De Belo Horizonte ao Inhotim
Belo Horizonte: Vista para a Avenida Afonso Pena, com parque de estacionamento em primeiro plano e favela em fundo |
A pátina ainda não desceu
sobre a capital de Minas Gerais. Fundada em 1900 à imagem de Paris para servir,
décadas mais tarde, de laboratório de experimentação urbana à parelha Kubitscheck-Niemeyer,
a cidade de Belo Horizonte brinda o viajante com algumas linhas elegantes e
ousadas, alguns contrastes pensados, dando a impressão de não ser nem demasiado
velha nem demasiado nova. Os prédios ainda são prédios, as ruas ainda são ruas.
Será, no fundo, uma cidade vivível e onde se sobrepõem diversas modalidades de
ocupação urbana ― das precárias tendas dos sem-abrigo que se erguem ao
crepúsculo nalgumas zonas nobres do centro ao recém-construído edifício Michel
Foucault, no bairro classe média do Prado. Mas adiante. Saindo da capital para
sudoeste, atinge-se, ao fim de hora e meia, o Instituto Inhotim, nas imediações
da povoação de Brumadinho. O Inhotim é um enorme parque consagrado à arte
contemporânea, repleto de galerias e instalações ao ar livre, com jardins
desenhados pelo arquitecto paisagista Burle Marx. A instituição, fundada em
2002 nos terrenos de um insigne empresário mineiro, assume-se hoje como
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e ponto de interesse
turístico, onde a estética e a botânica se encontram com a responsabilidade
social e o grande capital.
Instituto Inhotim |
É domingo e faz bastante
calor. No eixo laranja, a Galeria 15 alberga as célebres Cosmococas de Hélio
Oiticica e Neville de Almeida. No interior arrefecido pelo ar condicionado, o
visitante pode escolher entre cinco salas diferentes, cada uma delas propondo
uma combinação particular de sons, imagens e experiências tácteis: por exemplo,
balançar numa rede de dormir ao som de Jimi Hendrix ou, quem sabe (se o ar
condicionado não se intrometesse tanto…), refrescar o corpo numa piscina
equipada com balneário, por ora abandonada.
Mais à frente, a Galeria
18 é um velho estábulo que esconde uma obra de Carlos Garaicoa, Ahora Juguemos a Desaparecer (II), de 2002. No meio da escuridão,
acercamo-nos de uma mesa de metal sobre a qual jaz uma cidade em miniatura
bruxuleando à luz das velas. Aproximamo-nos ainda mais e percebemos que as
velas são os próprios edifícios, feitos em cera, e que vão derretendo
lentamente sob as chamas dos pavios que se mantêm acesos. Reparamos então
tratar-se de uma metrópole compósita, misturando prédios perfeitamente anónimos
com construções emblemáticas: é possível distinguir a catedral de Notre Dame, o
Vaticano, o Empire State Building e o que resta da torre Eiffel. Dizem que o
desvanecimento demora três a quatro dias a completar-se. Ao fim desse tempo, a
massa de cera é recolhida e colocada em moldes com a forma dos mesmos
edifícios. A maqueta volta a ser disposta sobre a mesa e, uma vez acendidos os
pavios, o jogo recomeça. A instalação compreende ainda umas quantas câmaras de
vídeo que vão registando e projectando o lento desaparecimento da cidade (a
legenda da obra refere «vídeo, mesa de metal e velas»). Se o que aqui se
entrevê reenvia, inevitavelmente, para uma genealogia de delírios urbanísticos
onde também se inserem as fantásticas construções em Lego de Douglas Coupland
ou a versão comestível de São Paulo confecionada por Song Dong a partir de
bolachas e rebuçados, o que surpreende em Garaicoa é a sensação de
intemporalidade que se desprende da sua cidade de sonho. Não fosse o vídeo, que
dá ao conjunto o ar expectável de uma instalação contemporânea, e juraríamos
estar em presença de um fantasmagórico divertimento barroco da era
pré-industrial…
Regressamos ao exterior e
damos com uma segunda Piscina,
esta do argentino Jorge Macchi, esculpida em 2009 especialmente para o recinto
do Inhotim. Aparentemente, uma piscina comum: distingue-se apenas pelos degraus
que levam para dentro de água, descendo a todo o comprimento de um dos lados à
imagem dos marcadores de uma lista telefónica, o primeiro com a inscrição ‘AB’,
segundo com a inscrição ‘CD’, etc. Não seria preciso tanto. Como o calor aperta
e o tanque está cheio, alguns visitantes atrevem-se à performação da obra
de arte. As pessoas descalçam-se e entram na piscina de jeans, saias, calções, t-shirts… O facto de se estar
entre amigos convida à descontração, ao chiste, ao despudor. Uma mulher de t-shirt molhada justifica-se perante uma
amiga: «É que o seu homem está aqui, o meu tá em São Paulo!» Portanto, Macchi -
1, Oiticica / Almeida - 0. Resultado justo, mesmo reconhecendo que o time
vencido actuou condicionado…
http://www.inhotim.org.br/
http://www.inhotim.org.br/
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