O que leva um autor de BD conhecido da nossa praça (e que não revelaremos a identidade) desenhar um zine como
Ceci n'est pas une bite de canard?
O zine foi editado pela nova
40 Ladrões,
é composto por 16 páginas A5 com BDs e desenhos que usam imagens de outras BDs comerciais mas construídas com várias sobreposições de desenhos e com "detournements" nos textos. Será que é para gozar com essa cambada de pichas-moles dos "bedófilos"? Para subverter uma cultura estereotipada da Disney, Marvel,
fumettis porno e Manga? Por puro prazer gráfico? Por todas estas razões? Algumas delas razões podem ir até aos tempos das
Tijuana Bibles (revistas norte-americanas pornográficas de BD dos anos 20 e 30) em que segundo as palavras de Art Spiegelman a sua razão de sucesso passava pelo
the thrill of violating copyright and licensing law as with sexual need. Outras razões é porque
vivemos uma cultura de "copy / paste".
Este "Isto não é uma pila de pato" vai buscar emprestado o
Ceci n'est pas une Pipe do quadro "A Traição das Imagens" de René Magritte e o autor do zine tal como Magritte também não nos quer mentir. Estas BDs rapinadas não são nem vida real porque uma pila de pato é um caso sério (basta procurar no 'net quem quiser ficar enojado ou fascinado com o orgão da ave) e o que se sente ao ver este zine é o mesmo o que sente quando se vai visitar uma fábrica de salsichas... deixa-se de comé-las! O "universo" Disney (ou os outros referidos) são uma fantasia degenerativa que merece ser esticado a outros niveis, a maior parte deles proíbidos pelas empresas que detêm os seus direitos. Mas mais do que um autor poder reclamar as fantasias para o seu trabalho, acabando até por as renovar, faz parte da luta deste século estancar os abusos da cultura das empresas multinacionais e do capitalismo selvagem que estão a transformar os humanos em pequenos idiotas bárbaros.
Este zine coincide com este ano de 2014 marcado pelo triunfo da barbárie a julgar pelo sucesso da Comicon Portugal, um evento de cultura Pop que nada ofereceu para além de vaidade e exibicionismo do próprio público. Ou seja, o evento era feito pelos próprios pagantes (que praticam
Cosplay) e estes lá dentro não tendo nada para fazer só lhes sobrava comprar o que estava nos stands - convenhamos depois de 15 minutos de mostrar a bundinha de Darth Vader o que resta fazer? Segundo contam as empresas que lá estiveram, o consumo foi histérico, seja para comprar "action figures" seja para livros de BD de qualquer espécie. Nada contra o facto de uma criança ou um adulto fazer costura e mascarar-se de Pokemon gigante e nada contra eventos que o único objectivo é mostrar as máscaras e vestimentas feitas, cada um pode-se divertir como quiser! O que é vergonhoso é o evento obrigue a quem o faz existir a pagar entradas. É aquela máxima "pagar para trabalhar" que parece tão medieval mas tornou-se perfeitamente contemporânea à cara-podre bem sorridente. Os fãs não sabem organizar-se por eles próprios e criar os seus próprios eventos já que sabem costurar? Ou só nas "Cons" (não significa "aldrabar" em inglês?) é que se pode vestir de super-herói sem a DC por um processo judicial em cima? De repente até a BD Amadora já parece um oásis de cultura... Será que lá aceitam mostrar pilas de patos? Sem dar numa de "con man" é melhor comprarem este zine antes que venha a carta de advogados.
Na Feira das Almas uma presença regular é o da ilustradora
Margarida Esteves que tal como dezenas de outras pessoas que se dedicaram à Ilustração encontraram um mercado sem força nos últimos 10 anos. Alguns culpam a crise outros os conteúdos baratos digitais mas como bem sabemos o que se passa é apenas falta de cultura sobre a imagem da sociedade portuguesa em geral e em em especial nos jornais e editoras - lembram-se quando o jornal
Público decidiu deixou de usar ilustração ironicamente no mesmo ano que venceu os mais importantes prémios internacionais de imprensa graças aos desenhos de André Carrilho e outros ilustradores? Pois...
O resultado é que a ilustração tem aparecido ou como uma substituição do mercado de galeria de Arte (no caso de muitos graphzines) ou como um novo artesanato urbano que decoram produtos. Prefiro a segunda opção porque decorar a nossa existência de forma mais personalizada é um acto de rebeldia contra as t-shirts dos Ramones da H&M ou carteiras da Hello Kittie. O problema tem sido as limitações artísticas das ofertas dessas ilustrações que aparecem, geralmente como coisinhas demasiado queridinhas ou sem imaginação. O trabalho da Esteves não é a minha onda, isso é certo, mas no meio dos seus produtos "cute" encontrei um zine bem engraçado que pretende ser uma série e que só arrisquei o segundo volume, o
Norberto nas Montanhas. Trata-se de um urso que se mete em sarilhos ou que apanha com malta estranha - como o Sr. Melro que colocou uma pata extra na órbita do olho que já não funcionava (oh yeah!). Réplica da lógica "Os Cinco na Coina", "Uma Aventura em Chelas", "Anita muda de sexo",... ok, ok, não é bem isto mas perceberam... Ah! Norberto no próximo volume vai apanhar chuva e eu vou ver se ainda o apanho! Esteves está de parabéns desde logo por não ter ficado pela mera ilustração de postais e afins ou de ter feito um graphzine cheio de desenhos à toa. Dirigiu a sua criatividade para um zine de texto ilustrado que merece ser seguido!
Saiu o novo volume do
Portuguese Small Press Yearbook, desta vez dedicada ao tema do "trabalho colectivo" onde se encontra a "nossa" Chili Com Carne! Importante este trabalho de compilar informação e testemunhar prá História mas o
PSPY poderia ter um bocado mais de
joie de vivre e sobretudo um design mais arriscas mesmo que saibamos que não é fácil ter informação em trilingue. Se as editoras deste anuário têm referências em projectos editoriais com grafismos ousados como os do
Clube do Inferno ou Oficina Arara, não percebo a "cegueira"... Deveriam contratar
O Panda Gordo que em Maio lançou publicamente o relatório de projecto
Sobre a concepção, edição, produção, distribuição, etc... de Fanzines, trabalho universitário da licenciatura de Design de Comunicação das Belas Artes do Porto. Quer em atitude quer em aspecto mete o
PSPY num canto. Parte relatório formal (cheio de citações para a academia encher o olho) parte desabafo de fracasso e glória de quem descobriu a libertação artística através do formato fanzine. Entre as diatribes com o mundo universitário (e Bolonha nada acrescentou, Panda, a universidade sempre foi uma grande merda), o funcionalismo e o empreendorismo (ler, falência do capitalismo), o Panda processa as experiências que teve com a sua envolvência na cultura DIY nos últimos anos e como estas práticas modificaram o seu modo de pensar sobre criatividade e as consequentes questões como a política e a economia. Sendo o documento mais importante sobre fanzines desde os textos de Daniel Lopes (in
Hoje, a BD 1996/99), os "bedófilos", os "cosplayers", as ilustradoras e as académicas deveriam ler isto, talvez não mudassem de opinião e posição no mundo mas pelo menos não poderiam dizer que não sabiam que [cortar] / [colar]