terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Dossier 2013 de fanzines e edição independente

Todos os anos arranjo fotografias parvas para colocar nestes resumos do que aconteceu no ano anterior referente à edição independente de / sobre Banda Desenhada e Ilustração. Esta fotografia foi tirada pelo sueco Lars Sjunnesson em minha casa, quando preparava um embrulho para enviar por correio, um livro encomendado durante as minhas férias de Verão (Agosto 2013). Queria só defender este pequeno solipsismo, mostrar que ele não é assim tão ordinário como isso. Ora, quem é que se mete nestas coisas da edição independente, não só tem as habituais dores de cabeça com toda a produção e comercialização dos produtos que lança como ainda por cima trabalha durante as férias!!!

“Quem corre por gosto não se cansa” diz-se por um lado e por outro, há quem diga que no mundo profissional estas coisas de trabalhar quase 24h tornaram-se até banais – algo impensável antes da histeria da crise e consequente degradação do mundo do trabalho no Ocidente, em particular em Portugal.

Trabalhar nada tem de glamoroso por mais quer a propaganda capitalista ou a comunista nos tentem enfiar pelas nossas goelas abaixo. Seja um mineiro ou alguém frente a um computador, o trabalho dá sempre cabo do nosso físico, deforma-o e coloca-nos em perigos desnecessários. É o que relembra a nova BD de Bruno Borges, que adapta Abolição do Trabalho (Crise Luxuosa; 1998) de Bob Black, editada num livro "chic-freak" intitulado The Abolition of Work, vol.1 (Arara/ Buraco). Trata-se de uma adaptação integral do texto e que esperamos para breve saírem os restantes volumes em BD.

O que Black diz é que só deveria haver trabalho que nos fosse útil, pedagógico e divertido, algo que num sistema como o nosso onde se produz as bugigangas mais idiotas e "apps" para estarmos 100% ligados ao mundo fascista do Big Brother, será uma Utopia difícil de alguma vez se concretizar. Apesar de tudo, se há coisa que me dá felicidade é trabalhar prá Chili Com Carne ou MMMNNNRRRG, mesmo que interrompa o descanso das férias, é porque neste mundo da edição independente não impingimos nada a ninguém. Quando surge uma encomenda de alguém sinto que estou enviar não apenas um livro qualquer para uma pessoa qualquer. Sinto que quer o livro quer a pessoa são especiais. O livro porque foi feito com amor e dedicação contra os esquemas mercantilistas e no caso da pessoa porque fez um esforço para encontrar o livro. Não o fez num impulso consumidor sem consciência porque foi bombardeada com publicidade o tempo inteiro. Deve ter ponderado até nos contactar, e fez isso também nas suas férias…

Infelizmente tudo isto relatado soa a “hobby” de meia-dúzia de cromos, e mesmo com a população portuguesa a diminuir, é estranho que não apareçam mais pessoas interessadas para este tipo de publicações. Como se consegue expandir a cena da BD em geral e a de autor em especial? Esta parece-me que foi a preocupação da cena independente em 2013.


Rendez-Vous

Um problema que se colocava em 2013 era como seria a edição independente depois do final da Feira Laica, local de encontro e venda de material independente que se concretizava duas vezes por ano, sobretudo em Lisboa. Foi o grande evento do género nos últimos oito anos, chegando até a criar um ritmo sincopado para o lançamento de novidades. Não foi preciso entrar em pânico, pelos vistos, porque a Laica foi imediatamente substituída pela Feira Morta na essência dos seus moldes, chamando a tribo à mudança, mantendo o encontro duas vezes por ano e com um programa idêntico: concertos, exibição de filmes, exposições / instalações, etc...

