quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Dois ou três pensamentos soltos (2)

O mundo das coincidências cósmicas é tremendo! Passado alguns meses depois de escrever estas linhas sobre livros de referência, pimba! eis que aparece o simpático HQ: uma pequena história dos quadrinhos para uso das novas gerações de Rogério de Campos.

E quem é o Rogério de Campos, perguntam vocês? Olha, só para começar é mais uma das cabeças da mítica revista Animal, foi o responsável de introduzir o Mangá no Brasil de forma coerente e agora é o "boss" da Veneta, uma importante editora brasileira de BD. Curiosamente conheci-o em pessoa no Festival de BD de Angoulême, em 2020, tendo valido a pena fazer tantos quilómetros para descobrir (sem querer) mais um ídolo da juventude!

O seu livro é uma tentativa de escrever sobre BD de uma forma excitante como Greil Marcus o fez com As Marcas de Baton (Frenesi; 1999) sobre os Sex Pistols e o fenómeno Punk (and beyond that!) mas infelizmente, a BD não é tão excitante na sua mitologia como o Rock, e falha nesse sentido. Em compensação invés de ser mais uma história chata da BD, Rogério, como mestiço e periférico cultural que é (e grande profissional do mercado editorial), soube misturar tudo numa narrativa sólida sobre a História da BD evitando os discursos simplistas dos cromos das várias indústrias de BD (o triângulo dourado França-EUA-Japão). Troca tanto e tudo que mesmo quando os capítulos sugerem uma dessas indústrias, ele acabará por falar de noutra coisa que parece não estar ligada. Por exemplo, o capitulo dedicado ao "Mangá" irá parar ao underground norte-americano, quando anuncia o capítulo "France" acabará por falar do grande assalto dos "comics-books" e sobretudo do Mangá no mercado europeu. Parece disparatado, dito desta forma mas não é de todo, muito pelo contrário, como ele nunca se perde e conhece bem os segredos profissionais deste mundinho da BD, tudo vai escorreito como um bom vinho. 

E ao misturar "tudo", não deixa os leitores ficarem nos seus guetos predilectos ou os seus "safe places". Ou seja, o perigo de um tarado do franco-belga ou do mangá de só ler o capítulo que lhe é querido é aqui impossível, terá de ler tudo para receber toda a informação que lhe interessa, porque tudo está interligado a dada altura. Cheio de observações interessantes, com capacidade de síntese e uma vontade explorar a política para o mundo da BD (o que os cromos acham isso herético!), só não lhe posso perdoar a ausência de assinalar o Guido Buzzelli como o primeiro verdadeiro artista na BD, as ilustrações centrarem-se quase todos no catálogo da Veneta e a falta de pensamento sobre as "minorias culturais" (que são só muito mais de metade da população do planeta mas enfim!) como as mulheres e não-binários. O texto ficaria ficaria maior mas, meu!, era 2022 quando saiu o livro e a Julie Doucet já tinha sido elegida como Presidenta do Festival de Angoulême nesse ano! Grave! Apesar destes pecadilhos e espartilhos masculinos, eis um livro que faz justiça ao seu título. Não é punk mas é rápido, curto e incisivo!

O norte-americano Christopher Sperandio voltou este mês a Portugal com uma exposição na Tinta nos Nervos e trouxe uma série de novos livros seus, um "teórico" e outros de "comix-remix" - o mais recente que saiu pela nossa parceira Kuš! terá uma resenha minha na próxima A Batalha

Comics Making : teaching the technology of comics (Argle Bargle; 2021) é uma colecção de ensaios de Sperandio de como fazer Banda Desenhada à sua maneira, isto é, usando BDs antigas e dando-lhes um belo de um tratamento "detournement" situacionista para passar novas mensagens (políticas). A ideia não é nova, claro, e nada melhor do que reciclar o lixo da História para fazer Arte nova, como os franceses Samplerman ou o Fredox e o português 40 Ladrões. Para política, o lixo se não for contemporâneo, como faziam os Situacionistas ou fazem os activistas "underground", coloca alguns problemas... 

