quinta-feira, 24 de março de 2016

Pénis apaga papel

Não é só "no feminino" que tem tornado a BD excitante, das coisas boas que a "BD alternativa" ofereceu foi permitir dar vozes às várias minorias culturais de forma a soltarem a franga do imaginário chato de caucasianos "breeders", produzindo assim os seus próprios documentos e uma herança identitária como é o caso das BDs de gays, lésbicas and all that jazz... Nos dias de hoje o termo mais correcto para "os desviantes" (cof cof!) é "queer", sobretudo para quem não adere à separação binária homo/hetero e gosta de "complicar" a sexualidade - em Abril, a Chili Com Carne e a Thisco lançam um excelente livro sobre o movimento Queercore, escrito por Rui Eduardo Paes, se perdoarem a publicidade! O que é fantástico na teoria queer é que ela provoca, outra vez no que diz a sexualidade, as normas instituídas depois dos movimentos homossexuais estarem a conseguir, passo a passo, obter os direitos que reivindicam em mais de 40 anos de luta cívica. A crise da cultura "gay" ou "lésbica" actualmente é que acaba por reproduzir (ops!) o mesmo esquema bem-comportado dos heteros e viciado pelo controle social do Capitalismo e do Cristianismo. Há muito que ser gay não é contra a norma ou subversivo, tanto que não é à toa que o Papa "Xico Propaganda" já lhes tenha "perdoado" a sodomia para encher as suas fileiras católicas. Sam Wallman é queer(core) até ao tutano e duvido que ele queira ser mais um mariquinhas casado com uma carrada de filhos, plasma de 2 metros e um carro com jacuzzi - fuck that! Wallman faz BD e ilustração, muitas vezes não se distinguem ou fundem-se até, que não se fica por temas dos direitos dos gays armado em lobby pois se há "Direitos" então eles são para todos! Por isso é que o encontramos a fazer uma BD sobre a "Crise dos Refugiados" ou sobre causas aborígenes - ah! Wallman é da Austrália! - como se pode verificar na sua colectânea Pen Erases Paper (2013). O seu estilo gráfico é devedor ao underground dos anos 60, cheio de detalhe e precisão mas por acaso alguns  dos seus melhores momentos até são quando inventa nova iconografia queer como esta:


Se um símbolo da Paz ou as máscaras do Guy Fawkes já enjoam e qualquer fascista até diz que "Je Suis Charlie", eis uma boa alternativa para abrir o terceiro olho (wtf!?). Divertido (come on!), provocante, inteligente e engajado politicamente esta foi uma surpreendente oferta do Camarada Pequito que enviou dos antípodas. Thanks, mate!

Obviamente menos alegre vindos no mesmo pacote são uns livros com comics e arte feita por emigrantes e refugiados. Por cá ainda existem campos de concentração e para muitos deles desenhar é um escape. Todos nós sabemos dos "boat people" na Europa mediterrânica mas acho que ignoramos que também existem da Ásia para os países mais desenvolvidos da Oceania. O Refugge Art Project Zine trata de manter alguma sanidade através das práticas de arte destas vítimas do actual holocausto mundial que estamos a viver. Fundado por Safdar Hamed, as razões deste projectos estão muito bem demonstradas nesta BD-reportagem: medium.com/shipping-news/villawood-9698183e114c#.43bq682ut, façam favor de ler!

Este autor de BD e académico tem um livro sobre a sua infância e adolescência, The Good Son (2014) - título de uma música de Nick Cave? - que se pode ligar a Wallman porque partilha do tema do que se espera quando se faz parte de uma minoria cultural. Este livro lembra-me uma frase que li na Estado Mental: "ter um filho é como convidar um estranho para casa". Este pequeno relato mostra justamente isso como também destrói o mito que nem todos os que nascem num território novo tem de vir a ser cidadãos com profissões que os pais achem dignas na sociedade como se todos os filhos de indianos (o pai de Hamed é indiano) tivessem de ser médicos e engenheiros, nerds chatos como a potassa. Há quem escolhe como este autor de vir a ser daqueles que só vai ter dores de cabeça na vida como é o caso dos artistas. O tema é transversal para qualquer outro ocidental, até porque Hamed viveu condições normais (o "P.C." dos dias que correm obrigariam-me a escrever "privilegiadas" mas a expressão significa o discurso do Inimigo, que é achar que já não podemos ter condições como já tivemos no passado e... que não eram nada de especiais, muito menos "privilegiadas") mas ele pode escolher o seu caminho, com mais ou menos traumas familiares e psicológicos. Resta saber quem está à porta da Europa (ou da Austrália) terá estas condições "privilegiadas"...

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