segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Sábado underground

Foi um fim-de-semana no mínimo activo em eventos musicais underground, em Lisboa e no Porto - era preciso era escolher a cidade...

Em Lisboa houve um concerto de Presidente Drógado que lançou o EP A minha drogaria (Leote Records; 2012) de seis músicas sobre... drogas! Algumas são sacadas a edições anteriores do Drógado, outras são novas - sim porque este tipo pode ser agarrado mas tem mais pica que qualquer outro músico "clean" que ande por aí.
A versão de Waiting for the man (at Cova da Moura) é de um neo-realismo feliz, A broca é hilariante (excelente imitação de voz de mitra), O vinho e o Haxixe é uma rapsódia divertida... Foi um concerto em ambiente "relax", quase familiar, banda sonora para uma geração que se drogou ou que se droga,... no fundo até se percebe porque o Presidente ainda não foi editado de forma profissional, as editoras fonográficas são geridas por betinhos que não entendem o humor de agarrados e afins...
Antes do Drogadito-Mor apareceu um puto Smiley Face, também "cantautor" humorístico como o Presidente mas com letras dedicadas à vida teenager portuguesa deste milénio. Nice! É bom saber que o "cantautorismo" português está a fugir às secas Bob Dylans + poesia urbana da sarjeta + amor de Deus...

Foi neste concerto que conheci a simpática e fascinada "crew" da Cafreta Records que me arranjaram a sua colectânea Granda Compilação! (2008​-​2011) onde os projectos deste grupo de jovens se manifestam no esplendor DIY do CD-R eda  capa em fotocópia. As malhas que se ouvem passam pelo indie-rock-sónico (Pega Monstro, Kimo Ameba, Egg Shell), alguma electrónica (Go Suck a Fuck), Noise (Rabu Mastah) e folk (Éme) geralmente com letras (quando se percebem no meio da sujeira lo fi das gravações) de inocência (auto)trocista da idade que vivem - conseguindo emitir histórias sobre testes de matemática e namoricos.
Como já devem ter reparado, eles andam na boca do povo, apadrinhados pelo B Fachada e pela Filho Único, o que é estranho dada à leveza musical verde que os projectos deste colectivo ainda se encontram. É difícil perceber se é oportunismo bacoco ou apenas desespero por uma ausência de projectos musicais Pop/Rock com interesse em Lisboa. Talvez seja paternalismo e nostalgia, ao ponto que já se tenha forçado uma comparação da Cafetra à Beekeeper (editora lo fi dos anos 90) por culpa da grande cota-parte de Rock Sónico de ambos catálogos. Mas a única comparação possível será à FlorCaveira, pelo simples facto de que a Cafetra são uns 10 putos que se juntaram numa estrutura comum - por amizade, companheirismo e... "namoradismo". A Beekeeper era uma estrutura vertical, com bandas que tinham o seu individualimo, com percurso próprio e que apenas estavam juntas por haver uma ou duas cabeças que as juntaram com as prácticas DIY da altura: zines (um número apenas seja como for), distro, edição em formatos baratos (demo-tapes em k7) e discos colectivos. Sempre pelo prisma parvinho do Rock Indie / Sónico, só mais tarde é que se abriu ao Garage e Hardcore. No fundo eram as mesmas prácticas do mundo underground Punk, Industrial / Electrónico, Hardcore e Metal que existia em Portugal desde os anos 80. A Beekeeper não era uma família ao contrário da FlorCaveira (unidos pela religião em primeiro lugar, onde nos primeiros tempos cabia Punk ou Grind e só mais tarde a febre do "cantautorismo") ou da Cafetra - que são amigos e têm um leque abrangente de géneros sonoros. Só a pseudo-elite lisboeta, burra que nem uma porta, pouco crítica e ansiosa é que cria um "hype" onde não há nada para "hypar" - os putos são verdes e inseguros e Lisboa continua a ser um deserto com ou sem Cafetra. 
Talvez não haja nada para estragar a não ser nomes fixes como Putas Bêbadas (não se encontram na compilação) e vontade de ser autónomo à falta de tesão lisboeta. Espero que estes putos façam bandas de Death e Grind para afastar os idiotas do costume e para que eu possa ouvir o CD mais do que uma vez - há muito que não suporto esta coisa morta chamada de Rock que se insiste em chicotear...

