quinta-feira, 15 de março de 2012

Infecção Industrial



Foram os Throbbling Gristle, no final dos anos 70 do século passado, que cunharam o termo “Industrial” à nova música realizada por uma geração que gozava de novas formas de tecnologia para criar e difundir música. Estávamos na Era da Informação a poucas décadas da nossa Era Digital. O termo musical relacionava-se com a Revolução Industrial, em que a relação do "homem-músico" com as máquinas iria mudar tal como a partir do século XVIII a vida do Homem mudou para sempre com as primeiras máquinas a vapor.

Apontemos à Revolução Industrial a poluição e ruído, o consumismo frenético, o aumento da área produtiva dos serviços, a não-especialização da mão-de-obra barata versus hiper-especialização de tecnocratas, a urbanização / abandono dos campos, a miséria e explosão demográfica, o aumento da velocidade dos transportes, o capitalismo moderno, a difusão de ideias democráticas e sociais, o nacionalismo e a militarização, etc... Após o Punk e o Industrial - impossíveis de as separar porque partilham o mesmo momento histórico e modelos de produção - iremos encontrar mudanças na música: uso do ruído das máquinas e processos mecânicos (concretos), consumo excessivo facilitado com a oferta de auto-edição e edição independente, produção e disseminação através de tecnologia caseira (o gravador de k7, o estúdio caseiro, o “tape-trading”), aumento de artistas “não-músicos” (sem qualificações académicos ou formação), invenção de instrumentos e o uso de objectos como instrumentos (como o gira-discos), auto-gestão, fetichização por objectos de culto (edições limitadas), segmentação dos públicos (tribos urbanas, subculturas, elitismo), ritmos maquinais (techno), uso de multimédia e performance ao vivo, o sampling, a remix e o mash-up,...

Após a sua origem o “Industrial” vai ser encontrado em quase todos os aspectos da vida cultural. Pode ser encontrado no Hip Hop dos Public Enemy, no Dub de Techno Animal, e claro no Noise de Merzbow. Não seria descabido também dizer que o Industrial institucionalizou-se, pela forma Pop/ Rock – que pretendia destruir – nos milhares de discos vendidos de Ministry, Nine Inch Nails, Marilyn Manson e Rammstein. Pela pista de dança, como EBM, Gabba e Rave até ser transformada em música de carrinhos de choques – é especialmente grave esta facção de pimbas que chamam de Industrial ao Techno Gó-Gó…Pelos espectáculos circenses para massas fascinadas com a precursão de tachos e panelas, vassouras e latas do lixo. E por fim, as velhas bandas seminais ficaram “respeitáveis” e tocam nos dias de hoje em centros culturais de prestígio como Einstürzende Neubauten no Centro Cultural de Belém ou Throbbling Gristle (como X-TG) na Casa da música - aliás, até a razão deste artigo, os Sektor 304 também já tocaram lá.

Para além do que foi descrito nas linhas acima, para que serve o Industrial então? Qual o seu papel actual na música? Qual a sua relevância quando já sofreu mil metamorfoses e osmoses? Foi um movimento de vanguarda que está morto e agora é regurgitado em modelos mais limpos? Camuflou-se no seio do pós-modernismo? Ainda faz sentido vestir fatos de Nazis ou de Sovietes num concerto? Ou mostrar imagens de massacres étnicos ou vivissecção de animais? Terá o Industrial a missão politica de combater os Totalitarismos tal como o Black Metal tem como bandeira o Grande Cabrão ou os Straight-Edge o Veganismo e outros ismos?