Há quem diga que é uma "Laica mais punk” e topa-se isso pelo lado mais desbundado da programação, que parece que irá pouco a pouco criar a sua própria identidade fugindo à característica mais aberta ao público que tinha a Laica. Parece que a morte da Laica fez ressuscitar mais duas feiras que andavam dormentes, a F.E.I.A. (com uma terceira edição como sempre no Montijo) e a Feira do Jeco (com duas novas edições, ambas no Porto). Voltaram maiores do que nunca mas tal como na Feira Morta, estes eventos não conseguem sair da armadilha que é preciso concertos de música para virem pessoas ao mercado do livro... A Laica em 2012 conseguiu mostrar que a "edição independente" tinha público por ela própria, como se provou na afluência de público das últimas duas Laicas. Este potencial no entanto não está ser aproveitado por nenhuma destas três organizações. Esperemos no entanto que 2013 tenha sido apenas um ano de transição para que 2014 seja mais assertivo.

Até porque o tempo urge porque o conceito (ou será "soundbyte"?) de “feira de edição independente” parece que está na moda, o que significa que já começaram a aparecer abusos de organizações a quererem capitalizar o conceito em situações de que cultura DIY nada têm - e têm ainda muito menos vergonha para pedir 15 euros por uma mesa, por exemplo, não compreendendo que quem faz destas publicações, faz na sua maior parte do tempo livre e parcos recursos, e não por necessidade económica e exploratória. Não se trata de colocar a "edição independente" numa patamar de virtudes, fria ao dinheiro e ao lucro mas antes de pensar que este é um mundo que tanto se encontram putos pré-universitários com zines baratos como colectivos com livros mais bem produzidos e luxuosos mas que se regem ambos por ideais de "preço justo", e que já são explorados por estágios profissionais e outras sacanices, não o precisam de ser também explorados pelo suposto meio que ajudam a criar.

Parece-me dogmático mas talvez os únicos que devem organizar "feiras de edição independente" são os que realmente o praticam e não pessoas de "fora" - com o risco de se banalizar o conceito e um dia até termos uma FNAC ou o Pingo Doce a fazer uma feira destas, não? 

Ao longo de 2013 ainda houve outras pequenas iniciativas como a Pulga do Gato (na livraria Gato Vadio, Porto), a Edita (evento espanhol mais ligado à poesia) passou por Lisboa, a Necromancia Editorial no Festival Milhões de Festa (Barcelos) e Jeux Sans Frontières no âmbito da Trienal de Arquitectura, Lisboa.

Houve no entanto outros eventos que não deixaram de ter a sua graça ou importância, como o divertido lançamento do livro O Hábito Faz o Monstro de Lucas Almeida que incluía corridas de “sofás-skates” nas ruas da Parede, o encontro de criativos Pitchzin em Santa Maria da Feira, a importante exposição “Lixo Futuro” na galeria da livraria de BD Mundo Fantasma que apostou numa nova geração de autores portugueses, o convite do Doc Lisboa para apresentar a colecção LowCCCost da Chili Com Carne e a inesperada “exposição-memória” da loja Mundo da Banda Desenhada / Op (1977-1987) em Setembro nas Escadinhas do Duque – espaço onde muita gente se cultivou no passado com publicações alternativas.



Up!

Uma coisa insólita que aconteceu em 2013 é que a BD profissional ou comercial de autores portugueses deixou de existir! A grande editora Asa (do grupo Leya) que editava algumas “coisas” – a maioria inexplicável e contra a maré dos tempos – deixou de o fazer. Ainda há o “Piçaboy Mendonça”, uma produção luso-argentina que consegue ser ainda pior que o velho Jim Del Monaco dos anos 80, que tem chancela da Tinta da China mas toda a produção BD portuguesa está actualmente entregue a editoras independentes.