Literalmente debaixo de terra, na cave do Café au Lait (Porto - esta sim uma cidade que sabe o que é música) foi lançado um novo projecto, o GhunaGangh, parceria de Ghuna X com Rey, à procura de violência punk no formato electrónica pós-dubstep. De facto ela é conseguida se quiserem ouvir no leitor mais abaixo - dizem que partiram a noite do lançamento do disco, eu acredito... As letras do Rey nada têm haver com o delicodoce do seu álbum de estreia nem o som do Ghuna X anda nos passeios cósmicos do seu 12". Ah! a edição do disco é algo no minímo insólita porque é um "patch" (um remendo para colocar no meu casaco de metaleiro arrependido) que dá acesso à descarga em linha do disco. À venda aqui.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Retratos de mis influencias musicales : volumen I : Anglosajones, yankis y otra fauna

Don Rogélio Jr.
Libros Calamidad; 2011

Uma promessa de trilogia de Don Rogélio Jr. - autor de bd, ilustrador, editor, músico conhecido por Tumba Swing - onde revela as suas influências musicais.
O livro é um objecto cuidado com cerca de 70 retratos a músicos do Rock, Jazz, Punk e Blues onde encontramos Billie Holiday, Jello Biafra, James Brown, alguns Ramones, Django Reinhardt, Iggy Pop, Lemmy, Tom Waits, Chet Baker,... sempre com a data de nascimento e de falecimento caso o artista já tenha ido para o Céu ou para o Inferno (se trocou a Alma com o Diabo numa encruzilhada à meia-noite).
É um álbum de um fã para fãs porque pouco se aprende nesta vaidade exibicionista, para além de que a maioria dos artistas são um lugar-comum para qualquer conhecedor de música Pop/Rock com um mínimo de bom-gosto. Não sendo uma cromice-obsessiva como o tipo do Galactic Zoo Dossier, é mais T-shirt material do que outra coisa.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Fim da Canicola


Canicola #9, 10 (Outono 2010, Primavera 2011)

Projectos editoriais de vanguarda têm um prazo de validade. É impossível manter ad eternum uma publicação com o mesmo grupo de personalidades artísticas ou intelectuais numa mesma posição, que geralmente significa repetição de fórmulas e a estagnação - situação grotesca para qualquer criativo. Foi o que aconteceu neste milénio com a antologia finlandesa Glömp que se despediu em glória, e é o que está a suceder com a revista italiana Canicola. Relembro que estas foram os projectos de bd mais excitantes neste milênio.
A Canicola começou como um projecto de um colectivo de seis artistas, em 2004, até que o grupo residente em Bolonha começou a desintegrar-se, continuando um grupo reduzido que têm transformado o projecto numa editora de livros de bd e a revista original em  "formato livro-antologia". A redacção da revista mostra o seu cansanço no número 9 e curiosamente um "renascer" com o número 10. O número 9 têm como tema a "Itália" e consegue ser um número preguiçoso, sem apelo e com um uso excessivo de desenho e livro de esboços para encher páginas. Brilha Giacomo Monti que mantêm a sua linha de "slice of life" sobre a incompetência da vida... Acho que ninguém trabalhou para o tema ou não lhes apeteceu. Já o número 10, dedicado aos Bambini (às crianças), já deve ter dado um entusiasmo aos colaboradores e sente-se essa energia em fazer bds para os "leitores mais exigentes do mundo".
A questão de fazer bds para crianças (vindos do universo da bd de autor) começaram a surgir nos últimos anos quando muitos autores questionaram a existência desse tipo de bd depois de terem lutado desde os anos 90 na afirmação da bd como uma arte adulta artística. Alguém lembrou-se: "E os putos"? Não há nada para eles sem serem os franchisings Disney / Marvel / Asterixes? De forma comercial têm havido séries desenvolvidas pela "nova escola" francesa do Lewis Trondheim, Sfar e acólitos, para não falar do infeliz fim da revista Capsule Cosmique. No meio alternativo editorial da bd, são poucas a experiências nesse campo, talvez até haja uma série delas mas são livros de ilustração para a infância (mais fácil de executar que um livro de bd). Recordo um livro do alemão CX Huth (pela Reprodukt), outro de Tiago Manuel (Saí do meu filme) e alguns números da revista suiça Strapazin - incluindo o número / exposição comissariada por Atak e que esteve patente em Lisboa há 2 anos. Este novo número da Canicola é capaz de ser um marco histórico na exploração deste tema. Com colaborações da finlandesa (e fundadora do colectivo) Amanda Vähämäki, a alemã Anke Feutchenberger, Anete Melece (da Letónia), entre outros autores (a maior parte deles italianos) a revista publica bd pela primeira vez a cores mas não perdeu o calor abrasivo que sempre a caracterizou quando era só para adultos. Se a redacção da Canicola está cansada ou virada para a edição de monográficos, este pode ser um bom número de despedida - tal como, por coincidência o 10º número da Glömp o foi - ou um novo ponto de partida.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Infecção Punk

