quinta-feira, 24 de junho de 2021

Música feia (batota)

Houve uma bela de uma Feia e levei alguma música para casa. 

A começar pelos amigos da Clean Feed, onde apanhei uma pérola no meio dos seus 700 discos editados em 20 anos que comemoram este ano - caramba! - a saber: Xabregas 10 (2016) dos L.U.M.E. Sabe-se lá quando vamos encontrar outros CP Unit mas até lá, um gajo mais vale ir pelo seguro. Neste caso é que além de ser apenas o segundo registo que existe desta fantástica Big Band, é o registo ao vivo do Jazz em Agosto de 2014 e que tem uma história divertida. No ano anterior a essa edição, o "nosso" Rui Eduardo Paes mandou uma boca à organização do festival pela pouca participação de músicos nacionais - isto até poderia soar a bacoco caso na altura, não existissem realmente boas propostas portuguesas dignas de subirem ao palco dos jardins da Gulbenkian. O director Rui Neves no ano seguinte, para equilibrar as quotas nacionais não vai de modos, programa os L.U.M.E. o que dava logo 16 músicos 'tugas! Piada à parte, tenho pena não ter assistido a este tornado de sopros e metais super-bem orquestrados que tanto parecem incontrolados como programados - como se o Carl Stalling tivesse vivo e a expelir anfetaminas por todos os poros do seu corpo -, acompanhado de samplers Pop/ Rock (um que vai ao primeiro de Death Grips!) e glitches digitais. Uma prova viva de que se pode usar o passado com roupagens novas sem parecer ser um número de nostalgia barata. Entretanto correu o belo rumor que os L.U.M.E. vão voltar a gravar este ano. Viva!!!

Seguindo prá mesa da Rotten\\Fresh já estava lá acessível a k7 If i was simple in the mind, everything would be fine de Phoebe. Eis um disco incrível, na linha dos Experimental Audio Research, todo ele Komische e Illbient - fala-se por todo lado em shoegaze mas é pura ignorância de quem faz "copy/ paste" de uma pomposa nota de imprensa igualmente ignorante. O que poderia ser um dos grandes discos do ano infelizmente mete tudo a perder (e não, não falo da capa merdosa) porque se ouve por uns meros segundos uns grunhos a gritarem pelo Benfica numa faixa. Nada contra o Benfica, quero que se foda juntamente com todos os outros clubes de futebol, mas justamente porque não percebo porque um músico investe tanto a criar um imaginário para justamente trazer-nos a realidade da maior boçalidade portuguesa. Não faz sentido, ou então temos de nos conformar com o facto de vivemos num país nada sofisticado e sem escapatória que nem na música encontramos refúgio. Triste.

De frente à Rotten 'tava um rapaz israelita (acontece, ninguém simpático escolhe onde nasce) a vender húmus e uma k7. Deu aquela tanga que a k7 era música dele a preparar o pitéu. Se o DJ Balli já fez noise com skates e pasta porque não com húmus? 

Lá comprei a comidinha bem boa e a k7 The Hummus of Reverbs do projecto dele intitulado Hummus International. É uma actuação ao vivo no Desterro em Março deste ano numa onda pós-industrial Ambient que pode ser mil e uma coisas feita por mil e um putos da Electrónica em 1981 ou 1991 ou até 2001... Não deixa de ser fixe de ouvir, não é fritaria monótona nem Harsh Noise. Ouve-se bem enquanto se come pizza, por exemplo. A k7 como tinha um lado virgem lembrei-me de gravar um disco burguês de Einstürzende Neubauten.