Sem futurologia possível, desde meados de 2013 que ficou o campo aberto para as editoras resistentes como a Chili Com Carne, Kingpin Books, MMMNNNRRRG, Mundo Fantasma / Turbina e Polvo, que continuaram activas e com alguma dinâmica, com a hipótese de aumentarem a sua importância no mercado livreiro, face a uma ausência de qualquer tipo de BD editada de autores portugueses nesse mercado. E mesmo em termos de BD estrangeira! A única a trabalhar regularmente é a Devir, uma vez que a Contraponto deixou de publicar BD apesar do sucesso (?) de Marjane Satrapi e Alison Bechdel…

A  única estratégia que acho interessante, independentemente se o espaço abriu mais ou não, é que a BD que se edite tenha de ser interessante para um público fora desse "guetho". Para isso tem de ser uma arte “viva”, que conte ou que esteja envolvida no dia-a-dia das pessoas, ou que traga ideias novas como aliás qualquer outra arte faz. Num mundo de blogues e redes sociais que se pode criar comunidades do mais microscópico elemento subcultural, cada um pode ser o maior do bairro. O problema é depois do Bairro, na Aldeia não há espaço para a BD. Nos meios de comunicação social mais tradicionais quase desapareceu, por exemplo. Há mais de 10 anos haviam muitas colunas de crítica nos jornais e agora quando se fala de BD é para anunciar anacronismos como o novo álbum do Astérix ou de mais um original do Tintin vendido por uma barbaridade de dinheiro que deveria ser taxada para remediar o nojo colonialista do rei Leopoldo II - já agora, para quem esteve desatento, ver Vumbi de Rita Carvalho, editado pela Plana Press.

A BD que sempre teve um problema de visibilidade e reconhecimento público em Portugal nunca antes atingiu níveis tão baixos como agora. Só que o problema não é da “BD” mas sim do que se edita. Ora o que se edita geralmente não tem interesse nenhum para as pessoas, mesmo que os actuais filmes de Hollywood sejam todos sobre gajos com cuecas à mostra com super-poderes. Também têm aparecido uma tendência de alguma BD de ficção usar o nosso imaginário histórico (os tempos do fascismo, o PREC ou as guerras coloniais) infelizmente com resultados artísticos tão inócuos e/ou desastrosos que é natural que só se premiando em capelinhas "bedófilas" é que eles ganham relevância - para o próprio "guetho"! E isso é uma coisa que os cromos da BD (que continua a ser um grupo de crianças, jovens com borbulhas e adultos reaccionários) não percebem nem nunca perceberão. A Fantasia ou a Ficção não se cria por ela própria, e quando o faz, ou seja, auto-reproduzindo-se, cai no exercício de estilo pouco ou nada interessante – e isto tanto é verdade prá BD de patos sem cuecas como para quem gosta de Rock Gótico ou Harsh Noise. Os “bedófilos” bem podem admirar o génio do Alan Moore ou do Grant Morrison mas esquecem-se que eles foram formados por uma vida rica em experiências e não porque andaram a ler todos os livros de ficção científica do mundo (embora também o tenham feito!). Essas boas ideias se calhar surgiram porque eles trabalharam a limpar retretes…

Dentro da lógica deste mercado da BD tradicional está a Kingpin Books, uma loja de BD que tem apostado numa série de livros que dão nas vistas no "guetho bedófilo" mas acima de tudo parece ter “alegria no trabalho” no que faz. Há ambição e esforço técnico na produção dos conteúdos e dos livros, coisa que não parecia acontecer na Asa, por exemplo. Passa uma imagem de empreendorismo e dinâmica, justamente o oposto da Polvo que apesar do seu catálogo histórico, é a que menos comunica para fora (nem um blogue é capaz de ter!) e até para dentro (testemunhado no texto de António Kiala no Loverboy na Feira das Vanessas), por isso mesmo que tenham editado um livro do Ricardo Cabral, autor famoso q.b. por ter quatro livros da grande Asa, pouco ou nada irá significar na expansão da editora, que há muito que aceita tudo o que lhe ponham à frente. Ambos casos, até agora, uma por dinamismo, outra por historicidade parecem só mover-se pelos restos mortais do público "bedófilo", cujo palácio-para-burro-ver ainda é o Festival da BD Amadora, onde vão lá lançar novidades e colecionar prémios pacóvios.