Acho que gosto de apanhar banhadas... Encontrei-me num final de tarde com o gajo da Zerowork, porque queria-lhe dar o zine brasileiro Prego onde o tinha colocado numa bd e… mais cerveja menos cerveja lá troquei alguns livros bonitos de bd por discos feios de Punk / Hardcore. Como disse, gosto de apanhar banhadas… A questão da bd, onde o gajo aparece, era justamente sobre edição e consumo “elitista” da cultura Punk. O facto do Punk (tal como todo subgéneros do Rock) ter-se transformado num código de folclore urbano, questionava-me porque se dão ao trabalho de editar, por exemplo, apenas 24 exemplares de um disco.

- Não percebeste. Editei apenas 24 discos porque aquilo é muita xunga, o som é uma merda. Têm piada por ser deste ou daquele gajo, e assim a malta pode ouvir a cena em condições invés de uma k7 manhosa... respondeu-me o gajo da Zerowork, enquanto folheava o Prego. Ah! Agora percebo a lógica mas continuo a achar que se trata de mera fetishização por objectos para meia dúzia de saudosistas. Com isto, no entanto, não quero fazer julgamento morais porque acho que todos nós somos livres de escolher, editar e consumir o que quisermos - nas quantidades que quisermos ou podermos. Pelo facto de alguns destes artefactos virem a público é que acho que merecem alguma reflexão crítica

Voltando, à “vaca fria”… Esta questão das edições (ultra-)limitadas dos Punks ainda assim é estranha porque fico a pensar porque raios alguém com 30 anos queira ouvirr coisas que foram da sua puberdade/ juventude!? E porque raios um CD ou vinil hão de ser mais nobres que uma k7? Para começar, alguém que tenha 16 anos é capaz de passar um mês inteiro a ouvir o mesmo “disco” (em k7 ou em CD ou em vinil) vezes sem conta. A pancada de descobrir algo que nos diz muito nesse período da vida leva-nos a ouvir um “disco” em “loop”… Por isso, a k7 ficará desgastada, o CD estragado e o vinil riscado. É um facto! Só me pergunto se tal poderá acontecer com os gadgets modernos como os leitores de mp3, Ipads e afins? O objecto sonoro – ou melhor, o objecto com o registo sonoro – ficará degradado do uso e fará parte de uma experiência de vida passada, onde ela deveria ficar “lá para trás”, como um facto do passado. Como se sabe não se consegue voltar ao passado a não ser que se tenha síndromes de Peter Pan. A verdade é que não há sonho infantil e juvenil que nenhum trintão não possa cometer nos dias de hoje: rever a sua banda favorita há muito acabada (mas que voltou para um festival de verão); vestir uma t-shirt dos Motorhead com o logótipo de 1981 (à venda no e-bay ou feita numa loja de t-shirts da esquina); encontrar uma imagem ou uma versão ao vivo de uma canção (através do inesgotável mundo das reedições fundo de catálogo, oficial ou pirata, ou ainda desde dos tempos P2P aos tempos actuais do youtube e torrents); querer ter um boneco Johnny Rotten articulado no altar em casa ao lado do Noddy; querer ver uma banda que juntasse o gajo X, o tipo Y e o individuo Z (de bandas diferentes a tocarem num projecto)… Falta mais alguma coisa?

