Há pouco tempo o Manuel Pereira, instigador da Narcolepsia, editora de k7s de Noise, disse-me que o Noise é o “novo Punk”. Há vários aspectos que o comprovam: a facilidade que qualquer um poderá fazer este tipo de música, o intercâmbio anacrónico (por “snail-mail”) de objectos igualmente anacrónicos – como k7s – que obriga a quem procure por este tipo de cultura tenha mesmo de se esforçar e não apenas clicar num botão do rato para descarregar o que quisermos; a estética lo fi (fotocópias, fanzines, k7s, colagens), a cultura de choque (nomes dos projectos e imagens vinculadas a “serial-killers”, ditadores sanguinários, massacres, pornografia bizarra, imagens clínicas, deformações de corpos, decadência urbana) e uma falta de hierarquia do movimento – cada um faz o que lhe apetece e ninguém trabalha nisto para fazer dinheiro (embora já hajam muitos artistas Noise que são “stars” como o Merzbow ou KK Null)… O Rui Eduardo Paes até já escreveu um texto a dizer que quem pratica Noise é anarquista, quer queira quer não.
O Noise quer a cultura Industrial são realmente um bocado devedoras ao Punk é certo porque coexistiram ao mesmo tempo e como tal partilharam das mesmas evoluções tecnológicas. Mas a cultura Industrial cedo ultrapassou o Punk ao nível artístico, indo à exploração tecnológica e a sua relação com o ser humano, e também ao nível ideológico – a criação de novas utopias versus o hedonismo e individualismo do Punk. O Noise afastou-se das seus estandartes políticos e comunais da cultura Industrial para estar numa base misantrópica igual ao do Black Metal mais norueguês possível. O que está fora do quarto (ou casa ou estúdio) onde se produz este tipo de música parece pouco importar aos músicos. Como dizia o Merzbow, quem faz “barulho” são os outros com as suas produções comerciais que não nos largam, que se encontram em todo o lado (rádio, TV, mupis, etc…). Quem faz música Noise tenta escapar ao “barulho” da sociedade opressora criando uma muralha de som para poder afastar os “outros”.
Por isso cada vez que encontro artefactos Noise sinto que estou num mundo paralelo – há muitos pelo mundo fora, o Noise não tem exclusivo do “alienígena” – onde ninguém quer agradar ninguém, e os instintos mais básicos dos humanos vêem ao de cima, como um cano de esgoto se rompesse e viesse toda a merda ao de cima. Não é a melhor sensação do mundo… Isto a propósito de recentes edições da Narcolepsia… a saber:
Bile Enema (Narcolepsia; 2011) é uma K7 Noise e um zine de colagens que “não devem ser vendidas separadamente”. Da música temos Noise com algumas estruturas dinâmicas ao longo do tempo doloroso e nesta maldita k7 de plástico azul Pop – cortesia de
Filth Turd. O zine são colagens de
Manuel Pereira com frases de Darren Wyngarde / Filth Turd.
Squeal like a pig (Black Blood Press; Mar’12) é um graphzine internacional com desenhos, fotografias e colagens que não foge ao padrão de mostrar a anormalidade do mundo. A riqueza da Humanidade nunca será demonstrada pelas fotografias da Benetton ou das revistas de novas tendências mas justamente por publicações deste género que mostra o que está por detrás, por baixo e por dentro dessas fotografias. O desigual, o assimétrico, a víscera, a cárie, a nudez, a penetração, o pagão, etc… essas são as nossas verdadeiras figuras que os tipos do
Le Dernier Cri, Smittekilde e muitos outros projectos editoriais fazem questão de não nos esquecermos. Eis mais um exemplo…
Troubled Sleep #2 (Narcolepsia; Inverno’12) está melhor que o primeiro número porque não repete o mesmo “template” de paginação e as entrevistas estão (ligeiramente) mais soltas. As colagens batem no ceguinho “sexo+morte”, ou seja muita pornografia com alguma gangrena e próteses, enquanto os “noisers” falam de si – ah, pois, este fanzine é de Noise / Power Electronics / Death Industrial / Postmortem / Black Metal incluindo entrevistas a músicos como
N.,
Knullkraft, Wince, ou outros projectos fanzinistas como Coprolaliac Press.
Só para estômagos fortes, né?