Há um limite temporal-legal que Sperandio utiliza para usar o material dos outros para rapinar. Este tem de estar perdido para os olhos dos advogados da propriedade intelectual, e é por isso que ele (ou o Fredox e o Samplerman, já agora) usa "comic-books" com uma boa idade para cima dos 75 anos de existência, ou seja, quando essas criações entram em domínio público. A questão é como usar essa lixeira popular para as novas lutas sociais e políticas deste século, sem parecer anacrónico? Ou não ser uma dor de cabeça para o autor actual procurar imagens que tenham ainda aura para os dias de hoje? A mim parece-me impossível, especialmente quando não há quase mulheres representadas (uma conclusão que o próprio Sperandio indica numa BD no tal livro da Kuš!) ou "bem representadas" porque elas aparecem como meras companheiras dos homens, submissas e a servirem de isca para serem salvas pelo super-macho com músculos. E africanos ou asiáticos? Estes são também pouco representados, ou pior, quando o são, são subalternos, sub-humanos ou vilões! Não há "detournement" que valha quando a matéria visual é logo limitado em riqueza (ou na mera realidade) humana. 

Também não me parece que a evocação à Nostalgia, como arma de arremesso político seja uma boa ideia, porque a Nostalgia é do mais perigoso que há, usada pela Direita para nos adormecer com a retórica do "antes é que era bom". Até a Direita (a alt-right) sabe que mais vale usar uma bonecada Anime para fazer um méme racista e sexista do que usar uma imagem colonialista dos "bons velhos tempos". Esteticamente até parece que Sperandio quer dizer que os jovens de hoje são iguais aos dos anos 50 quando saíram tantos belos mutantes a partir dos 60! Não sei porquê, apetece-me voltar ao Burroughs mas desta vez citando-o: (...) he didn't want any juvenile connections, bad news in any language.

De resto, Sperandio faz uma boa súmula para principiantes sobre a tecnologia de impressão dos materiais e técnicas de como os reutilizar. Um erro num texto sobre a proveniência da palavra "zine" (diz que é de "magazine" e não de "fanzine") põe tudo a perder... Ignorância ou gralha? Ei-de lhe perguntar quando o apanhar por aí!

Como no "post" do ano passado acabei com um indicação a uma obra de referência portuguesa e o tema geral era sobre a raridade deste tipo de trabalhos no mercado nacional, eis que no mesmo ano foi feita outro livro sobre BD portuguesa também pela SHeITa. E sim, só se pode esperar merda, claro, porque é feita com o pior gosto dos "melhores" editores portugueses de BD. Convenhamos, a começar pela capa, o grafismo e desnecessária impressão a cores (receberam uns belos dinheiros comunitários para gastar à grande e à francesa), Conversas de Banda Desenhada de Carina Correia e João Miguel Lameiras é um terror editorial! Mas como nunca temos testemunhos dos autores de BD portugueses - a não ser quando arrotam postas de pescada nos festivais de BD, seca total! -, torna-se num documento bastante interessante para o público em geral (bom, pelo menos metade do livro) e para o que é especialista. Apesar do plantel escolhido ser um 50/50 de autores desinteressantes e de artistas com voz própria, em linhas gerais, pode ser bom para todos os que leram perceberem como se movem estes criativos em Portugal, e quando possível, o que lhes faz correr sem cansar.

Justamente, raramente se fala de Arte ou BD como Arte, o foco das entrevistas é quase sempre sobre o dinheiro e a carreira. Parece que me repito nestes dois "posts" mas é verdade: mulheres, claro, há uma apenas, a Joana Afonso, que apesar de ser uma boa artista comercial de BD (para quem gosta), é só mesmo isso, uma artista comercial croma de BD; o Luís Louro é uma cagão como sempre foi and we don't give shit; Filipe Melo y su muchacho nem me lembro nada para comentar tal a quantidade de clichés ditos; Osvaldo Medina revela ser um mero mercenário (a atitude dele perante os livros sobre o presidente angolano Agostinho Neto que "biografou" é exasperante) e creio que ele só está neste livro porque tal como a Joana Afonso fizeram álbuns de BD prá SHeITa; Jorge Coelho apesar de se o gajo que desenha prá Marvel revela mais sobre o underground lisboeta que alguma vez os ignorantes dos seus entrevistadores saberão (boa Jorge!); e é quando entram o Nuno Saraiva, Paulo Monteiro e Marco Mendes (os que podemos considerar artistas mais à séria) é que o livro torna-se iluminado com boas doses de poesia, humor, vida e experiências que fogem à mera "Bêdêzinha". Se calhar os outros até teriam algo para dizer (duvido muito) mas com os entrevistadores a serem apenas cromos da BD e da cultura Pop, a fazer piadinhas constantes sobre pitéus e cuja única pergunta repetida até à exaustão (e em alguns casos inútil) sobre um tema contemporâneo é sobre o que é que os autores acham destes tempos "perigosos" do "Politicamente Correcto" (ai ai ai que medo!),... Com perguntinhas destas nunca poderiam ir muito mais longe, parece-me. É pena! Ainda assim como já escrevi, fica aqui um documento importante para a posterioridade, dado que a BD é uma área de que ninguém (generalistas ou especialistas) parece saber nada de nada - incluindo a parte menos interessante como o dinheiro.

