quarta-feira, 13 de abril de 2016

Limbos


Acho que foi na semana passada que li que houve um romance escrito por um computador que quase ganhou um prémio literário no Japão. Em Viana do Castelo os Vircator já são essa realidade criativa, quatro marmanjos programam algoritmos Post-Metal tão certeiros que enchem tanto o CD de riffs certinhos e batidas certinhas que já não cabe originalidade nenhuma. O texto do computador nipónico seria melhor? Não sei... mas pelo menos a capa do disco auto-editado At the Void's Edge é dentro de um género pictórico Pop sci-fi das melhores coisas feitas neste país. Os desenhos - há mais um dentro do digipack - são assinados por Hanna Baer (o site é velhinho não faz jus a este "artwork") e é por ela que escrevi sobre o disco...


Limbo de Filipe Felizardo e Margarida Garcia foi editado em k7 (a melhor música nos dias de hoje é editada em k7 sabe-se-lá-porquê) pela suiça Dead Vox (a melhor música portuguesa nos dias de hoje é lançada lá fora sabe-se-lá-porquê). Guitarra e baixo definem esse espaço escatológico chamado de "limbo" onde vão parar os inocentes que não foram baptizados - este sítio foi entretanto "cancelado" pelo "Papa Rato" em 2007. O duo em forma de improvisação eléctrica consegue dimensionar esse mito religioso com feedback controlado, Blues estragado e sujidade sonora. Lento e físico, o trabalho é etéreo ou infernal? Qual o valor maniqueísta do Limbo? Aqui é bom...



O Metal está morto, enterrado e cheira mal. Se parecer um exagero pelo menos pode-se dizer que se tornou conservador e vive de revivalismos e reanimações estranhas - há sempre excepções como os Spektr. Que eu saiba já há metaleiros que se parecem com os garageiros, afirmam só ouvir Metal até 1990 e tal, depois disso não interessa o que vem para a frente. Talvez para acarinhar esses velhos (de idade e cabeça) o mercado deste género musical confirma o "Simon says" sobre a "retromania da Pop" e o Metal actualmente faz recombinações de estilos e sub-géneros antigos sem puxar a carroça prá frente. Quanto mais para trás melhor e quanto mais tradicional mais suor fraternal oferece - "como deveria ser" diz a publicidade de uma das edições que aqui escrevo.
Este limbo existencial é bem visível nas duas recentes edições da Chaosphere, uma reedita Vast dos Disaffected e outra lança o novo disco dos Extreme Unction, 20 anos depois do primeiro álbum. Reactivados, se calhar, com um sonho daquilo que não fizeram quando gravaram o seu único disco, os Extreme Unction repetem o que os Disaffected fizeram também em 2012, passados 17 anos depois do único álbum - Vast - lançaram um disco novo pela alemã Massacre. Ambos casos, por muito que os discos estejam muito bem produzidos, a verdade é que as bandas construíram máquinas do tempo ao ponto de não desvirtuarem as origens dos projectos. O problema é que a sujidade e a selvajaria de quando se é puto cheio de sangue nas guelras foram sugadas por essa mesma máquina. The Last Sacrament é Doom / Death balançando-se entre o "minimal headbanging" dos My Dying Bride e o "groove" de Malevolent Creation. Tal como os Vircator está lá tudo perfeitinho mas não bate. Falta o desempenho descontraído da juventude. E quando se envelhece mal num género de sub-cultura juvenil, a coisa fica azeda...
O mesmo aconteceu aos Disaffected quando voltaram com Rebirth. Em 1995 estrearam-se com Vast, uma obra-prima Death-Prog. Com guturais omnipresentes, é uma viagem hermética que ombreia os grandes deste sub-género: Meshuggah, os seminais Atheist (os inesperados bongos de Dead in my dreams não enganam a influência), Cynic (ambos partilham uma cena cósmica setenteira) ou Theory in Practice. Ganhou esse estatuto e passados estes anos todos continua intocável. Até ao nível visual! A capa faz ainda sentido em 2016 mesmo "em miniatura"... no pequeno formato de um CD. Isto em LP é que era! É raro tudo correr bem com um disco português, este é dos casos completamente harmonioso. Até a nova versão comemorativa está bem feita, a Chaosphere não brinca em serviço, incluindo na edição mais uma versão de Slayer e brincadeiras gráficas, uma delas é o CD que salta como um "pop-up" ao abrir-se o Digipack - o designer Chemega fez igual com os Crewcial há uns bons anos atrás. E ainda são incluídos os temas de uma demo-tape de 1994 para quem sofre de obsessão anal de coleccionismo. Zeus! As editoras escolhiam mesmo quem contratavam ouvindo esta podridão!? Outros tempos, sem dúvida, bem representados por esta edição que é uma cápsula do tempo que deveria estar em casa de qualquer um. Metaleiro ou não, sofredor de síndroma de Peter Pan ou não.

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