É este precisamente o mal da sociedade contemporânea que infectou até o Punk – o género que deveria ser “anti” e “iconoclasta”. Estas edições são apenas uma cristalização de um pedaço da “juventude Punk”. Uma memória transformada num objecto que não existiu na altura e que se materializa agora como um “objecto de colecção” (o vinil) ou de consumo banal como o CD. A ironia é máxima, porque muitas das bandas não conseguiriam editar um disco nos anos 80 ou 90, ou porque eram demasiado débeis ou porque há 20 anos era mais difícil editar seja o que for – já ninguém imagina como o mundo era antes da ‘net, DTP, Macs, etc…

Não foi o que aconteceu com os Corrosão Caótica porque tiveram um single União & Okupação (de 1992, considerado o primeiro vinil 7” de Hardcore português) e um CD em 1995. Saiu agora o CD 2 live shows in 92 (Kontra-Diction + Your Poison + Zerowork; 2011) que reproduz dois concertos desta carismática banda de Hardcore portuguesa, em dois dias seguidos de Abril (11 e 12) que tem “sets” 99% iguais. Ou seja, é quase como estarmos literalmente nos anos 90 e como se tivéssemos colocado o CD em “repeat” na aparelhagem. Hardcore “puro, duro e directo” como dizem no livrinho do disco. Nem mais nem menos. A edição é manhosa porque só inclui uma foto da banda, a capa é sacada ao tal single acima referido (imagem do início deste "post") e umas curtas linhas de texto sobre a banda em tom nostálgico fecham esta peça museológica. Devo alertar que apesar do aroma nostálgico da edição e da música, as letras de 1992 continuarem a fazer sentido em 2012! Acho que foram feitas 50 cópias deste CD!


As bandas White Flag e Crise Total partilham um culto em cada país, uma data de nascimento idêntico e agora um split-EP de 7" (Can I Say + Your Poison + Zerowork; 2011). Os White Flag é punk melódico todo “sing-a-long”, estilo californiano, tocado com energia por gajos com mais de 40 anos em cima - parece quanto mais velho for o Punk mais energia têm – hei, hei, os melhores concertos Rock dos últimos anos, foram dados pelos velhadas D.R.I., Mudhoney e Monotonix!!! Nesse aspecto é impressionante! Os Crise Total são anarco-punk e anti-capitalistas, fazem um Hardcore pesado e rápido, partido por membros antigos (voz + guitarra) e gajos novos da cena (membros de Simbiose e Albert Fish). Bem gravado e tudo o mais, nada a declarar. Não sei quantos discos forma feitos mas não deve haver muitos…

