Mais cartas italo-suomis
Isä significa "pai" em finlandês e é o novo álbum de BD de Hanneriina Moisseinen - frases estas que banalizam completamente um livro sentido de quem o seu pai desapareceu numa noite. Diz a lei (na Finlândia) que só se considera alguém desaparecido como defunto após 10 anos do seu desaparecimento. Desparecimento significa que não existe corpo, significa que foi uma morte tão violenta que a natureza "comeu" o corpo ou pode significar que a pessoa não quer ser encontrada. É neste mórbido binómio que Moisseinen (e a mãe e a irmã) vivem durante 10 anos até que são "libertas" com a morte tornada oficial pelas competências legais. Usando grafite para um desenho realista e bordados para imagens simbólicas, este é uma BD de catarse, justamente o negativo de um livro como Visitez tous les pays recentemente aqui resenhado.
Editado o ano passado, este livro é pesado e austero que mostra que a Huuda Huuda ou as produções finlandesas não são apenas fogo-de-artíficio colorido e de experiências psicadélicas, como muitos pensam.
Com este Keitto Kirja / The Sauce Book (Huuda Huuda; 2013) de Lauri Mäkimurto fica provado que a importância e a influência de Kalervo Palsa (1947-1987) ainda está para ser calculada na BD finlandesa.
Eis um "comic-book" cheio de misantropia e depressão tão típica do norte da Europa. Procurando fotografias de Palsa e de Mäkimurto fico com a impressão que ambos têm ares psicóticos em que só espero que o destino do último não seja tão dramático como o do primeiro.
Lauri parece um eco de Kalervo que percorreu 30 anos até chegar até nós. Nesta BD não estamos em 2013 mas em 1983, tudo é bastante horrível e atrofiante, não há pontos de referência, só deserto humano e natural, morte e violência, sexo e bebedeiras sem sentido... O grafismo, estilo e tiques de Palsa (a corda para enforcamento, por exemplo) estão tão presentes que um leigo poderia ser enganado - e porque não? Que se saiba o Kiasma ainda não mostrou os tesouros em BD deste artista, quem garante que Lauri exista e não são BDs dos arquivos instituições a escorerrem cá pra fora com nome de outro tipo para não haver problemas com esta instituição de arte contemporânea? Como são poucos os finlandeses, é díficil de acreditar nesta tese, alguém saberia da verdade e iria-se bufar. É pena...
Seguimos para Itália - mais uma vez prá Canicola, claro, onde esta casa editorial faz alguns dos livros de BD mais bonitos da actualidade. Seja pelo design simples mas muito quente (dando juz ao nome da editora) seja pelo conteúdo. Dormire nel fango (2012) de Edo Chieregato (a) e Michelangelo Setola (d) reúne várias BDs publicadas anteriormente na revista Canicola... O aspecto anacrónico do desenho e das próprias narrativas tanto nos colocam num mundo que envoca uma nostalgia dos anos 70 ou 80 (a infância mágica e a juventude heróica submersa em referências Pop) como num mundo pós-apocalíptico, causando sempre uma sensação que estamos tão perdidos como as personagens destas BDs. Graficamente, estamos perante um desenho a grafite a lembrar a finlandesa Amanda Vähämäki - e isto nem sequer é uma especulação de quem quer sempre unir nomes de autores a outros porque ambos tem realmente semelhanças de estilo que até partilharam publicamante, lado a lado no livro-catálogo Souvlaki Circus (Buenaventura Press; 2008). Há livros urgentes de serem descobertos, este é daqueles...
Por fim, mais um A3 da Canicola: Lontano (2013) de Gabriella Giandalli, autora com um trabalho reconhecido há umas boas duas décadas e que assina este magnífico e derradeiro manifesto da depressão. Lembra-me o álbum, não sei bem porquê, o disco Rembrandt Pussyhorse dos Butthole Surfers sem a histeria dos texanos, muito pelo contrário, tal é reconhecida a elegância desta artista.
Ainda assim há aqui uma melancolia de proporções cósmicas a beijar a Teoria do Caos que lembra-me esse disco. Cada pedacinho das coisas mais desinteressantes ou aparentemente importantes são coladas no transe desta má viagem chamada vida.
Algures no quarto do teenager deprimido vê-se um cartaz dos Pink Floyd - relativo ao Dark Side of The Moon - e por isso que associo esta BD a um psicadelismo existencial que o rigor gráfico, de tons cinzentos, não se deixa levar com os esquemas freaks habituais neste tipo de texto. Um colosso!
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