Não é de estranhar que uma colecção como a nossa sobre viagens, a LowCCCost, cada vez que sai um novo volume acaba por interessar alguma "media" que geralmente ignoram BD. Seja pelo facto de estarmos num on the road numa “Europa aborrecida” ou a trabalhar numa ONG na Guiné-Bissau (falo de Kassumai de David Campos, claro), imediatamente estes temas atraem revistas de viagens ou a RTP Africa, enquanto que o “Piçaboy” tem de pagar para dar nas vistas... Mas adiante!

Em 2013, como colectivo de fanzines, destaco os cinco títulos do Clube do Inferno, com o material mais refrescante de quem faz produções de páginas fotocopiadas. Dentro do mesmo género, mantiveram-se o CVTHVUS e o Tiago Baptista manteve o Cleópatra e o Preto no branco. Enquanto com maiores meios continuaram BD Jornal, Buraco, Toupeira (da Bedeteca de Beja), Cru, Filme da Minha Vida (Ass. Ao Norte) e Mesinha de Cabeceira. Sentiu-se a falta do Lodaçal Comix mas Rudolfo lançou um novo volume de Musclechoo. E regressou The Killer Season Fanzaine de Pepedelrey – depois de quê? 14 anos!? A sério?

A Chili Com Carne recuperou BDs perdidas de Loverboy de Marte e João Fazenda [et al.], a Turbina as Crónicas da Arquitectura de Pedro Burgos e a Polvo aproveitando no trilho do comboio feito pela El Pep (em 2012) pegou em mais um clássico do Fernando Relvas. São pequenos gestos editoriais mas necessários para que o passado da BD portuguesa não seja esquecido, já que ninguém quer saber disso para nada.

O Quarto de Jade e o Panda Gordo iniciam-se na BD, no primeiro caso com um livro de Diniz Conefrey e no segundo com uma pequena antologia com sete autores "novos", João Sobral, Bárbara Fonseca, Diogo Bessa, Zé Cardoso, Sofia Palma, João Drumond e Amanda Baeza. André Oliveira e Joana Afonso começaram uma série de “comic-books” intitulada Living Will, pela nova Ave Rara, enquanto os Cabidela Ninjas e Imvincible Comics estrearam-se com zines mamados.

Fora do baralho: o Festival de Metal de Barroselas lançou um DVD comemorativo dos 15 anos de existência deste festival de música e que inclui um livrinho de BD sobre o evento feito por este vosso escriba, Marcos Farrajota; a Marvellous Tone lançou a banda sonora do filme O Coveiro (de André Gil Mata) que inclui um livro ilustrado de Sandra Neves; e, o Nicotina’zine que é de poesia continuou aberto à BD descobrindo até uns novos talentos, dos quais destaco o jovem e promissor Sim Mau.

Mas o vencedor do ano foi Lençóis Felizes de Van Ayres! O zine mais simples e boa-onda. Se há alguém que mereça um prémio de BD é ele! O Prémio Frescura!


In / out

Mas 2013 não trouxe só mais dois talentos refrescantes! Outro, ou melhor, outra foi a Amanda Baeza que se estreou em três edições estrangeiras, uma da Letónia e as outras em Espanha. Graças a isso será a autora com direito a uma exposição na Trem Azul Jazz Store durante o Festival Rescaldo, festival que faz um resumo do melhor que se fez em música portuguesa no ano anterior mas que tem dado espaço para a BD! De salutar a iniciativa!

Houve mais autores com trabalho publicado internacionalmente, sendo o mais mediático o de Rudolfo que também se estreou profissionalmente com o primeiro volume de Negative Dad sob argumento dos norte-americanos Nathan Williams e Matt Barrajas, para além de ter continuado a participar no fanzine Kovra (Espanha).

