quarta-feira, 10 de julho de 2013

Morto Kids!

Eu tinha avisado os putos para não fazerem em Julho - há anos que tentávamos que a "Laica de Verão" fosse antes uma "Laica de Primavera" (para finais de Maio) mas devido aos compromissos com os sítios onde fazíamos nunca tal foi possível... O resultado estava aí: um calor desgraçado que afastou o público. Nesse aspecto a Feira Morta foi má...

Mas pouco importa isso!!! O evento estava bem organizado e sobretudo conseguiu reunir os autores e editores para mostrarem as suas novidades. Por isso, o Pedro e Maria (ambos da Cafetra Records e cabeças organizadoras da Morta) estão de parabéns porque reproduziram a essência da Laica, sendo este um outro projecto mesmo que reclame a herança Laica. O espaço que encontraram era excelente para circular à cata do melhor que se faz cá em Portugal de edição independente e pelo caminho alguma "video-art", música e docinhos caseiros para engordar! Não havia crianças nem artesanato urbano, o que acho bem para distanciar dessa tradição Laica. Nem apareceram editores estrangeiros - só se considerarmos que a visita do Weaver Lima fosse uma mas isso é esticar a corda.

As novidades editorais e a segunda mão não foram anunciadas, podendo terem sido ambas um chamariz embora acho que a segunda mão cada vez faz menos sentido existir quando temos uma produção inacreditável de fanzines, zines, livros, k7s, LPs, etc... de pequenos editores e artistas. Comprei algumas coisas que o provam - mesmo que este tenha sido um evento com menos novidades comparando directamente com a Laica. Talvez tenha havido menos editores a participar neste evento por cepticismo da capacidade de trabalho dos "putos" ou alguma irritação / inveja do mediatismo bacoco da Cafetra (que entretanto já foi à vida, certo?) mas o evento aconteceu sem erros grosseiros a apontar. De certeza que a questão de público poderá ser melhorada para a próxima - e "eles" já disseram que querem fazer uma Morta de Natal! Peraí!? Morta de Natal? ahahahahaha

Parabéns oficiais aos "putos mortos"!

E vamos lá às provas que o que não falta por aí são excelentes criações que provam uma ausência de crise na criatividade portuguesa - sobretudo na área da BD! Não sei porquê mas neste evento não adquiri música, por exemplo. Foi quase só zines de BD... Estou a ficar um cromo velho? Ai!

CVTHVUS #2 (Jun'13)
, zine A5 que no primeiro era um graphzine dedicado aos gatos desta vez os gatos são dedicados em BD... no passado já houve destas taradices, lembram-se o Durty Kat da Ana Ribeiro?
Chaz The Cat (aliás, Sérgio Neves) e Gonçalo Duarte fazem duas BDs em honra ao felino, ou melhor, à capacidade de um bicho deste ter-se transformado no Deus do Século XXI. Neves tem um estilo mais digital, frio e rígido seja em desenho seja em narrativa mas apanhou bem a psicopatologia de se amar os gatos em demasiado. Duarte mudou o registo gráfico a que assistimos no passado nas antologias Destruição e Futuro Primitivo, está mais "felino" de acordo com a trágico-comédia que conta sobre os excessos de idolatria sobre a gataria e a tecnologia - não misturar as duas, nunca!!!

Do Clube do Inferno comprei dois dos quatro títulos novos: Lovebirds de Astromanta e 9:2:5 de André Pereira, o primeiro é um porno-S/M-gay impresso em papel cor-de-rosa e formato A6 como manda a regra destas coisas que metam erotismo e voyeurismo - o factor tecnológico também aparece aqui, curiosamente. O segundo é uma válvula de escape de Pereira, em registo autobiográfico, sobre a rotina fantasmagórica do trabalho das "9 às 5" e o de ter de desenhar porcos... A autobiografia sempre foi sinónimo de "auto-ajuda" para os artistas e é o que parece nestas folhas A4. Formalmente o trabalho é bastante interessante com a sua distribuição rígida de vinhetas. Espero que Pereira e outros "chavalos do aPOPcalipse" descubram de vez que BD é sobre "escrita desenhada" e não sobre "desenhos" (com textos de não sei quem).