Viseu é a "Bible Belt" portuguesa, ou melhor, a "Rotunda da Bíblia" e como reacção a esse limbo (a)cultural eis que saiu o primeiro volume de Viseu Demo Tapes (Zip-A-Dee-Doo-Dah Discos) que mostra bem as oportunidades perdidas e tensões de uma geração. O Viseu Demo Tapes é um bandcamp "anarquivista" de todo gato-sapato de banda que pare por esta cidade do Cavaquistão, sendo lançadas algumas reedições em k7s e agora este duplo-CD onde sem pejo vai tudo numa caldeirada sonora "roskof " (são demo-tapes, senhor, são demo-tapes) de vários géneros musicais embora domine o Punk & Hardcore, o Metal à la Metallica, Industrial(-in-process), algum Indie, Grunge (ahahah) e algumas peças sem definição como os Lucretia Divina, talvez o projecto mais conhecido da cidade. Centrada nessas demos mal-gravadas porque, dizem as notas no CD escritas por Ricardo Ramos (dos Dirty Coal Train), nunca houve um estúdio de ensaios e de gravação até meados de 2000 (o município preferiu gastar os fundos europeus em rotundas muito provavelmente) e por isso o que ficou, foram gravações de concertos, ensaios e algumas demos em 4 pistas. Creio que as músicas aqui presentes serão todas dos anos 90, talvez à excepção dos Bastardos do Cardeal dos anos 80 - um problema deste feliz anarquivismo, é a falta de mais informações do quer que for - e mostra que a raiva era enorme naquela cidade de "Onda Laranja" (Bastardos dixit). As bandas cospem temas contra padrecos com "verga morta" (The Mob), babam-se por sexo invocando Ninfomaníacas locais (uma fantasia comum dos rapazes frustrados dessa época na falta de miúdas sexualmente emancipadas), humor cócó-xixi (Alta-Mente), o alcoolismo e drogaria (Capitão Veneno). Tudo isto num som mais ou menos feio, amador, DIY, cru e "lo-fi" que nos dias de hoje choca muito menos do que se fosse na altura, mais, até realça um lado selvagem e perigoso desta geração de bandas - basta ver a grande desilusão que foi na altura a gravação do disco / CD (profissional) dos Lucretia Divina. De referir ainda, prós cromos da BD, que está aqui incluída uma música dedicada ao Espião Acácio - BD de Relvas (1954-2017) - pelos Major Alvega ripando os Art of Noise.

Claiana é capaz de ser, infelizmente, o segredo mais bem guardado do Porto e de Portugal. Festa garantida de um "afropop" e que já vi comprovada quer nos 10 anos da MMMNNNRRRG quer em festa de Carnaval num baile de bombeiros no centro do "Morto.". Talvez esteja na cidade errada, o "Morto." nunca foi muito cosmopolita para a música africana e pergunto se este projecto teria mais hipóteses de crescer em Lisboa. Seja como for, o que interessa aqui é que a Favela Discos, em 2019 - bem sei, que venho atrasado - fez o excelente trabalho de compilar as suas músicas neste volume 1 com uma capa (e poster!) de João Alves
Não me lembro se vi Claiana a actuar só com uma pessoa - isto é, o cabo-verdiano Gui Lee a solo - mas há muitos anos que é acompanhado por Luís Figueiredo, um gajo com pinta de metaleiro arrependido que dá conta das máquinas - e da guitarra? Não há créditos de guitarras dele no disco,... fuck, a memória é realmente traiçoeira! Mas há guitarras! Credo que confusão! Eis a união inesperada de um cabo-verdiano em Portugal que canta de forma invulgar (a técnica dele é o nome do projecto, claiana) com um português do Norte que bomba zouk lo-fi anacrónico, como se tivessem chegado em fitas magnéticas dos anos 80. Atenção que a composição é do Lee - toca baixo e sintetizadores. Mas mais atenção é que só há 200 unidades deste CD. Ah pois!

Batota, este CD foi sacado na Necromancia e não na Feia! Batota este Crossfade frenquencies dos Sensor também não é um disco "sincero"! Cóf cóf cóf, eu explico, calma, trata-se de um Frankenstein sonoro, fruto de colagens e edições de várias gravações da banda ao longo deste tempo curto de existência mas longo de registos. Como é mesmo aquela frase mesmo!? O todo é maior do que a simples soma das suas partes? Aqui aplica-se sem dúvida a julgar pela audição penosa dos tais outros registos da banda. Este disco foi montado usa os melhores trechos dos tais registos ou jams do grupo, criando um grande disco com uma dinâmica e continuum que deixaria os snobs do jazz embasbacados e o pessoal do post-rock mijados. As naturais excrescências foram limpas como se faz no Photoshop para a pele da modelo ficar divinal. Quanto à ideia de falsificação de estúdio por mim, não faço juízos senão não havia Beatles ou Ministry ou os pujantes "álbuns ao vivo" dos Kiss e Type O Negative, em que estes gravaram em estúdio sobre o barulho do público. Já para não falar da boa linha de baixo tocada por um músico de estúdio gravada à revelia dos Talking Heads no seu LP de estreia. A pós-verdade já vem de longe, amigos. Outra vez: grande disco!

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