10º volume da RUBI, a melhor colecção de Romances Gráficos em Portugal!
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Num
dia quente de Verão, uma jovem japonesa deixa de ir à escola. Como uma
piada inofensiva, ela e o marido desempregado da sua irmã começam a
fazer vídeos parvos no Instagram, gerando milhões de visualizações.
Quando ela aparece nas fotografias num comício do
Shinzo
Abe, a diversão
toma um rumo completamente surreal e assustador. Como se sabe, a 8 de
Julho de 2022, o ex-primeiro ministro é morto a tiro... . Na era da pós-verdade ela é logo envolvida em teorias da conspiração e como símbolo da extrema-direita.
Flash Point de Imai Arata atreve-se a tratar um assunto tabu, evitado por todos menos o mais corajoso dos artistas japoneses.
Na
verdade, este livro é sintomático do problema da Banda Desenhada em
tratar dos dias que correm, sempre preferiu escrever sobre o passado ou
desenhar o futuro, fazendo impressionantes reconstituições históricas
(Bourgeon, Tardi ou Nunsky) ou projecções (quase sempre) distópicas
(Moebius, Geof Darrow ou Katsuhiro Otomo).
O presente é que é um problema, especialmente com as bulhas ideológicas
que o mundo está a viver. Se calhar sempre foi assim mas agora parecem
bater-nos mesmo à nossa porta diariamente, graças às redes sociais.
Também é verdade que em cada época da História há temas que são tabu ou
que sejam mal acolhidos - basta lembrar as lutas ecológicas dos anos 60 e
70, em que o grande público não simpatizava e que agora, que o planeta
prepara-se para dar o grande peido, toda a gente é "ecologista".
É
de salientar a enorme coragem de Arata de comentar temas que são tabu
no Japão, um país que até tem um sistema político democrático mas com
uma lista infinita de assuntos que não se tratam... No aclamado mangá F
criou uma realidade paralela pós-Fukushima com um imaginário envolta do
horroroso Daesh. O livro só teve edição profissional no EUA. Pelo Japão
foram apenas impressos 300 exemplares, distribuídos de forma
"underground", isto é, num circuito progressista do mundo das artes - a
BD estava associada a uma exposição com o colectivo Chaos*Lounge - e
pouco mais. Numa entrevista Arata diz que talvez umas pessoas de
Fukushima também tenham tido acesso, tornando a publicação "mítica", uma
vez que no Japão nenhuma editora teria coragem de publicá-la.
Neste livro Arata decidiu pegar em vários temas actuais como o fascínio tóxico das redes
sociais, a grande renúncia (The Great Resignation em inglês), as
invasões populares aos locais de poder (que entretanto o Trump
"legalizou"!), as tentativas e (poucas) concretizações de assassinatos
de políticos - diziam os Stealing Orchestra que De um Tiro à Socapa nem o Papa escapa
mas só Abe Shinzo é que bateu as botas até agora...; já para não falar
das Teorias da Conspiração (a maior de todas é que não revelaram a maior
delas todas: porque raios tem sido eleitos como presidentes os
burgessos com os piores penteados de sempre, WTF!?), a pós-verdade e a
subida da extrema-direita à escala global.
Não
se deixem enganar pelo ar pateta-pop deste mangá. Por detrás da sua
estética comercial, o leitor vai ter comida para o cérebro, na melhor
tradição de quem pratica a sátira.

Imai Arata
(1992) é dos poucos artistas engajado politicamente e independentes nos
dias de hoje no Japão. Desde 2009 que faz vídeos, animação, instalações
e banda desenhada num estilo de pseudo-reportagem, explorando temas
como os sem-abrigo, a imigração e refugiados - mas também temas mais
leves como o romance e o quotidiano. O seu mangá mais conhecido é F
(2015), publicado profissionalmente apenas em inglês pela Glacier Bay
Books, em 2021, que explora uma distopia numa realidade paralela após o
evento do desastre nuclear de Fukushima. Este novo livro, Flash Point
(2023), é uma sátira política sobre redes sociais e o assassinato de
Shinzo
Abe, vencedor do Prémio Shunji Enomoto do 5º Prémio de Mangás organizado pela torch comics e obtendo várias referências nas listas de final de ano das
publicações especializadas japonesas.

FEEDBACK
Ontem li o Flashpoint entre duas viagens de comboio. Parecia um maluquinho a rir-me sozinho com o quão bizarro o livro é. As referências à fauna cibernética japonesa (é universal) estão muito bem sacadas. Fora o comentário político surrealista, claro. Ajudou-me a sobreviver a mais um dia (...) Mas a que custo?!
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