sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

RONDA BREVE DE SÃO PAULO


Não encontrareis, ó aficionados da ilustração e da banda desenhada, especiais motivos de assombro no Rio de Janeiro, posto que haja boas livrarias e se possam descobrir preciosidades independentes na Blooks do cinema Arteplex, a Botafogo, na La Cucaracha de Ipanema e ainda mais n’A Bolha, para os lados de Santo Cristo. Já os colecionadores de raridades visando algum Zé Carioca vintage, a revista Crás ou A Guerra dos Farrapos, de Colin, terão de depositar esperança noutras paragens, confirmada a desactualização das moradas de sebos cariocas especializados em quadrinhos retiradas da Internet dias antes da partida. O que havia de interessante, já fechou. São Paulo é, pois, o destino a seguir. A imensa e industriosa e rica metrópole decerto não defraudará. Os relatos prometem avenidas repletas de alfarrábios e lojas totalmente consagradas aos gibis. A ver vamos…



Saindo na estação de metro de Clínicas e virando costas ao muro do Cemitério do Araçá, iniciamos a descida da Rua Teodoro Sampaio, marcada pela alternância de sebos e casas de instrumentos musicais, até desembocarmos na recatada Praça Benedito Calixto, onde se podem descobrir, por entre as árvores, algumas lojas de charme e cultura, incluindo aquela que aqui nos trouxe, dita Gibiteria, sita no primeiro andar do número 158. Uma sala relativamente ampla e bem iluminada onde se podem encontrar boas amostras da produção brasileira contemporânea. Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho, e Campo em Branco, de Emilio Fraia e DW Ribatski (ambos resultando da colaboração entre ilustradores e escritores) constituem assinaláveis exercícios de fragmentação narrativa dentro do campo da banda desenhada, ao passo que Morro da Favela, ilustrado por André Diniz, prima sobretudo pelo conteúdo biográfico e fotográfico de Maurício Hora. Do lado das publicações independentes, as capas enormes e ultra-coloridas d’A Bolha destacam-se nos escaparates, com boa parte das edições consagradas a autores estrangeiros (nomeadamente europeus e norte-americanos, incluindo notáveis como Gary Panter, Seth ou Tommi Musturi), uma vez mais lembrando as limitações de amostras condicionadas por fronteiras nacionais. Em Se a Vida Fosse como a Internet (Beleléu), Pablo Carranza segue os passos dos seus conterrâneos paulistas Angeli, Laerte e Glauco, exibindo um humor rejuvenescido que Iturrusgarai parece incapaz de alcançar. Na mesma editora, Tiago “Elcerdo” Lacerda sobressai pelo traço impetuoso e rasgado dando vida a histórias sem texto (veja-se «O Pianista Maldito» no Friquinique #3), ao passo que Stêvz e Biu nos servem uma convincente mistura de registos narrativos e gráficos em Aparecida Blues.


Cachalote (Companhia das Letras, 2010)

Campo em Branco: Lembrança de 1987 (Companhia das Letras, 2013)

Morro na Favela (Barba Negra, 2011)

Se a Vida Fosse como a Internet (Beleléu, 2012)

«O Pianista Maldito», Friquinique Zineteaser #3 (Beleléu, 2014)

Aparecida Blues (Beleléu, 2011)

Quanto a alfarrábios, não os há na Gibiteria. Mas recomendam-nos a Rika Comic Shop, situada na relativamente próxima Rua Augusta, que cruza a Avenida Paulista: é voltar a apanhar o metro em Clínicas e sair na estação seguinte, Consolação. Passando diante de algumas galerias comerciais dedicadas à venda de artesanato, vestuário e livros de arte, chegados ao número 1371, é subir as escadas até à sobreloja 10/11. Vista do exterior, a Rika faz jus à legendária tradição sebenteira do Brasil, com as suas prateleiras lotadas de fascículos amarelecidos pelo tempo, a que se juntam enormes colunas de volumes empilhados à entrada. A impressão de felicidade é, porém, passageira. No interior, o visitante esbarra com um balcão onde lhe pedem que indique o título da obra que procura, a qual, verificada a sua disponibilidade no computador, poderá ser-lhe entregue para consulta. Na falta desta informação, de pouco adianta fornecer o nome de um autor — a busca informática só funciona mesmo por títulos. Fica assim posta de parte qualquer possibilidade de vaguear pelo espólio e descobrir coisas inesperadas. A Rika assume-se como uma anti-livraria, e o próprio cartão-de-visita, anunciando «Gibis de todas as épocas para todas as idades», logo acrescenta, autoritário, que se «COMPRE TUDO PELA INTERNET» — opção decepcionante para quem vem de fora e com disposição para sentir os sítios por onde passa. É, pois, questão de dar meia-volta e sair de São Paulo.

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