Por fim, ainda edição da Zerowork, o single Sex, Drugs & Reggae dos The Ratazanas, que se apresenta sem capa tal como era na Jamaica em 1963 ou algo assim (o que deu origem ao que se chamam hoje de “white-labels” na cultura DJ). Banda ska / early-reggae é editada por uma editora Punk porque desde que os punks portugueses perceberam que em Londres de 1976 ouvia-se som jamaicano nos concertos Punk (porque ainda não haviam suficientes discos de Punk para passar nos intervalos das bandas), de repente os Punks curtem desta importante ilha – foi dela que saiu quase toda música urbana que se ouve hoje: ska, reggae, dub, dancehall, hip hop, electrónica, etc... Mas os punks só ouvem o que seja “early reggae” ou “roots”, depois disso é moderno de mais para esta malta! The Ratazanas emulam todo o género de forma que teríamos poucas certezas se o disco é de 1970 ou de 2010 (data da sua edição). Talvez por serem uma “ratazana in vitro”, que a banda foi reconhecida internacionalmente, com discos lançados pela editora alemã Grover e anda a fazer tournês europeias. É estranho querer-se fazer uma recriação perfeita do passado – outro fenómeno bizarro da nossa cultura contemporânea, vide o Metal com o regresso ao Trash, por exemplo. O que é fixe mesmo é colocar o disco em rotações erradas, em 33rpm e ouvir como se fossem versões Dub dos temas, funciona melhor com o tema do lado B, Sewer Stomp. O single é limitado a 300 cópias, já não deve haver!

Angoulême report / off

E mais um ano houve um Off ao programa oficial do Festival de Angoulême. Criado há 3 anos pelo Le Dernier Cri têm-se mantido e crescido este evento essêncial para festa e descoberta de editoras e colectivos alternativos ao grande circo das tendas mercantilistas do Festival.
Este ano alugaram um espaço comercial no centro da vila onde estavam cerca de 20 editores, entre eles a Chili Com Carne.



O cartaz foi obra do Mattt Konture, autor que tem uma carreira enorme, importante e influente mas sempre à margem dos focos da fama. Também foi realizada uma exposição com trabalhos dele no espaço do Off e exibido um documentário sobre o seu trabalho.



Eram três salas de excesso visual mas com menos lixo comercial, onde se encontravam também sérvio-croatas (do Komikaze) e a sueca Wormgod.



A banca da Chili Com Carne... O best-seller (mais uma vez!) foi o disco dos Çuta Kebab & Party - acho que vamos parar de publicar livros e zines!!!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Só vejo monstros por todo lado...




A escatologia, paganismo e mau-gosto andam de boa saúde. Nunca antes na História da Humanidade se criou e editou tanta arte "degenerada" e "herege", graças às tecnologias baratas (ou demográficas como as impressoras, k7s e CD-Rs) ou às digitais e à cultura DIY. A censura não pode controlar a produção "underground", tanto que se pode comprar, por exemplo, o disco Urine Junkies dos Abscess na Amazon - por acaso gamaram-me este CD na única vez que me assaltaram o carro, os agarrados devem ter ficado a pensar que estava a gozar com eles... E o que se pode fazer quando há bandas portuguesas com nomes como Vai-Te Foder ou Putas Bêbadas? De repente Holocausto Canibal, Presidente Drógado ou Traumático Desmame parecem nomes inocentes, não? E o festival Colhões de Ferro? Querem ninfetas a serem fornicadas por Diabos com enormes falos? Procurem os livros do Stud Mead pelo Le Dernier Cri - aliás, são os livros mais vendidos da editora. Querem o Jesus Cristo a ser sodomizado? O nome de Mike Diana diz-vos alguma coisa?
"É o sinal do Final dos Tempos" dirão os religiosos de direita. No caso dos cínicos de esquerda poderão dizer: "fala-se muito e cria-se muito ruído para os temas importantes serem abafados". Pouco importa, ao menos um gajo diverte-se muito mais a ler, ver e ouvir livros, zines e discos do que nos tempos em que fábricas de discos recusavam a prensar os discos dos Crass ou quando juízes da Florida proíbiam o Diana de desenhar. Claro que vídeo-clips banidos e outras censuras continuam por aí mas já ninguém mete mão em tanto excesso editorial de bandas e zines com virgens ensanguentadas e cruzes invertidas. De Espanha, surgiu um molho de publicações dedicadas ao Satanismo-porque-podemos-mandar-o-Cristianismo-às-favas, editadas pelo Petit Comitê Del Terror que se sub-intitula de Disavant-garde Publishing. Fazem antologias como Vomitorium - que neste #3 mostra que é um zine mesmo à maneira com oferta de lámina de barbear para suicídio higiénico, bds e ilustrações porcalhonas (com montes de bodes, caveiras e pilas), experiências gráficas interessantes e assemblagens. O nome dos artistas está num índice tão fodido de se ler que não dá para identificar quem é quem. Muito bom! Depois há monográficos, dois de Victor Dvnkel Frvctvoso (que desconfio que deve ser o Monge Negro desta casa editorial) com uma bd gótico-esotérica, Katabasis, e um mini-zine de desenho Magical Mystery Träsh - e "trash" resume o conteúdo. Outro mini-zine é La chute de Laura Höldein, parece uma novena dedicada a uma carta do Tarot, creio.
Mas há mais... O Monge não se fica pelo campo visual e faz também CD-R diabólicos como Sonor Potestas (Demonodrome; 2011), uma compilação pós-Satânica-Industrial-Black-Metal-techno-punk em que nada do que conheciamos por estes géneros sobrevive à lixeira mental e tecnológica de gente como DJ Muerte, Misa Negra, Contador Geiger, Las Barbas Indomitas, etc... que fazem um chamamento ao Chifrudo da forma correcta, isto é, com o som todo lixado em que não há aqui respeito por dogmas pelo Noise, Drone, Dark Ambient, Black Metal e essas paneleirices. Tanto que o ponto mais alto é um "pasodoble" com glitches. O Diabo até se passa com estes espanhóis, é caso para gritar: Olé Satã!

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Baku


Carlos Maiques
Col. TRRRzine!, Ediciones Valientes; Nov'11

O Martin é um valente! Além de organizar o Tenderete, distribuir as nossas edições na sua Bolido de Fuego, ser um autor de bd com sumo, um ilustrador impressionante é ainda editor de três zines fabulosos: El Temerário (de ilustração), Kovra (de bd) e agora este TRRRzine! - de bd, formato A6 e baratinho... As condições de muitas colecções do passado: Patte de Mouche (pela L'Association), o Quadradinho (do saudoso Salão de BD do Porto) e mais recentemente o Filme da minha Vida (Ao Norte), etc...
Inaugura bem a colecção com uma bd "abstracta" com possíveis identificações de algo de imaginário de ficção científica e figurações humanas. Caí o rótulo "abstracto", sem querer ser cínico até porque o trabalho é fresco e interessante, mas acaba por ser aproximar mais das desconstruções / colagens / "remixes" do alemão Dice Industries. É curioso que este tema da abstração na bd esteja a ser alvo, nos últimos anos, de publicação e estudo nos EUA e Portugal pelas mãos de Andrei Molotiu (que compilou um livro para a Fantagraphics), Pedro Moura e o Diniz Conefrey.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Luz no fundo do túnel


PMDS (Thisco; 2012)
The Sleeper Has Awakened (Thisco + A Gaveta; 2012)