Houve participações de Bruno Borges, Teresa Câmara Pestana, Miguel Carneiro e Marcos Farrajota na revista eslovena Stripburger. Farrajota, Rudolfo e Wasted Rita participaram no Prego (do Brasil). Pedro Burgos teve o seu livro Airbag e outras histórias (Mundo Fantasma; 2003) editado em Itália pela Mal Edizioni. Ainda escrevi textos sobre “comix-remix” no jornal Kuti (Finlândia) e com Pedro Moura participamos no livro Metakatz (Bélgica). E claro André Lemos, mais calmo este ano, ainda assim participou em projectos na Alemanha e Inglaterra.

As viagens ou representações em festivais estrangeiros mantiveram-se: Crack (Roma), MEA 2 (Madrid), Edita (Punta Umbria, Espanha) e Bergen Art Book Fair, e na exposição "Workburger" (Eslovénia) sendo de destacar o Buraco que, tal como a Chili com Carne em 2010, meteu-se na carrinha e fez-se à estrada na sua “Trans-mediterranean Cargo Tour” passando por País Basco, França, Eslovénia, Sérvia e Itália. A exposição do Futuro Primitivo finalmente acabou a sua itinerância em Espanha e no Brasil, depois de ter percorrido países escandinavos, EUA e Itália desde 2011.

Autores estrangeiros que passaram por cá: Alex Vieira (Brasil) veio lançar o último Prego na saudosa Livraria Sá da Costa, Ilan Manouach (Grécia) veio ao Festival de Beja, Weaver (Brasil) ao Sete Sóis Sete Luas (Ponte de Sôr), Lars Sjunesson (Suécia / Berlim) com uma exposição individual na Trem Azul Jazz Store, Alex Baladi (da Suiça), Pedro Franz e André Diniz (ambos do Brasil) vieram ao Festival BD Amadora. Vivendo temporariamente em Portugal estão os brasileiros Sama que editou cá um livrinho de esboços, as autoras do fanzine Piqui (estiveram presentes com mesa na FEIA e Feira do Jeco) e de saída o casal russo-austríaco Alexander Brener e Barbara Schurz lançaram por cá um segundo livro, o Fuck Off and Die Alone.


Zona VIP

Apesar de toda esta cultura da edição independente vir dos fanzines, e sendo os fanzines publicações de fãs que de alguma forma prestavam vassalagem a algo, é o que menos há na edição independente, material de referência. Claro que no mundo da web.2 ter fanzines como o Nemo, Epitáfio ou O Moscardo seria um anacronismo completo mas ainda assim nem tudo está na ‘net, nem esta permite leituras profundas ou reflexão, embora seria injusto dizer isso quando se consulta os blogues de Domingos Isabelinho e de Pedro Moura. Este último e eu, como já referi, participamos no Metakatz, edição da editora belga 5éme Couche em que se discute todas as implicações da destruição e proibição do livro Katz, obra que “desviava” o sacrossanto Maus de Art Spiegelman. Aproveitando a deixa, é de referir também que a Letra Livre editou O Negócio dos Livros : como os grandes grupos económicos decidem o que lemos, de André Schifffin (1935-2013), responsável pelo Maus nos EUA quando editar livros significava alguma coisa, mesmo numa grande editora. Existe essa referência no livro mas como é óbvio não é uma obra sobre BD mas sobre a questão da edição de livros.

Também tive direito a uma entrevista no número 62 da revista eslovena Stripburger, que ajuda a compreender os projectos Chili Com Carne e MMMNNNRRRG. Claro que a revista chega a uma comunidade internacional interessante que irá saber mais sobre estes projectos do que cá, onde se tentam ignorá-los… O universo exagera na ironia!

