A Metrópole Feérica
José Carlos Fernandes (a) + Luís Henriques (d)
Col. Terra Incógnita, Tinta da China; 2008
Paulo Virilio diz que a Humanidade está próxima de chocar com os limites físicos do Mundo que estão a ser devastados com as telecomunicações ultra-sofisticadas - ou com o Google Earth ou as viagens de avião a 1€. A Terra tornou-se psicologicamente finita e quando a Humanidade perceber que não se pode expandir mais - que não existe mais nada inexplorável - sofrerá um trauma.
Esta nova série, Terra Incógnita escrita por José Carlos Fernandes (JCF) dedicada a cidades inexistentes, já se insere nesta previsão de Virilio, não porque o autor tenha sofrido uma experiência forte despejada em catarse ou Arte mas apenas porque é uma continuação "blasé" de contos irónicos que piscam tanto os olhos aos leitores até eles ficam estrábicos (como têm feito com as séries A Pior Banda do Mundo e Black Box Stories). JCF há muito que já assumiu que não há mais nada para inventar e reúne o fogo-de-artíficio para cegar os leitores desta vez com o valor-extra do virtuosismo gráfico de Luís Henriques (do livro Babinski) e da elegância editorial da Tinta Da China, uma das melhores editoras (generalistas) portuguesas do momento.
Alguma Inteligentia portuguesa queixa-se que o nosso país é provinciano mas é ela própria que dá abrigo ao provincianismo, sobretudo na capital em que se situam as editoras (como a Devir ou a Tinta da China) e publicações (como o jornal Diário de Notícias ou a revista Time Out) que apostam em JCF como se este fosse o derradeiro contador de histórias. Não só as editoras mas quase todos os agentes da bd em Portugal que sofrem, com as devidas excepções, de "bedófilia" acham que é "qualitativo" que um autor de bd escreva mais histórias do que aquelas que consegue desenhar - JCF é «o autor mais prolífico da bd portuguesa» mas o que realmente significa isto? E ser o maior artista plástico da Micronésia? Ou o melhor guitarrista do Gabão?
É considerado o melhor autor de bd porque escreve demasiadas histórias cheias de referências cultas mas que não deixam de ser "pastiches" e "bedófilas". E sobretudo porque que é um autor púdico recebe a bênção de todos - não fossem os portugueses ainda netinhos mal-paridos do Salazar e do Cardeal Cerejeira.
Parece-me que JCF preenche um vazio existencial de quem vive na ruralidade (algures num monte algarvio) com uma produção alucinante que, como ele próprio tem admitido, serve como exercícios para apreender o "metier". É auto-didacta e da minha parte respeito bastante isso só que os resultados parecem apenas deslumbramento pela cultura que vem da urbe - toda ela de cariz internacional, diga-se de passagem. Convenhamos, da ruralidade nunca saiu Arte a não ser alguns "artistas brutos" e umas bandas de Black Metal norueguesas.
JCF é um espelho da cultura urbana que aprecia mas que nunca poderá senti-la na plenitude para fazer parte dela, e apenas porque não vive numa cidade. Daí que o que ele faz é reflectir essa cultura, através da sua produção artística (em quantidade e "name-droping") numa velocidade (falsa) de quem vive na Cidade. Esquece-se que qualquer "Cidadão" sabe que apesar de se poder viver a velocidade da Cidade (nem que seja por arrasto público) nunca se pode concorrer com ela. Quem vive numa Cidade sabe que se deve seleccionar um momento e que se deve optar por uma via, que não se pode ser "total" para fazer algo por mais mundano que seja. É impossível absorver todo o ruído, todos os contactos humanos (e outros animais irracionais), todas as experiências sensoriais e sociais, toda a arquitectura e... Um citadino escolhe sempre um caminho para conseguir desmarcar-se da corrida, um atalho para furar a fila. Acelerar mais ainda equivale a estampar-se.
Nos últimos tempos, a obra de JCF não parece ter uma selecção tais são as banalidades que solta como se fosse um Anjo Exterminador sem consciência. A sorte deste livro é que Henriques consegue ser bastante "free" e inteligente ao fazer metamorfoses do estilo de desenho (e da narração através da "découpage" das páginas). Henriques fez com que tudo resulte bem como um "produto final" consistente embora depois de ler as estórias já ninguém se vai lembrar delas passados 5 minutos. Maldita velocidade!
É um bom livro de bd para os dias que correm. Em 2000 teria sido mais um interessante livro de bd de autor. Em 2008 é quase um oásis devido ao longo deserto que se vive... embora aquele ceguinho do Metro de Lisboa, que faz Hip Hop ou Drum'n'Bass com a bengala, tenha muito mais "zeitgeist" que A Metrópole Feérica.
à venda nas livrarias
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