quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Infecção Punk

Acho que gosto de apanhar banhadas... Encontrei-me num final de tarde com o gajo da Zerowork, porque queria-lhe dar o zine brasileiro Prego onde o tinha colocado numa bd e… mais cerveja menos cerveja lá troquei alguns livros bonitos de bd por discos feios de Punk / Hardcore. Como disse, gosto de apanhar banhadas… A questão da bd, onde o gajo aparece, era justamente sobre edição e consumo “elitista” da cultura Punk. O facto do Punk (tal como todo subgéneros do Rock) ter-se transformado num código de folclore urbano, questionava-me porque se dão ao trabalho de editar, por exemplo, apenas 24 exemplares de um disco.

- Não percebeste. Editei apenas 24 discos porque aquilo é muita xunga, o som é uma merda. Têm piada por ser deste ou daquele gajo, e assim a malta pode ouvir a cena em condições invés de uma k7 manhosa... respondeu-me o gajo da Zerowork, enquanto folheava o Prego. Ah! Agora percebo a lógica mas continuo a achar que se trata de mera fetishização por objectos para meia dúzia de saudosistas. Com isto, no entanto, não quero fazer julgamento morais porque acho que todos nós somos livres de escolher, editar e consumir o que quisermos - nas quantidades que quisermos ou podermos. Pelo facto de alguns destes artefactos virem a público é que acho que merecem alguma reflexão crítica

Voltando, à “vaca fria”… Esta questão das edições (ultra-)limitadas dos Punks ainda assim é estranha porque fico a pensar porque raios alguém com 30 anos queira ouvirr coisas que foram da sua puberdade/ juventude!? E porque raios um CD ou vinil hão de ser mais nobres que uma k7? Para começar, alguém que tenha 16 anos é capaz de passar um mês inteiro a ouvir o mesmo “disco” (em k7 ou em CD ou em vinil) vezes sem conta. A pancada de descobrir algo que nos diz muito nesse período da vida leva-nos a ouvir um “disco” em “loop”… Por isso, a k7 ficará desgastada, o CD estragado e o vinil riscado. É um facto! Só me pergunto se tal poderá acontecer com os gadgets modernos como os leitores de mp3, Ipads e afins? O objecto sonoro – ou melhor, o objecto com o registo sonoro – ficará degradado do uso e fará parte de uma experiência de vida passada, onde ela deveria ficar “lá para trás”, como um facto do passado. Como se sabe não se consegue voltar ao passado a não ser que se tenha síndromes de Peter Pan. A verdade é que não há sonho infantil e juvenil que nenhum trintão não possa cometer nos dias de hoje: rever a sua banda favorita há muito acabada (mas que voltou para um festival de verão); vestir uma t-shirt dos Motorhead com o logótipo de 1981 (à venda no e-bay ou feita numa loja de t-shirts da esquina); encontrar uma imagem ou uma versão ao vivo de uma canção (através do inesgotável mundo das reedições fundo de catálogo, oficial ou pirata, ou ainda desde dos tempos P2P aos tempos actuais do youtube e torrents); querer ter um boneco Johnny Rotten articulado no altar em casa ao lado do Noddy; querer ver uma banda que juntasse o gajo X, o tipo Y e o individuo Z (de bandas diferentes a tocarem num projecto)… Falta mais alguma coisa?

É este precisamente o mal da sociedade contemporânea que infectou até o Punk – o género que deveria ser “anti” e “iconoclasta”. Estas edições são apenas uma cristalização de um pedaço da “juventude Punk”. Uma memória transformada num objecto que não existiu na altura e que se materializa agora como um “objecto de colecção” (o vinil) ou de consumo banal como o CD. A ironia é máxima, porque muitas das bandas não conseguiriam editar um disco nos anos 80 ou 90, ou porque eram demasiado débeis ou porque há 20 anos era mais difícil editar seja o que for – já ninguém imagina como o mundo era antes da ‘net, DTP, Macs, etc…

Não foi o que aconteceu com os Corrosão Caótica porque tiveram um single União & Okupação (de 1992, considerado o primeiro vinil 7” de Hardcore português) e um CD em 1995. Saiu agora o CD 2 live shows in 92 (Kontra-Diction + Your Poison + Zerowork; 2011) que reproduz dois concertos desta carismática banda de Hardcore portuguesa, em dois dias seguidos de Abril (11 e 12) que tem “sets” 99% iguais. Ou seja, é quase como estarmos literalmente nos anos 90 e como se tivéssemos colocado o CD em “repeat” na aparelhagem. Hardcore “puro, duro e directo” como dizem no livrinho do disco. Nem mais nem menos. A edição é manhosa porque só inclui uma foto da banda, a capa é sacada ao tal single acima referido (imagem do início deste "post") e umas curtas linhas de texto sobre a banda em tom nostálgico fecham esta peça museológica. Devo alertar que apesar do aroma nostálgico da edição e da música, as letras de 1992 continuarem a fazer sentido em 2012! Acho que foram feitas 50 cópias deste CD!


As bandas White Flag e Crise Total partilham um culto em cada país, uma data de nascimento idêntico e agora um split-EP de 7" (Can I Say + Your Poison + Zerowork; 2011). Os White Flag é punk melódico todo “sing-a-long”, estilo californiano, tocado com energia por gajos com mais de 40 anos em cima - parece quanto mais velho for o Punk mais energia têm – hei, hei, os melhores concertos Rock dos últimos anos, foram dados pelos velhadas D.R.I., Mudhoney e Monotonix!!! Nesse aspecto é impressionante! Os Crise Total são anarco-punk e anti-capitalistas, fazem um Hardcore pesado e rápido, partido por membros antigos (voz + guitarra) e gajos novos da cena (membros de Simbiose e Albert Fish). Bem gravado e tudo o mais, nada a declarar. Não sei quantos discos forma feitos mas não deve haver muitos…

Por fim, ainda edição da Zerowork, o single Sex, Drugs & Reggae dos The Ratazanas, que se apresenta sem capa tal como era na Jamaica em 1963 ou algo assim (o que deu origem ao que se chamam hoje de “white-labels” na cultura DJ). Banda ska / early-reggae é editada por uma editora Punk porque desde que os punks portugueses perceberam que em Londres de 1976 ouvia-se som jamaicano nos concertos Punk (porque ainda não haviam suficientes discos de Punk para passar nos intervalos das bandas), de repente os Punks curtem desta importante ilha – foi dela que saiu quase toda música urbana que se ouve hoje: ska, reggae, dub, dancehall, hip hop, electrónica, etc... Mas os punks só ouvem o que seja “early reggae” ou “roots”, depois disso é moderno de mais para esta malta! The Ratazanas emulam todo o género de forma que teríamos poucas certezas se o disco é de 1970 ou de 2010 (data da sua edição). Talvez por serem uma “ratazana in vitro”, que a banda foi reconhecida internacionalmente, com discos lançados pela editora alemã Grover e anda a fazer tournês europeias. É estranho querer-se fazer uma recriação perfeita do passado – outro fenómeno bizarro da nossa cultura contemporânea, vide o Metal com o regresso ao Trash, por exemplo. O que é fixe mesmo é colocar o disco em rotações erradas, em 33rpm e ouvir como se fossem versões Dub dos temas, funciona melhor com o tema do lado B, Sewer Stomp. O single é limitado a 300 cópias, já não deve haver!

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