domingo, 24 de setembro de 2023

UBICCC

Não sabemos como vamos estar nestas duas feiras neste fim-de-semana:



 cartaz de Sara Chitas


ccc@feira.anarquista.do.livro.de.lisboa.2023


Lá estaremos com A Batalha e encontraremos a malta do Forte Prenestino 

Acaba hoje

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

ccc@queer.market.23


Como tem sido hábito desde 2018, uma selecção de títulos nossos estará presente no Queer Market do festival Queer Lisboa.

 

sábado, 16 de setembro de 2023

O Mesinha 40 tem um Lobisomem, 3 pastorinhos e tripes!!!! últimos 10 exemplares!!!!!!!!!!!!!

 


Eis o novo Mesinha de Cabeceira! É o #40 (#1 do vol. XIII) de autoria do inglês Andrew Smith, em que voltamos a um formato "comic-book" de 28 páginas a preto e branco.

Quanto ao conteúdo temos dificuldades em meter numa gaveta. Há autobiografia light com autoficção, BD cómica-religiosa com um elemento "meta" e ainda alucinações de drogaria e um lobisomem. Olha, o melhor é mesmo ler, meu, ou achas que vais encontrar algo melhor no quiosque?

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Encontra-se na nossa loja em linhaSnob, Kingpin, Tigre de Papel, ZDB, Matéria Prima, Alquimia,  Tinta nos Nervos e Linha de Sombra e Universal Tongue.

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Sobre o autor: Andrew Smith (1966; Suffolk) estudou Belas Artes em Londres. Publicou as suas primeiras BDs em fanzines punk, tendo seguido para revistas profissionais como a Punch e Spectator entre outras. Foi professor e tendo descoberto Portugal com a sua esposa e cão mudaram-se todos para Serpa. Por cá tem publicado nas colecções Venham + 5 e na Toupeira, ambas da Bedeteca de Beja. Nesta última lançou o "comic-book" O Desastre do Palhaço que foi uma bela surpresa em 2022!

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Feedback:

Ondina Pires gostou!!!

O Bandas Desenhadas entrevistou!!

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Será a caneta mais poderosa do que a espada?




A edição portuguesa do Monde Diplomatique tem publicado, sob a nossa coordenação, as respostas a este desafio em Banda Desenhada por uma série de artistas. 

Este mês é a vez de DASL que é avesso a autorias...

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Escape-ism em Lisboa, HOJE

Um mundinho de coincidências! Ainda não recuperámos do feedback da resenha que saiu no Público ao último livro do Svenonius e eis que ele vai tocar ao Lounge HOJE às 21h30! Uma boa forma de acabar as férias ou (re)começá-las, depende de cada um...

O Lounge diz isto: Em 2009, Svenonius visitou Lisboa pela primeira vez para um concerto no Lounge, então a acompanhar o amigo (e boss baterista) Publicist. Quase quinze anos depois, o fundador de Nation of Ulysses, The Make-Up, Weird War e Chain and the Gang regressa ao Lounge para apresentar o mais recente projecto ESCAPE-ISM

CENSURAR ATÉ REEDUCAR ... BANIR QUEIMAR ABOLIR



Censura já!!
de

tradução de Ondina Pires
Colecção THISCOvery CCChannel, vol. -11
formato 16,5x23cm, 168p.
PVP: 13,12 eur


Precisamos de censura. Censura para impedir que a rádio expele o seu vómito imparável. Censura à “imprensa livre”, a qual cria uma versão dos eventos mundiais fantasiada e o enquadramento intelectual para assassínios em massa. Censura aos livros que fazem o mesmo que a imprensa: livros de memórias de figuras políticas e celebridades que deveriam estar presas em vez de aparecerem nos circuitos literários; memórias estas, adulteradas por escritores-fantasma. Censura à indústria cinematográfica por produzir em série apologias infantilizadas e imperialistas, e pornografia pró-tortura. Censura às artes, cujo estatuto de imunidade à culpa explica e perdoa a ideologia degenerada, a qual permite que toda esta “liberdade” seja possível de existir.

