terça-feira, 12 de agosto de 2014

"É a originalidade do pecado que nos move..."

No princípio era o Forte. No princípio é sempre o Forte Prenestino, massiva construção novecentista situada na parte leste de Roma. 
Ocupado há quase 30 anos este Forte de desejos recebe todos os anos, desde 2004, o festival "Crack! fumetti dirompenti" (literalmente quadradinhos perturbadores, festival de BD, de todo o tipo de materiais gráficos impressos imagináveis, artes performativas, arte mural, instalação, buffonerie, piratarias e etecéteras...) onde a Chili com Carne esteve mais uma vez presente nos dias 19 a 22 de Junho. 

Dez anos depois da primeira edição um cartaz de símbolos mutantes anuncia um Génesis regenerativo. Depois dos Apocalipses e das Hordas das edições anteriores, o tema deste ano apela a um processo de união e fertilidade para a criação colectiva. 
Apesar de mais ou menos mambo-jambo, mitos de criação, primitivismos futuro-apocalípticos, que poderiam dar aso a discussões estético-filosóficas bem acesas, a prática desta terminologia surpreenderia muitos materialistas. De facto o Crack! é mesmo uma pujante criação colectiva auto-gerida e auto-produzida que, sem patrocínios públicos ou privados, joga no campeonato dos grandes eventos de massas mas pretende mudar-lhe as regras. 
"Gostaríamos de ter comido a maçã com gosto porque é a originalidade do pecado que nos move: a busca de conhecimento através das nossas visões."



( RISIS * performance de Alexander Ríos na Sala da Tè do Forte Prenestino )


Dez dias de workshops precederam o festival, onde dezenas de artistas e participantes de todo o mundo vieram trocar saberes, misturar-se, fortalecer redes e contactos, conspirar nos subterrâneos e aproveitar a hospitalidade do Forte e as suas excelentes oficinas. Dessas sessões de trabalho resultou, por exemplo, a publicação ABC da resistência visual. Ou então ficou-se simplesmente na esplanada improvisada entre o pátio e o laboratório de serigrafia, entre os chuviscos e o sol, a beber café e a desenhar o dia inteiro. Ou a sacrificar pizzas no forno pazuzu ao som de doommetal a ecoar pelo pátio. A observar e a participar nos fluxos do Forte. 

Nos dias do festival, uma azáfama percorre os pátios e as catacumbas. Nas celas subterrâneas, perfiladas pelos dois intermináveis corredores simétricos, ao longo da fachada frontal do Forte, estendem-se as centenas de bancas onde se encontra de tudo o que nesta galáxia há de auto-edição, BD, ilustração, arte antagonista. Milhares de pessoas. Autores confundem-se com visitantes, confundem-se com editores. De cela em cela, cada uma tem o seu ambiente específico, instalações, decorações, do mostruário mais clássico à cripta mais soturna. Para além dos concertos e recitais no pátio e na sala da tè, qualquer canto pode ser alvo de uma intervenção qualquer, da rodagem de um filme, de uma declamação súbita, de uma festa de garagem...  Carradas de coisas, um excesso de ruído visual completamente arrebatador que enche as baterias de todagente que por ali passa. Um combate de centenas de titãs. Onde cada pessoa leva dali um bocado de vida para a sua vida. 


o Crack! em imagens: aqui 

o Crack! visto pelo colectivo de animação Nikodio:

  

o cartaz do festival por Bambi Kramer:

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