segunda-feira, 8 de abril de 2024

Em banda desenhada?


136 páginas de BDs curtas de Francisco Sousa Lobo, criadas desde 2004 até este ano.
Algumas são inéditas outras já publicadas, muitas em publicações estrangeiras, que assim são publicadas em português pela primeira vez. Algumas BDs são a preto e branco, outras tem mais uma cor e algumas são a cores. O formato é aquele típico do nosso catálogo: 16,5x23cm

Disponível na nossa loja em linha, BdMania, Tigre de Papel, Linha de Sombra, Mundo Fantasma, Nouvelle Librarie Française, Tasca Mastai, Snob, Matéria PrimaKingpin BooksSirigaita, UtopiaSTET, A Vida Portuguesa e Fábrica Features.



A Sara Figueiredo Costa assina um prefácio que aqui transcrevemos parte:

Diz-nos a física quântica que o tempo não existe, pelo menos do modo cronológico, arrumado e em sucessão, o modo como o conseguimos ver e sentir. E diz-nos que tempo e espaço se relacionam de tal modo que serão, juntos, uma categoria única de descrição do que nos rodeia, uma ferramenta funcional para obtermos respostas tão precisas quanto o universo permite sobre si próprio. A física quântica não é fácil de perceber para a maioria da humanidade e é frequente que outras linguagens nos deixem intuir respostas que, não sendo mais claras, são mais facilmente apreendidas pela intuição. As histórias curtas de Francisco Sousa Lobo não falam de física quântica, cultivando as perguntas com muito mais dedicação do que qualquer resposta, mas talvez por isso mesmo sejam uma espécie de mapa possível para certas declinações do mundo, não as que descrevem o cosmos, mas as que envolvem o indivíduo, esse lugar estranho e inóspito onde o espaço-tempo tantas vezes ameaça desintegrar-se. 

(...) O desconforto que muitas das histórias reunidas neste volume criam no leitor não nasce tanto do desamparo encenado em cada prancha, ou da possibilidade de alguns ou muitos reconhecimentos emocionais, mas talvez do contraste provocado pela procura de uma racionalidade, um gesto narrativo e visual que transforme a matéria das histórias nas histórias em si. É esse o esforço que se descobre em cada história, e é esse o percurso que estrutura esta primeira narrativa do livro, de certo modo, uma antecipação certeira das que se lhe seguem. (...) Não é preciso mergulhar na física quântica quando temos à mão a nossa própria cabeça, o nosso próprio corpo e o lastro imenso de memórias e vivências que confirmam, a cada momento, que estamos sempre em presença efectiva de muitos momentos e que aquilo a que chamamos passado talvez seja, por inconveniente que soe, o nosso presente constante.

 E como bem descreve o Bandas Desenhadas: Pequenos Problemas é o livro mais recente de Francisco Sousa Lobo. Editado na série Mercantologia da Chili Com Carne, dedicada à reedição de “material perdido”, compila 15 bandas desenhadas curtas do autor, produzidas entre 2005 e 2018. Existindo algumas BD inéditas, as restantes foram editadas em publicações portuguesas ou estrangeiras, nomeadamente a Nyx, a Nocturnal, š! #20: Desassossego, Art Review, Mesinha de Cabeceira, Crumbs, Quadradinhos: Sguardi sul Fumetto Portoghese, Performance Research, Zona de Desconforto, Preto no Branco #4, Próximo Futuro e Jornal Universitário. As BD estrangeiras apresentam-se pela primeira vez em língua portuguesa.


FEEDBACK: 

Muito bom, o pequenos problemas do FSL. Parabéns ao autor e à Chili Com Carne. 
E.O.M. (por e-mail)

(...) «O problema Francisco era um problema de culpa.» Ora, a culpa inventa retroactivamente o pecado. Por isso, o retorno continuado para esse «país chamado infância» que surge em tantas destas bandas desenhadas, em que se busca aquietação, se procura respostas ou se tenta compreender o que se passou de errado. Voltar ao sítio do crime original para encontrar provas. «Voltei à infância e descobri falsos traumas». Que até poderiam ser tranquilizadores, se os conseguíssemos contrabandear como causas, explicações, desculpas. Nunca saramos da infância, temos aqui a prova nesta «intacta ferida» latejante. Só que as dores que permanecem não são produto de um acidente, um azar ou um desvio; são apenas a própria vida que acontece e a infância que passa, o desapontamento, a desilusão e o desespero que equivalem a crescermos em anos. Tantas destas bandas desenhadas remetem para esse passado, unicamente para atestarem que este exercício da autobiografia, mais do que um ato masoquista, toma os contornos de uma aldrabice, um fingimento. «A banda desenhada era uma doença». Por um «interesse doentio pelo desenho», se revela então uma inclinação para o «lado do mal» ou, por extenso, para «a literatura, a arte, e tudo o que há de mais nocivo e infértil nesta terra de deus desconhecido». Valha-nos, porém, que a banda desenhada pode ser paradoxalmente a terapia com que se recupera o poiso para a razão, ou que se usa para (auto-)representa rum «eu» liquefeito pela psicose ou que soçobra diante da enormidade da tarefa de viver.
é que é um verdadeiro livro de auto-ajuda, no sentido em que me poupa andar é procura de todas. As histórias foram produzidas entre 2004 e 2018, reunindo mais de 10 anos de trabalho. É muito interessante encontrar aqui muitas reflexões que surgiriam mais tarde no futuro e em obras mais longas de Sousa Lobo, onde ele continuou a explorar os temas de família, religião e importância da arte, além da descrição de certos episódios relacionados o colapso psicótico do autor, que desencadeou o famoso Desenhador Defunto. É realmente um privilégio a maneira como Sousa Lobo é tão aberto e honesto sobre esse momento difícil, tendo sempre algo novo a acrescentar, uma camada extra para compartilhar connosco.

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