aqui fanzines, zines, livros de autor, livros impressos em tipografia ou em digital, colecções organizadas, números únicos, etc… Ao acrescentarmos os debutantes da Lista c) ficamos ainda mais ricos: zine/CD contra o Papa, Manga Cosplay-Metal, pornografia para colorir ou bds de continuação a seguir (mesmo!) com atenção.
Duas notas para a lista b) a Polvo que em tempos foi uma editora “média” (para a “média portuguesa”) e detentora de um catálogo histórico, inclui-se nesta análise porque suspeito que o capital da empresa, as tiragens dos livros e a sua projecção comercial está reduzida actualmente a quase qualquer outra iniciativa privada de “edição independente”. O Kzine é um fanzine dedicado à Manga (bd japonesa comercial).
Como repararam a Lista c) além de aplicar novidades em termos de conteúdo também mostra pujança em quantidade, isto se comparamos em relação com os últimos anos – a queixa mais bem registada está no Dossiê de 2007.
Durante os últimos anos, os zines em papel desapareceram gradualmente – ou melhor perderam a força ou foram substituídos pela febre “graphzine”. Em 2010 num “zeitgeist” qualquer apareceram não só novos títulos e novos autores, em que modéstia à parte, deve-se juntar o esforço da antologia Destruição (Chili Com Carne) que reuniu 15 novos talentos da bd portuguesa. Esta lufada de ar fresco há muita que era esperada dada ao fim do ciclo produtivo da geração dos anos 90. A questão que se colocava era se a bd de autor tinha desaparecido de completo? Que não havia novas pessoas a criarem bd de autor?
Talvez até tenha acontecido isso mas estão aqui as novas raízes que esperamos ver florescer em 2011 e para a frente. Quem sabe talvez do panorama desolador dos últimos anos venha a dar frutos como aconteceu há 20 anos atrás quando só havia Meribérica-Liber, Jim Del Monaco e o Clube Português de BD.
Internacional:
+ do mesmo, isto é a Aldeia Global já é uma Cidade em que não estranha os estrangeiros que entram nos seus terrenos… Miguel Carneiro e Marco Mendes publicados na revista eslovena Stripburger (Mendes duas vezes!), André Lemos no Lazer Art’zine (Bélgica), no ZI-NE (Roménia), na antologia Gazeta (EUA) e provavelmente em muitos mais sítios mas que não conseguimos seguir todos; José Feitor, Marcos Farrajota, Pedro Zamith e Pepedelrey no calendário brasileiro Pindura 2011, vários autores da Chili Com Carne no zine espanhol Combate (Ediciones Valientes), Teresa Câmara Pestana na La Bouche du Monde (França) e ainda um livro de autor de Marta Monteiro pela Café Royal (Inglaterra). Também houve presenças em festivais internacionais como o Crack (Itália) e Alt Com (Suécia), para além de participação de André Lemos nas exposições “Leaf and Signal” e “Not Tex Not Mex #1” (ambas nos EUA). Seis criativos da Chili Com Carne fizeram uma “tour” pela Europa fora, iniciativa inédita que passou por Espanha, Itália, Eslovénia, Sérvia, Áustria, Alemanha e França. Estas “férias peculiares” irão gerar um livro de viagens até agora no prelo.
Mais autores estrangeiros das veias alternativas que visitaram Portugal: o esloveno Jakob Klemencic no Festival de BD de Beja com o projecto europeu Greetings from Cartoonia, o croata Igor Hofbauer para duas exposições de sucesso em Lisboa e Beja, o texano Nevada Hill para a Feira Laica de Verão, e o sueco Mattias Elftorp, o francês Albert Foolmoon e o espanhol Martin Lopez Lam na Feira Laica de Natal. E claro, ainda tivemos um ícone da bd alternativa, a Dame Darcy que passou por Beja e por várias datas nortenhas.
“Profissional”
Apareceram duas novas associações, a Oficina do Cego dedicada à arte de bem imprimir – tendo já lançado dois números do jornal homónimo – e a Tentáculo que se dedica à publicação da antologia Zona BD. São obviamente associações sem fins lucrativos mas que dão um cunho mais profissional e de continuidade a projectos de edição. São mesmo bem-vindas!
A MMMNNNRRRG comemorou 10 anos, uma longevidade a respeitar para o tipo de material que edita e pelo ódio que lhe é alvo pelos agentes da “cena”. Talvez por isso tenha ido para o Porto lançar o Pénis Assassino, trabalho Janus feito em 2001 mas que só em 2010 alguém teve os “tomates” para o editar. Aliás, para uma editora odiada até houve “amor” logo no início do ano quando lhe foi atribuído o Prémio Titan para o livro Já não há maçãs no Paraíso (2007) de Max Tilmann (Tiago Manuel).
A Chili Com Carne e a El Pep ganharam um prémio em Itália para melhor fanzine (3º prémio) com o Seitan Seitan Scum (Mesinha de Cabeceira #22) no evento Slow Comics. Só o Festival da Amadora é que o fenómeno da edição independente é que lhe passa ao lado, não admira que este ano tenha estado às moscas…
Exposições
Em compensação, apesar da filosofia “easy come, easy go” que afecta as galerias / lojas / espaços lisboetas, as exposições “O Último Fósforo” (colectiva internacional vinda da Estónia), Mike Diana (recriação da exposição de 2008) e Igor Hofbauer (cartazes) na Artside estiveram cheias. A galeria de artes urbanas já fechou entretanto… Ao contrário das galerias portuenses Dama Aflita (ilustração) e Mundo Fantasma (bd) que são estáveis e mantêm uma programação exemplar. Que durem todos os anos que quiserem! Voltando a Lisboa. Porque sou lisboeta e tenho sempre Esperança que esta cidade melhore, as lojas de música Matéria Prima e Trem Azul deram o ano passado os primeiros passos no sentido de terem patentes exposição gráficas nas suas instalações. Se fosse cristão até acendia duas velinhas…
Extras
Na falta de espaços para divulgação da edição independente, a Associação Chili com Carne promoveu várias sessões sobre o assunto na Casa da Achada. O PEQUENO é bom! tratou de lançamentos, discussões sobre zines, música e animação DIY. Acabou o verão e teve se retirar, talvez volte em 2011.
Nem tudo o que vem da ‘net é mau – pelo menos ao que diz respeito à bd – como se provou este ano quando Simples Alquimia entrou em linha em http://spiraltap.net/simplesalquimia, aplicando as teorias que Scott McCloud apresentou em Reinventing Comics (2000) sobre a expansão da forma narrativa da bd pelo espaço infinito das páginas Web. Demorou 10 anos até alguém fazer a coisa com o deve ser. Parabéns ao Diogo Barros.
É caso para escrever com orgulho e expectativa o clássico “(continua…)”.