quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Paradoxos

 


Under the radar : Underground Zines and Self-Publications 1965-1975 (Spector; 2019) é um impressionante livro de mesa de café aglomerado com argolas o que permite ter as páginas de texto (textos introdutórios de capítulos, "textos teóricos") num formato inferior ao das páginas de imagens (capas ou páginas reproduzidas, fotos / exibição das peças). Focado num período de dez anos - sem grandes justificações a não ser estéticas, a lembrar o NO-ISBN - e num espaço germanizado, este livro tem tanto de fascinante como de repulsivo como aliás será normal em todos os livros que venham desenterrar contra-cultura ou sub-culturas. Não alinho na ideia que um autor de BD que me disse, há alguns dias atrás, que trazer o "underground" ao de cima é como ter um partido monárquico numa democracia. Acho que tudo que traga à luz do dia uma cultura que poucos iluminados ou sortudos tenham tido acesso "nos bons velhos tempos", é válido nem que seja para dizer que "nós é que tínhamos razão, seus filhas-da-puta" e claro, para melhorar essa ratazana enorme chamada de Humanidade. É giro ver o acervo desta selecção - foi uma exposição antes de ser livro - ao folhear as suas páginas gigantes, embora seja deveras desagradável pegar nele por causa do sistema de argolas e do tamanho "mesa de café", parece que está sempre para se desmanchar e deixa marcas nas carnes das pernas. É sempre inspirador ver toda a psicadelia, DIY, radicalismos políticos e estéticos. Alguns textos aliás são "food for brain" sobre Design, Pornografia ou BD mas sinto-me desconfortável com um objecto tão luxuoso que trata do "lixo da História".

O livro pode ser adquirido em Portugal via livraria Blau. E já agora, ainda assim o livro mais interessante sobre estes assuntos continua a ser o esgotadíssimo Below critical radar : fanzines and alternative comics from 1976 to now que felizmente, em Portugal,  pode ser consultado na Bedeteca de Lisboa.


Fukt é uma revista berlinense (de um editor norueguês) sobre desenho contemporâneo e é babante pela sua apresentação e selecção - no caso da BD este #19 (2020) apresenta artigos, entrevistas ou trabalhos de Yuichi Yokoyama (que a Chili irá lançar em Portugal o seu livro Viagem), Chris Ware, Woshibai, Danielle Morgan, Maria Medem e Byun Young Geun. É um número dedicado à "narração" daí este interesse pela BD mas também storyboards ou outras aplicações de desenho em vários mediuns. O design vistoso muitas vezes atrapalha mais a leitura das imagens reproduzidas, o que é um problema típico de quem gosta de fazer catálogos invés de ter o hábito de leitura gráfica per se

A revista pode ser encontrada na livraria da ZDB.

PS - Li todas estas publicações com todo o interesse mas sempre desconfiado das intenções dos seus autores / editores, como se a qualquer altura as intenções egoístas ou carreiristas de quem o escreveu venham ao de cima. Esta paranóia é muito pessoal, bem sei, mas é fundamentada porque nos últimos anos voltei a sentir o peso dos "fakes" na cena independente portuguesa. Deixei-me levar por esse impulso. 

- Que se passa, pá? 

Então, meu, não sabes das palhaçadas da Feira Gráfica 2020/21!? É um evento que merece merda desde do início quando os seus organizadores puxaram os galardões de "curadoria", assinando o evento e tornando-o (ou projectando-o como) elitista - coisa que nenhuma vez aconteceu no passado com estes mercados no passado: Feira de Fanzines de Almada, Laica, Jeco, Morta, Raia, etc... Assim deu azo ao "escândalo de galeria" (ainda por cima digital) com as estratégias de promoção artísticas mais velhas que a potassa, misturando incompetência da organização com oportunismo dos seus oponentes. Vide também alguns zines ou selos editoriais que são mais sobre percursos dos seus editores (que também são "artistas") do que os marginalizados que dizem representar. Ou ainda o palácio de marfim da academia ao analisar as subculturas marginais como a KISMIF, etc,... Ou ainda como também me disse outro amigo meu que acha que a FlorCaveira ao usar linguagens contestárias como o Punk ou Metal para as suas mensagens religiosas não passa de mero transvestismo artificial e não de subversivo "detournement". Creio que todos os exemplos dados usam os fanzines ou a edição "indie" para ganhos meramente pessoais, minando o meio, que em si sempre foi precário - até o Under the radar no seu "deluxe" todo não esconde esse facto na secção de "economia" - vomitam frases orelhudas em sintonia com os combates e desafios da nossa década mas vazios de conteúdo e de significado. São as mesmas estratégicas dos neo-fascistas que andam por aí, estes "colectivos" e/ou pessoas vão ter de perceber que escolheram o sítio errado para a sua tão desejada projecção pública, inscrevam-se num partido político ou fiquem em MERcado Da Artes. Boas férias!

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