(...) Estás disposto a ser visto a ler um livro chamado Censura já!! em público? (...) Sentirás o teu cérebro a bater mal enquanto tenta acomodar-se a algumas novas estratégias hilariantes, absurdas e radicais de como viver neste mundo ridículo 
Washington Post

(...) Mantêm este livro contigo e lê-o, uma palavra de cada vez.
Los Angeles Review of Books

(...) Svenonius sempre foi o mais inteligente da turma... Em livro, Svenonius é como aquele teu amigo que adoras porque, mesmo que a sua visão se divida entre humor, paranóia e ira anti-social, ele nunca dissipa a tua fascinação de como ele chegou até lá. 
SF Weekly

Ian Svenonius é mais conhecido por ser o "frontman" das bandas Make-Up e Nation of Ulysses, mas é também um brilhante crítico cultural com o talento de trazer os melhores tópicos que poderás ler. Nesta colecção, Svenonius escrever poderosos argumentos a favor da Censura, acumular livros e discos, polémicas contra a Apple e Ikea, a "yuppieficação" do Indie Rock, e a depilação de pelos púbicos.
Buzzfeed

A capacidade de disparar em direcções, mais focado na libertação dos projecteis do que no seu trajecto ou eficácia, inclina a leitura para esse registo irónico, mas a assertividade de certas afirmações aponta no sentido inverso, como quando afirma que os muçulmanos dominaram a Península Ibérica apenas porque tinham açúcar... 

Que merda é esta? (...) suspiras, recuperas o fôlego e pegas na obra (...)
Luís Rattus in Loud!

(...) é uma análise política sobre o estado da cultura de uma forma um bocado irónica. E a ironia faz-nos pensar, sobretudo quando é bem feita (...)
Adolfo Luxúria Canibal (Mão Morta) no Expresso



...

Esta colecção de ensaios de Ian F. Svenonius reorganiza as ideias das pessoas sobre censura, Ikea, filmes documentais, o muro de Berlim, danças rock, depilação, Apple, a benevolência aparente da Wikipedia, acumulação de cultura, College Rock, as origens da Internet e muito mais...  até BD!! Foi considerado um dos melhores livros sobre Música em 2015, uma altura quando ainda havia concertos em caves imundas e imundícies em Festivais de Verão. 

Ian F. Svenonius nascido em 1968, Chicago, EUA. Activo na música desde 1988 até ao momento presente, como músico compositor, cantor, guitarrista e escritor, nos grupos Nation of Ulysses, The Make Up, Weird War, Chain and the Gang, Cupid Car Club, XYZ, Escape-Ism. Tem vários textos escritos para revistas e fanzines, alguns são compilados em livros como Recognize, The Psychic Soviet, Keep Your Eyes Open, Supernatural Strategies for Making a Rock 'n' Roll Group e pela primeira vez em português este Censura Já!! 




Podem encontrar uma entrevista ao autor na Stress.Fm na sua visita lisboeta em 2015.

E eis uma entrevista, em 2020 poucas semanas depois de ter sido lançado, no Público sobre este livro.








PS - a Lolita já tem o seu exemplar!! Ó:



segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Elas voltaram! E já foram embora...



Com uma nova cara! Elas? És tu!

Eis a segunda edição das cartas de oráculo ilustradas 

It's you

de 

A artista Amanda Baeza (do livro Bruma) criou uma galeria de 85 retratos a partir de imagens encontradas na Internet, celebrando a diversidade humana e uma miríade de acções e sentimentos.

Com um esquema compositivo e cromático próximo do clássico Tarot de Marselha, essas imagens foram agora transformadas num baralho oracular, pronto a ser empregue de forma livre pelos seus utilizadores. 


Foram feitas duas versões, uma castelhano com a Fulgencio Pimentel, e outra em inglês com a Kus!

Só 100 exemplares da versão inglesa estão disponíveis em Portugal pela Chili Com Carne... e ESGOTARAM!!



Talvez ainda podem encontrar na Linha de Sombra, Tinta nos Nervos, Stet, Vida Portuguesa e Senhora Presidenta (Porto).

Eis fotos dos dois baralhos e um cão enamorado por elas: