terça-feira, 19 de abril de 2011

Eu não quero ver o Porto a arder!


Foi um fim-de-semana brutal no Porto a da Feira do Jeco... Ainda estou a recuperar da cidade que têm mais arte por metro quadrado e a melhor música do país - bastou o concerto de HHY & The Macumbas na noite de Sábado para perceber isso.  Finalmente  consegui ouvir / ler as edições que trouxe de lá depois de tanta animação e festa como se pode ver pelas fotos tiradas pelo Ghuna X. Só o Jeco é que não entrou...

Para uma feira tão pequena teve até muitas novidades editoriais, alguns lançamentos ou pelo menos resumiu bem a cena independente do momento com especial enfoque no Norte, claro. Começamos pelos mais velhos, já lá vão quatro números da «revista de poesia» Piolho (Ed. Mortas + Black Sun; Mai'10-Mar'11) que na realidade é um fanzine fotocopiado A5 que ou sofre de falta de modéstia ou não quer criar ruído de comunicação à população (quantos sabem o que é um fanzine?). É uma reacção à ausência de publicações que publiquem poesia - género literário desdenhado pelo mercado - em que assume o papel da falência da Poesia sem pejo ao publicar num formato económico. Atitude lógica, o contrário seria o "zero" ou o "fim". Não sendo eu fã de Poesia é-me difícil considerar sobre os trabalhos publicados mas uma coisa é certa, sente-se energia por aqui!

Já é chavão que "a revolução não ser passada na televisão" - o que não é bem verdade, vide a "Primavera dos Países Árabes" - mas se dependermos de publicações como a EVUSP (Las Cucarachas) que no segundo número (Jan'11) é o mais certo que "Revolução vai passar nas revistas de novas tendências" de tão "clean" e "design" que é. Este zine é todo ele "esquerda" - contra o Capitalismo selvagem, contra a alienação,... - mas é tão "fashion" a nível de aspecto gráfico e sonoro - ah! sim, é acompanhado por um CD de "spoken-work" e poesia musicada - que acaba por nada trazer de novo para qualquer mente sabida. No fundo, tal como milhares de bandas de Death Metal ou de Hip Hop, é mais um grito de revolta mas que nada altera o estado das coisas. E eles próprios sabem o que está mal quando Chullage (muito à Saul Williams) diz/ escreve «não só pensamos com computadores, também pensamos como computadores». Exacto, esta "Expansão Violenta de Um Sentimento ou Paixão" precisa de carne, ossos, nervos, vómito, tudo ao natural sem corantes e conservantes, PVC, PC e mp3. No fundo, sendo este colectivo capaz de se esforçar para um objectivo comum - uma publicação que junta ilustração, poesia/literatura e som, e dentro do género (qual?) com pernas para andar - deveria era partir cabeça de como se parte o sistema. Invés de poesia revolucionária preferia saber se é possível arranjar um advogado que conseguisse acabar com os outdoors nas ruas, por exemplo. Ou que fizessem um workshop com putos para danificar cartazes publicitários. Isso sim seria um soco na besta capitalista!

O Rey fez o melhor vídeo de Hip Hop de sempre... mas também o álbum que mais me desiludiu... A sua estreia com Sua Alteza o Vagabundo (ed. de autor; 2011) é um álbum de Hip Hop igual a cem álbuns de Hip Hop Tuga (percebo agora o que o Ex-Peão queria dizer com isso). Talvez algumas frases sejam mais fortes mas o "blá-blá-blá" autofágico e paranoíco é de sempre - pergunto, mas quem são os gajos xungas da cena? porque têm eles tanta importância para estarem sempre a ser denunciados mas sem nomes explícitos? -, uma faixa com vozinha de ir ao cu R'n'B, uma falta de coragem em sair do normalizado beat (já para não falar das orquestrações dramáticas xungas ou a guitarra acústica "sensível"),... Inexplicável! Um tipo que faz o vídeo mais antagónico aos clichés do Hip Hop acaba por não conseguir sair da caixa. Só há "bring da noize" em Rua, verdadeiro hino ao graffiti, que chega às formas sonoras mais contemporâneas, que dá o power e o groove que as palavras de Rey precisam. Correm rumores sobre a participação do Rey com o Ghuna X talvez aí finalmente teremos algo "dread" à séria tal como o Ghuna conseguiu traduzir a M7 em algo decente. Já agora, ela e a Capicua, são as Sygyzy, dupla feminina que participam neste disco, e tal como Rey, apesar das letras cortantes não conseguem fugir às palas do Hip Hop convencional. Parece que há muito que o Hip Hop falha como linguagem plástica, o que não é de admirar, nascida quase ao mesmo tempo do Punk e do Industrial, ambas há muito que se tornaram caricaturas de si mesmo (Eminem, Rammstein ou Green Day). Viva o Breakcore!

E por falar nisso... o Rudolfo têm novo álbum! Só os panilas ainda não compraram esta joia de 8(hate)bit nacional, intitulado Vampiro do Gueto que apresenta um Rudolfo que já não tem 17 anos a dizer xixi cócó mas um rapazola a mudar a voz e a escrever letras semiópticas. A estupidez da juventude continua mas está em metamorfose, as borbulhas desapareceram mas nada indica que vai sair daqui uma borboleta. As letras parecem mais Dark (Teen Angst?) e correm o risco de ficarem "intelectuais", o que não é um problema mas o Rudolfo já não é Rudolfo. Já é o Rudeman ou o Rudolfão. A mudança ainda não é total porque ainda há aqui muitas músicas muito parvas, divertidas, "nerds" e porcas como Poder Lunar, que fala da série de anime Sailor Moon. Todos irão desejar que o Rudolfo fosse conservado em formol e que não crescesse mas infelizmente não é o que vai acontecer. Seria fixe ele arranjar um puto, em jeito de franchising, que fizesse de Rudolfo-de-há-um-ano para continuarmos a ter acesso a esse Rudolfo que já não existe - se os Devo fizeram isso porque não pode fazer o Rudolfo? Os valores de produção sonora elevaram - está mais clean, sem dúvida - enquanto os da embalagem mantêm-se grandes como sempre - quase pensamos que estamos a comprar um single em vinilo no primeiro contacto com o objecto.

Vale a pena ouvir este puto que já 'tá na universidade! Até porque isso não o impede de ser um hiper-activo na cena underground, quer na música quer na bd. Ainda há poucas semanas lançou o primeiro número do zine Lodaçal (Rurucomix). Iniciativa de se louvar que pretende ser uma antologia trimestral de bd. Em 36 páginas A5 reúne um misto de autores novos (Natália Andrade, Maré Odomo), novos mas activos (o próprio Rudolfo, Afonso Ferreira, Tiago Araújo), uns velhotes (Marco Mendes, Christina Casnellie,...) e o Ricardo Martins que não sei em que saco colocá-lo - porque raramente saí trabalho dele cá para fora, e que aqui participa com uma bd toda bem feitinha e isso tudo. É uma mistura estranha mas que mostra um panorama diversificado de estilos e de vontades. Estaremos perante um "great comix zine revival" com iniciativas tão sincopadas como alguns títulos do ínicio de milénio? Espero bem que sim! Próximo número já está programado para Junho!

Outra novidade do Jeco, uma recuperação de baú industrial, cortesia chifruda, de um split'CD-R de Derrame Sanguíneo e Sektor 304 cujas primeiras 50 cópias contem um fanzine de 20 paginas com textos de André Coelho e Gustavo Costa, assim como artwork exclusivo de Coelho e uma capa serigrafada nas Oficinas Arara. «Derrame Sanguíneo foi um projecto de Gustavo Costa (infame baterista de diversos projectos como Motornoise, Most People Have Been Trained To Be Bored or Lost Gorbachves) e Iur, um visionário / doido devoto ao Industrial. As faixas apresentadas neste projecto são as únicas gravações deste projecto e são um bom exemplo do Industrial feito em Portugal durante o final dos anos 90 e inícios do século XXI. Industrial do virar do século, repleto de vocalizações ásperas, palavras duras e batidas programadas odiosas.
A segunda metade deste split pertence a Sektor 304, um projecto bem mais recente que apresenta aqui 3 faixas exclusivas dos seus inícios, incluindo uma remistura da única gravação de Intonarumori, a banda imediatamente anterior a Sektor que continha nas suas fileiras membros como Tshueda (ex-Hospital Psiquiátrico) e J.A. (Wolfskin, Karnnos). Sucata, batidas tribais e ruído.» Press-realease dixit. E diz muito bem, ao ouvir estas peças do passado vamos mesmo de máquina do tempo para sons de "junk" a sério, imaginário Dark, sem tampões nos ouvidos... nada a declarar! Já agora podiam reeditar as gravações de Hospital Psiquiátrico que também merecem uma edição tão ilustre como esta!

Por fim, saiu mais um baralho de cartas de Ricardo Castro, Monstruário, continuando a adaptação de Maldoror. As minhas dúvidas persistem em relação ao projecto e à obra literária. O que posso dizer é que gostei mais deste baralho porque o desenho é mais desenho orgánico e menos "design". Acho que está muito melhor...

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