Não sei nem creio que os Sektor 304 tenham as respostas para tal. De créditos firmados vão no seu quinto registo em disco, sendo já o segundo a ser lançado pela Malignant, editora norte-americana que é uma referência no pós-Industrial e outros “Darkismos”. A banda foi criada por João Filipe e André Coelho – grande ilustrador que tem participado nas antologias da Chili Com Carne – e passaram a quarteto neste novo disco, Subliminal Actions, com a inclusão de Henriques Fernandes e Gustavo Costa - um Gorbachev na música portuguesa! O som da banda tem sido comparado à génese do Industrial pelo facto de terem contrariado a tendência generalizada de fazer música de forma electrónica e digital. Os Sektor 304 perceberam que existe vida para além dos computadores e foram à raiz analógica desse som inaudível, violento e barbárico dos primeiros tempos de SPK ou Laibach. Podemos ouvir milhares de discos de Noise e Industrial nos dias de hoje mas são poucos os discos que nos marcam porque tal como 90% da produção musical nos dias de hoje, o digital prevalece e apaga os registos orgânicos da gravação – e não é por James Plotkin ter masterizado o disco que há muito tempo não se notava a diferença electro-acústica entre os Sektor 304 e os seus “concorrentes industrialitas” (ou de outros géneros musicais). Não há sinal digital que consiga ultrapassar uma amplificação de uma chapa de metal encontrada na rua a ser torturada com uma serra ou uma lima.

Sektor 304 é um monstro parido do universo de H.P. Lovecraft com a sordidez do desastre de Fukushima. As patadas desta besta sonora vêm do tribalismo rítmico de África – aliás, tudo (música ou não) vêm de lá! Esta associação e influência africana era assumida pelos primeiros músicos de Industrial, ao contrário das novas gerações embasbacadas pelos uniformes dos regimes totalitarismos ou o látex S/M que acham que a música Industrial é “branca”. Há de agradecer aos Sektor 304 nem que seja só por nos recordarem isto, desde 2009 aquando do álbum Soul Cleasing.

A juntar à violência física da besta, ainda somos obrigados a visitar as dimensões fatais de um outro mundo através do psicadelismo dos baixos e dos “noises” tão em voga dos dias de hoje. Há um momento alto no disco para quem não suporta apenas “psico-barulheira” – admito que o disco é longo e pesado - é o tema By the throat, verdadeira festa polirítmica com quatro registos vocais em discussão – em que o gutural Death (cortesia do vocalista dos Genocide) e o vampirizado Black ganham a batalha e são uma lufada de ar fresco para quem está habituado a ouvir o Industrial como algo cristalizado.

Não consigo deixar de relacionar a música Industrial com o que Alan Moore escreveu no prefácio de V for Vendetta, livro publicado no final dos anos 80 mas escrito pelo autor britânico nos inícios dessa década. Escrevia ele que achava as premissas do argumento dessa BD eram ingénuas – fruto da sua jovem idade – como pensar que seria necessário um Inverno Nuclear para que o Fascismo se pudesse instalar. A música Industrial em 1976 alertava do perigo do Fascismo disfarçado de Big Brother no futuro. Trinta anos depois este estilo de música espelha-se de uma forma deformada. Realmente o Fascismo já se instalou, invés de estender “fachos” temos bandeiras (de eventos desportivos, casamentos reais ou visitas do Porco-Mor Católico) nas janelas e varandas, vivemos reprimidos pelo Estado e grandes empresas (em que a vigilância é feita por nós próprios cidadãos censores e bufos), somos alienados por uma cultura hedonista, uma economia poluente em plena colisão entre a sofisticação técnica e a degradação humana. Se o Industrial ou os Sektor 304 têm alguma raison d’être em 2012 é porque simbolizam um “retro-futuro” ou um “Futuro Primitivo” (se me permitirem a “publicidade” a uma antologia de BD organizada por este vosso escriba e que André Coelho também participou) situada entre as maravilhas do mundo digital e o entulho dos excedentes… industriais.

Esta música “industrial” dos Sektor 304 simboliza (mais uma vez) o acidente que está para vir. Se o Apocalipse ainda não apareceu pelo menos já compôs a sua banda sonora. Então, que raios faz esta pérola na periferia da Europa onde ninguém lhes liga? Os gajos deviam era meter-se a caminho de Moscovo num tractor quitado a puxar um atrelado com a a banda em cima a tocar “non-stop”. Esta digressão Porto/ Moscovo devia-se chamar “Born Again Chernobyl” e anunciaria o Apocalipse, sendo a banda os seus Anjos bíblicos anunciadores – sugere-se o uso de Homens-Salsichas disfarçados à Gwar na dianteira do tractor! But I digress…

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