sábado, 19 de fevereiro de 2022

3 (+1) perguntas ao Harukichi


1. Senhor Harukichi, começou a fazer banda desenhada quando tinha 37 anos. Qual era o seu trabalho  e que relação tinha com a BD antes disso? Era um leitor apaixonado e o que lhe fez vir para a BD?

Primeiro, não era um leitor apaixonado por BD embora tenha lido os grandes nomes como Osamu Tezuka ou Shigeru Mizuki quando era jovem.
Estive em Tóquio a trabalhar em livrarias e em lojas de discos como ainda fui também assistente editorial para revistas durante 15 anos desde que conclui a Licenciatura. Durante esse tempo, o meu desejo era ser compositor de música clássica e concorri a vários concursos mas sem êxito. Um dia, talvez quando tinha 33 anos, li um livro do artista vanguardista Taro Okamoto. Ele dizia: “Tens de pintar agora. Tu podes dizer que o farás depois, ou que o irás fazer quando tiveres um bom tema. Não importa. Nada importa a não ser decidires para o fazer agora. Tu consegues facilmente fazer pinturas como as minhas." Fiquei muito impressionado e comece a pintar, não era BD. Passado algum tempo, estava mais interessado em pinturas de outros artistas e visitava sempre o sítio da Last Gasp que distribuía vários livros de Arte. E lá estava esta BD estranha (numa perspectiva japonesa e do Manga) intitulada Cão Capacho Bósnio [publicada em Portugal apenas a primeira parte na revista Quadrado #6 (3ª série)]. Comprei o livro, isto foi a primeira vez que comprei uma BD estrangeira - e já respondo a mais na segunda pergunta...

2. Quando começou a trabalhar em BD e qual era o seu motivo inicial?
Eu não sabia nada sobre a Guerra na Bósnia nem da desintegração da Jugoslávia na altura que comprei o livro mas achei a história muito interessante e fiquei atraído pelo estilo de pincel bruto de Max Andersson e Lars Sjunnesson. E senti uma mensagem da BD: “Tu consegues desenhar assim.” Mas não tinha uma história para fazer tantas páginas. Entretanto comprava mais e mais BD estrangeira, um dia comprei uma BD do Jeffrey Brown. O seu estilo era também cru e fazia histórias curtas de uma ou duas páginas. Ouvi também uma mensagem daí: “Consegues fazer isto: desenhos amadores e pequenas histórias". Então comecei a fazer BD. Espero que elas enviem as mesmas mensagens para quem não faz BD.

3. E como descobriste o trabalho do Aleksandar Zograf? O que achaste de interessante no seu trabalho?
Como disse na reposta anterior eu continuava a comprar BDs estrangeiras como por exemplo da Fantagraphics, Drawn & Quarterly, First Second, Top Shelf, etc..., Um dos livros foi o seu Regards from Serbia. Nunca tinha lido algo assim. O seu estilo gráfico é também muito cru e o seu texto é muito informativo para quem não sabe dos temas de que ele trata. E também, Regards, conta a verdade do lado vencido. Poucos o podem fazer como Joe Sacco, Peter Kuper e Seth Tobocman. O Aleksander Zograf é a resposta sérvia a estes artistas.

pergunta extra (Marcos Farrajota). Ficaste fascinado com o Cão Capacho Bósnio e autores estrangeiros pelo seu fulgor mas no Japão há a "tradição" do estilo Heta e a revista Garo. Não conhecias isso?
Conhecia  estilo Heta e a revista Garo (ou AX lançada mais tarde pelo ex-editor da Garo) antes de encontrar o Cão Capacho Bósnio. Não sei porque é que essas BDs não me inspiraram a desenhar. Admito que não conhecia BD estrangeira antes do Cão, que me apresentou a mundo ENORME de BD estrangeira. Foi uma espécie de epifania ou revelação para mim. Ao mesmo tempo, já tinha mais de 30 anos e era e ainda é tarde demais para ser um autor de BD no Japão. Mas pensei que teria uma pequena chance de me tornar autor no estrangeiro. Por isso comecei a fazer BD.

As perguntas iniciais foram feitas para o Festival Nova 2019 em Pančevo.

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