sexta-feira, 12 de março de 2010

E quem paga é o sangue civil!

The Austrasian Goat : Pieces of Oblivion (Blind Date + Steaks + TTDMRT; 2008)
A Cultura é um fenómeno cíclico que origina conteúdos e formas, copia-se até à exaustão, recicla-se até que se reinventa e cria algo novo outra vez. Tal como na Natureza nada morre, o mesmo acontece com a Cultura - não fosse ela invenção humana, e por mais que os Humanos odeiem a Natureza não passam de animaizitos bastardos dela. 
Na Era do Digital / Desmaterialização da Cultura, o fenómeno de criar objectos em quantidade limitadas reforçou-se, em muitos casos usando até tecnologia obsoleta. Antigamente na cena Black Metal (por exemplo), uma banda (que muitas vezes não era mais que um norueguês abandonado numa caserna qualquer no gelo) gravava uma K7 ou um CD-R, fazia 10 cópias e isso era uma espécie de ponto de Honra, era True Black Metal - porque um True BM não se vende! Produz, é certo mas não se vende comercialmente! Um paradoxo que atingiu proporções globais desastrosas baseada na falsa ideia de que lá porque uma música ou outra criação (um desenho, uma bd, um texto) esteja acessível a todos no mundo digital (myspace, mp3, jpg, pdf) não quer dizer que toda gente a queira ou que consiga acedê-la. Na Cultura continua a ser o elemento da curiosidade humana o mais importante para se chegar a qualquer obra. Não é pela obra ser rara (limitada e que esgotou) que será melhor que outras mais "comerciais". Por isso que nos dias de hoje qualquer idiota conta com orgulho de uma edição limitada para criar um Culto - seja um "underground" ou "mainstream" ou no "meio caminho" como os Boris por exemplo. O Culto é uma forma de compensação psíquica de substituir o vazio da falta de qualidade...
Por fim, o facto de alguém trabalhar com edições limitadas também pode significar Liberdade - a vontade de criar e editar do que se gosta sem dar satisfações a ninguém. As condicionantes económicas podem "limitar" a edição a formatos baratos como zine fotocopiado, k7's e CD-R, etc... sem que haja por detrás um Ego distorcido. A vontade não-interessada e não-lucrativa de promover algo existe ainda neste mundo por mais estranho que isso possa parecer para muitos.
Consciente disto, chegamos aos franceses Austrasian Goat que neste vinil* recuperam temas anteriormente editados em CD-R's lançados em conjunto com outras bandas... temas raros portanto que continuarão a ser pela edição que é*! A embalagem é toda feita em serigrafia pelo atelier TTDMRT - que conheço pelas serigrafias do grande autor de bd Blanquet - dando logo um registo de raridade e de luxo à edição. O projecto parece-me que é um só gajo (creio) que chama colaboradores e "sampla o que falta" para criar um Doom poderoso onde Black, Funeral e Drone, referências a Burzum e sunn 0))) se misturam num som sujo. Será esse som sujo do vinil? Se fosse num formato digital seria melhor, isto é, mais limpo? Eis outra questão, a reprodução, diz-se, é melhor que o original e é bem capaz de ser verdade... Muitas vezes oiço k7's antigas (de quando era jovem e sem dinheiro para comprar discos) com os CD's (entretanto comprados na minha vida de adulto com rendimentos regulares) e fico desiludido com os últimos. O ruído das gravações em k7's antigas é tão real como o disco original per se. E de tantas vezes que ouvi com ruído que me habituei e a pensar que o "disco era mesmo assim" ao ponto de achar que audição do CD parece "errado".
Não sei se este disco é muito ou pouco original, não sei se está em comunhão com algum movimento (embora saiba que o Black anda na berra em França), se está mastigar alguém ou abrir caminhos mas a verdade que há muito que um disco me fez colocar tantas dúvidas... Só pode ser bom por causa disso, não?

*dos 363 exemplares do disco, 116 são em vinil branco e numerados. último exemplar - vinil branco - a 25 eur (20% desconto para sócios CCC), encomendas para ccc@chilicomcarne.com

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