2012 parece ser o regresso da editora Thisco à vida. Estão com um síto oficial remodelado (vão lá espreitar que aquilo está 5 estrelas!) como já voltaram ao mundo das edições fonográficas após alguns anos de hibernação – relativa se considerarmos as antologias Antibothis e outros volumes inseridos na colecção THISCOvery CCChannel.
(Re)começa de forma modesta, um CD-EP de 3 temas / 15 minutos, estreia do projecto The Sleeper Has Awakened (não podia ser mais irónico e coincidente este nome) que nada mais nada menos é Rui Bentes (do projecto shhh…, um dos projectos mais interessantes do catálogo da Thisco) e Helder Luís. Estamos perante Ambient com tiques de IDM e que pontualmente aparecem rasgos de “industrialismo” e “noise”. Não vamos encontrar neste registo o drum’n’bass e breakbeat que caracterizam os discos de shhh… mas dele vamos encontrar o seu “know-how” sobre produção e captação de som – é impressionante que mesmo nos momentos mais ruidosos todo o conjunto sonoro é límpido.
PMDS é um trio que deambula competentemente pelo Trip Hop, numa colagem mais do que óbvia aos Massive Attack sem o mesmo interesse e o "black sound". Isso é substituído por uma morte lenta caucasiana com letras pedantes ou insignificantes (tanto faz) que se topa que é um português a susurrar em inglês - por isso, os temas instrumentais são o melhor do disco. Se tivesse gravação / produção do shhh... ainda seriam melhores e talvez conseguissem dar a volta à referida banda de Bristol. Dentro do género a Thisco já editou um projecto melhor na compilação Thiscology (2004), Oxygen, que apesar das semelhanças óbvias conseguia ser menos "certinho" que estes PMDS. O que se sente neste disco é que sendo o nome da banda um acrónimo para "processor", "modulation", "density" e "sequencer" deixaram-se dominar justamente pelo fascínio asséptico e assertivo da máquina. Não arriscam apesar dos mil "glitches" que envocam nas faixas, no final tudo volta à Terra como se nada tivesse acontecido. Já sei porque não curto brancos!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Angoulême report / (muito) devagarinho...


Quem da CCC foi este ano de Angoulême ainda não se recuperou da viagem de 13 horas de carro de regresso... Por isso, a reportagem anda a passo de caracol.
Começamos com uma fotografia tirada à socapa a um quadro (absolutamente maravilhoso!) da alemã Anke Feuchtenberger, autora que estará em Março, no Porto, no novo evento MAB. O quadro estava patente na exposição Une autre histoire : bande dessinée, l'ouvre peint, no Museu da BD, dedica às relações entre a bd e a pintura. Tema curioso e abordado sobre o prisma europeu, cujo único senão era forma de disposição das obras. O museu não tinha condições para expor arte de grande formato, como acontece com telas de pintura, ficando tudo um bocado encafuado...



No antigo CNBDI (agora Bâtiment Castro) que alberga a Bedeteca de Angoulême, estava a exposição de retrospectiva de Art Spiegelman, o homem que mudou os paradigmas da bd umas duas ou três vezes. Desde os seus primeiros passos como ilustrador de trading cards como no movimento "underground" dos anos 60 e 70, da revista Raw ao Maus, passando pelo 11 de Setembro até ao seu trabalho gráfico na New Yorker, estava representada a sua carreira por completo. Algo que já merece uma deslocação a Angoulême caso Spiegelman não tivesse também criado uma exposição da sua colecção particular de originais de bd, que faziam uma "História dos Comics" no Museu da BD.
Depois deste ano, acho que não é preciso ver mais exposições de bd, afinal tudo o que é de se respeitar estava lá representado: Harvey Kurtzman, bds da EC Comics, originais da Raw (Gary Panter, Charles Burns, a bd Here de Richard McGuire, etc...), tiras e pranchas do príncipio do século XX,... e a joía da coroa: os originais "perdidos" de Binky Brown Meets the Holy Virgin Mary, de Justin Green, a primeira bd autobiográfica norte-americana.
Voltando ao "CNBDI-Castro" havia uma exposição de "BD Sueca" (assim mesmo divulgada) mas que não passava de uma colectiva de seis autores suecos. A Sociedade de BD Sueca, nossa parceira do Futuro Primitivo que nos perdoe, mas esta foi a pior exposição que já tenha visto em Angoulême em 10 anos que lá vou. Até a bd norueguesa está a ser melhor promovida.


Dizia que afinal não haveria mais exposições de bd para ver? Eis que apesar de tudo aparece uma surpresa ou outra em Angoulême, neste caso era a de Vincent Sardon, no Teatro Municipal, que mostrava os seus "originais" - carimbos que usa para fazer ilustrações.