A iniciativa mais importante no campo da referência foi sem dúvida o Portuguese Small Press Yearbook 2013 projecto dirigido por Catarina Figueiredo Cardoso e Isabel Baraona. É uma compilação relativa à edição independente nacional, sejam livros de artistas, fanzines, zines e outros mutantes bibliográficos publicados entre Junho 2012 a Junho 2013. Pelo meio há textos sobre edição, listas de arquivos públicos, etc...

Entretanto também é interessante referir o projecto de sociologia Keep it simple, make it fast! Prolegómenos e cenas punk (1977-2015) da Universidade do Porto, que está a estudar a cultura Punk em Portugal e que finalmente vai dar valor ao acervo de fanzines e publicações do género que se encontram na Bedeteca de Lisboa. Em princípio haverá algum estudo sobre a BD e a Ilustração punk portuguesa mas só em 2014 é que haverá resultados…


Roleta Russa

E é essa mesma Bedeteca que vai ser despachada prás Juntas de Freguesia, colocando em risco não só todo o sistema de funcionamento bastante racionalizado e optimizado, diga-se de passagem, das bibliotecas municipais (BLX) e pior ainda, esse acervo da Bedeteca, constituído não apenas por várias publicações históricas e patrimoniais - as primeiras revistas de BD como o ABCzinho ou a emblemática Visão, os primeiros álbuns como o Cruzeiro do Sul de Carlos Roque ou o esgotado Mr. Burroughts de David Saores e Pedro Nora, vários livros de BD de referência, revistas e livros estrangeiros - mas sobretudo, e o que interessa aqui, uma colecção única de fanzines, zines, livros de autor, livros de artista, graphzines, etc… que começa nos anos 70 e vai até aos dias de hoje, e que pelos vistos pode ter leituras transversais à BD como a tal tese sobre o Punk da Universidade do Porto.

Lendo a secção "Mapa Borrado", uma BD de Miguel Castro Caldas com desenhos de José Smith Vargas, no “jornal de informação crítica” Mapa, no número 3 (Set’13) vemos o Socialista António Costa a vender Lisboa ao desbarato a Woody Allen, para este último fazer um filme sobre a cidade. Se o velho jarreta o fizesse realmente só poderia fazer um filme lisboeta em hostels e portos de cruzeiros, porque é isso que a capital portuguesa se transformou.

A cultura em Lisboa está a desaparecer a julgar pelo populismo das iniciativas públicas e a morte lenta das iniciativas privadas. A última e mais cruel foi o fecho da Sá da Costa, numa Baixa deixada às marcas multinacionais, que provou ser um “spot” excelente para a venda destas “edições estranhas” que aqui relatamos.

Por fim, apesar de ser uma ideia da CCC e tendo o solipsismo a cegar-me, admito, tenho de dizer algo sobre o concurso interno “Toma lá 500 paus e faz uma BD!” – cujo vencedor foi Francisco Sousa Lobo com The Care of Birds a publicar em 2014. Tratou-se disso mesmo, um concurso para fazer um livro de BD com a oferta de um prémio monetário. O incentivo de podermos oferecer uma recompensa monetária revelou uma estratégia necessária neste país miserabilista, embora saibamos que 500 Euros não cobre todo o trabalho que existe para fazer uma BD de muitas páginas - um romance gráfico. Apesar de todos os criativos / autores de BD andarem a trabalhar de graça ou a receber mesmo muito pouco dinheiro (muito menos do que qualquer outra área criativa onde existe "mercado"), existe uma resiliência que a tem mantido viva.

Não existindo nem actividades nem espaço para a BD de autor em Portugal, especialmente depois da extinção das bolsas de criação literária e o “fade out” da Bedeteca de Lisboa, o que fizemos é muito pouco mas para uma primeira edição, recebemos oito trabalhos inesperados de nove autores (havia uma dupla), alguns deles que nem sabíamos que existiam e que graças ao concurso já começamos a trabalhar com eles – como a Júlia Tovar que vai estar na Zona de Desconforto.

Tudo indica que estamos no caminho certo para 2014. Não?

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