quinta-feira, 24 de maio de 2012

Eu quero que o Fado se foda! (mas os portugueses são mesmo uns deprimidos)

Recentemente a Clean Feed reeditou Estilhaços de Steve Lacy (1934-2004), primeiro disco de Jazz editado em Portugal. O quinteto do saxofonista norte-americano inclui Irene Aebi que toca violoncelo e manipula um rádio. É Fevereiro de 1972 Ano do Senhor e a primeira coisa que Aebi apanha é logo um programa religioso do espectro radiofónico nacional, o que mostra muito o que era o nosso país - ou aquilo que ele ainda é passadas xxx gerações após o 25 de Abril. Tenho eu 38 anos e continuo sem perceber porque este país é tão parado em quer que seja... Nas artes é sintomático: o cinema de animação que não se mexe, o cinema do Oliveira paradinho, idem idem aspas aspas prá dança, rock e BD... Tudo sempre estático, como se houvesse uma preguiça genética de 500 anos de exploração colonial. Ou então é porque ainda temos medo da PIDE (hoje, da ASAE) nos caia em cima por acelararmos demasiado o passo.

Não que as edições que daqui escrevo mais abaixo sejam más por serem "paradas" - na verdade estão cheio de dinâmicas - mas na essência são projectos experimentais, e experimental em Portugal significa "calmo", sem fazer "barulho" ou agredir o ouvinte. Até na Pop/Rock isto acontece, daí que os géneros preferidos em Portugal sempre foram as chachadas dos Indie Rock, Post-Rock, Goth Metal e agora Post Metal, Drone Metal,... tudo muito triste e calmo de preferência, mostrando que Salazar-depois-de-Salazar conseguiu que o Fado fosse o melhor exemplo do nosso fascismo triunfante...

O mês passado apareceu uma nova editora de música experimental, a Shhpuma, orientada pelo fantástico Sr. Travassos e impulsionada pela Clean Feed / Trem Azul. A estratégia é editar discos que não cabiam nas balizas do Free / Jazz da Clean Feed, assegurando que toda uma nova geração de músicos (sobretudo improvisadores) portugueses não ficassem esquecidos por falta de registos fonográficos - como aliás, é bastante vulgar neste canto europeu. O nome não deixa ficar dúvidas que será uma catálogo de música sem "beats" e movimento, claro está! Shh... nada de levantar a voz!

A primeira edição - são CDs meus senhores, são CDs - é Guitar Soli for the Moa and the Frog de Filipe Felizardo, terceiro disco deste jovem guitarrista que não tenho dúvidas que foi umas das muitas vítimas que sucumbiram a ouvir o regresso dos Earth com Hex; Or Printing in the Infernal Method (Southern Lord; 2005). Felizardo cria uma paisagem Americana que foi extremamente bem gravada numa peça (história?) de 46 minutos. Para além de Earth somos também levados para Dead Man Walking de Neil Young (a musicar o filme de Jim Jarmusch) sem que estas comparações feitas sejam maléficas ou castradoras. Felizardo livrou-se de pedais de "loops" e vozes telúricas e exigiu mais à guitarra enquanto instrumento. Com esta exigência Felizardo provou que terá muitas cartas (de Saloon?) para dar no futuro. Um músico para observar os seus próximos passos!

O segundo disco é a estreia dos Pão, encontro improvável de três músicos: Travassos (que organiza o Festival Rescaldo), Tiago Sousa e Pedro Sousa - sem relações familiares conhecidas. O primeiro usa maquinaria (circuit-bending, fitas magnéticas, etc...), o segundo tecla e o terceiro sopra sax. Nada que junte isto a nenhuma formação clássica de Jazz ou outro género. Improvisam, montam estruturas melódicas (dentro do que se pode considerar melódico para quem usa sons ásperos e ruídosos numa veia ambiental "pós-industrial"), sempre à beira do silêncio e contenção como bons portugueses que são. Aqui nunca há explosões e euforias como acontece sempre na cena Improv / Free. Há desabrochares imprevistos como é normal no crescimento biológico das plantas trepadeiras - a capa é ilustrativa do som. Só não se percebe porque raios arranjaram um nome tão estúpido como Pão... Se fosse "Desabrochar" soaria muito melhor.

Claro quando chegamos a ao disco de Heu{s-k}ach & Pedro Sousa, intitulado I know not what tomorrow will bring (Resting Bell; 2011), em que é quase impossível não comparar a Pão - porque o Pedro Sousa também participa com o seus sax sussurado, porque também é um trio e porque há semelhanças no som. Só que a diferença é que nesta parceria, uma das partes é estrangeira (um duo suiço), logo é mais barulhenta que os portugueses. Não que haja aqui situações espásmicas e estriónicas, pelo contrário continuamos tal como em Pão na experimentação improvisada criadora mais de ambientes do que funções físicas mas é verdade é que esta gente estrangeira toca uma "beca" mais alto que os Pão de Portugal, ponto final. Não que isso seja um ponto em favor mas mostra como nós somos...

Por fim Forever & One Day (ed. de autor; 2012) de Jorge Amador é um exercício de 24h editado em CD-R. 24h para tocar e gravar (para além de realizar as imagens do livrinho do disco) no espírito da improvisação sem acrescentos ou diminuições de edição e pós-produção.
Loops e electrónicas longe de serem lineares acompanham uma guitarra lunar... Mais conhecido como ilustrador, este "amador da música" mostra uma face oculta sem envergonhar. Com toques de psicadelismo e "dronice" que se entrelaçam bem, acabam por provocar algum cansaço por ser demasiado extenso - não fazemos as 24 horas com o Jorge nos cerca de 70m de disco mas é quase... Missão cumprida?

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