Lençóis Felizes (Sunflowers Books; 2013) de Van Ayres é capaz de ser o zine de BD que merece o título da "BD portuguesa mais freak de sempre"! Sim é uma BD sobre lençóis (felizes ainda por cima!) que andam por aí a voar, a curtir a vida, "naquela", na descontra... O desenho a lápis mimetiza o desenho das crianças e até se podia dizer que esta é uma BD para esse tipo de público mas então teríamos de pôr no mesmo saco os Moomins, Neil The Horse, Tales of The Beanworld, Caminhando Com Samuel, etc... É que uma coisa é o "infantil-infantilóide" como o Lucky Luke, Turma da Mônica ou a Disney feitos por adultos cinzentos, outra coisa são estas outras obras que apesar do ar de "todo público" ou aspecto "infantil" ou pelo "ar feliz" que conseguem levar-nos a estados de espírito "positivo" - terreno pantanoso quando vivemos numa sociedade obcecada pelo "positivo", "zen", "happy", "baba de caracol", "omega 3" e "yoga" - mas sem levar-nos para estas armadilhas de consumo barato Yo! Zen pró povo! Aqui o produto é genuíno, não fosse ele custar apenas 05 cêntimos e ser um zine fotocopiado em papel verde A5. O estatuto de génio poderá passar por aqui um dia... Ou já é? No que diz a domínio da linguagem da BD está perfeito, por exemplo. Ei-de de reler isto um dia num piquenique com muita fruta e água fresca!

Nada positivo - o título também não engana, né? - é Mass Extinction of All life (Cabidela Ninjas; 2003) de Uganda Lebre e Tosco... Zine A5 de ilustração algumas vezes com texto, é dos poucos zines em Portugal em que podemos Jesus a segurar caralhos, Santo António a fazer broches, Jesus em regime de auto-felatio enquanto bate uma punheta a um bófia nazi (não são todos?) que se esporra nas Suas costas. Há mais mas já contei o suficiente, não? Só não é fixe porque não é BD... Pois é! De resto já conhecem o trabalho do Uganda Lebre nas nossas antologias, certo? Não? Seus toscos!
E a Amanda Baeza têm um novo mini-comic!!! Nubes de Talco (Bombas Para Desayunar; 2013) saiu em Espanha, e talvez por isso, lembra-me imediatamente um "mash-up" de grafismos e intenções surrealistas dos grandes Pere Jóan e Max. Mini-zine A6 a preto e branco, Baeza investe para o satanismo, não de forma porca, suja e feia como os badalhocos dos Cabidela Ninja, mas de forma filosófica e intimista, com belos desenhos e composições gráficas. Esta é a confirmação que estamos presente da autora portuguesa de BD mais interessante do momento - mesmo que pouco ou nada tenha editado cá, o outro "mini" foi lançado na Letónia. Ah, e como a língua portuguesa é machista por natureza, quando digo "autora" na realidade queria dizer "autor" apanhando os machos e as fémeas. Heil Satanna!
Por fim, como já tinha referido, na Morta não houve convidados estrangeiros mas apareceu o Weaver - que entretanto tem uma exposição em Ponte de Sôr! - como visitante comprador de tudo o que lhe aparecia à frente! E também tinha coisas para oferecer e trocar como o catálogo do Expressiocinismo que se propõe como um movimento artístico-pictórico-pícaro fomentado pelo seu colectivo Monstra. Numa saco de plástico, aparece-nos um folheto com o manifesto do movimento e vários cartões, tipo postal, com imagens das obras dos autores e com divertidas biografias no verso. O movimento está sintonizado com o Neo-Pop Surrealista difundido pela revista norte-americana Juxtapoz - aliás, a exposição do grupo tem o seu apoio - propondo uma miscelânea de técnicas plásticas como pintura, desenho, serigrafia, objectos (Jabson Rodrigues), bordados em ponto cruz (Franklin Stein), etc... Aquele toque humorístico brasileiro que já conhecemos aparece por estas bandas e reforça as palavras do Aaron $hunga quando escreveu sobre o primeiro volume d'AcontorcionistA, dizia ele que era "absurdo escrever manifestos nesta altura do mundo onde existe Dubstep". Pois...

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