quinta-feira, 19 de abril de 2012

Electrónica 2010-1982


Ao fim de 15 anos de carreira Mikroben Krieg lança a sua estreia Final Cut (Thisco + Fonoteca de Lisboa; 2010) citando "abandonei toda a esperança" (Dante dixit) logo na primeira faixa. Pergunto se ele deixou mesmo porque é estranho como alguém que resiste 15 anos a produzir música Electrónica com interesse - namorando EBM, Electro-Industrial e IDM - num momento importante como este venha a tropeçar ou a perder o tino. Se nas várias compilações e splits que participou no passado estava mais inclinado para IDM neste disco pende para o EBM e Electro, com entradas de muitas vozes (estranhas às faixas do passado), algumas sampladas outras do mentor do projecto (e do convidado Broto Verbo), em que especialmente as últimas irritam pela sua monotonia e cliché com o fantasmas Joy Division e outros "darkismos" a assombrarem os vocalistas e a nós, pobres ouvintes. Tirem esse polegares do cu, sff, já chega! Estamos no século XX!! O álbum só aquece quando chegam ritmos asiáticos à faixa Inquietude e é justamente quando o disco acaba. Na verdade ele recomeça com seis faixas de "remixes" onde felizmente shhh..., Structura, Sci fi Industries e Mimetic ignoram as vozes, aplificam o power electronics, apertaram no glitch e desvirtuam q.b. os temas originais dos seus objectivos originais.


A Enough Records é uma net-label que existe desde 2001 e tem mais de duas centenas de discos para descarregar gratuitamente. Infelizmente parece faltar à editora um feltro de selecção que não seja o do "bem tocado / bem produzido" dentro do espectro de "música alternativa". Podem fazer um bom serviço público mas não tem um envolvimento estético da You Are Not Stealing Records, por exemplo. Por isso quando ouvi SOUNDResearch (2007) gravado num CD-R (e com a capa impressa) até fiquei surpreendido - porque é que alguém se deu ao trabalho de queimar um disco e imprimir e recortar uma capa? Ainda assim essa pessoa não curtiu o suficiente e passou-me o seu disco prás mãos... É uma colectânea de sete temas em que dois projectos electrónicos por faixa "lutam" entre eles com o tema comum da Inteligência Artificial. Entram alguns "clássicos" da Thisco como M-pex, Structura, Sci-Fi Industries e Oxygen em parceria com Dream Metaphor, NNY, Cygnus X1 e Electrólise, respectivamente, não esquecendo ps (mentor da net-label) entre outros projectos. No geral estamos perante IDM e Ambient electrónico que não atrofia nem revolta - excepto a voz gótica-azeiteira dos Dream Metaphor. É disco perfeito para se ouvir um bar pós-modernista frequentado por Designers, gajas insuspeitas com implantes de mamas, realizadores de vídeo-clips e outros robots a dizerem "é naice!". Talvez o momento mais emocionante seja Eletrólise com Oxygen devido ao Dub electrónico atonal, que iria jurar que era "marca registada2 dos Oxygen. Mas...


E por falar no Diabo! E com uma capa e embalagem de disco feito por uma Designer mamalhuda da província! Nem sabia que os Oxygen tinham um álbum! Auto-editado em 2003 e intitulado de Symbiosis_the art of creating the artificial é um disco confuso porque começa com "bom Massive Attack" cheio de atmosfera e mistério - Art-ficial é um dos temas que brilha na excelente colectânea Thiscology (Thisco; 2004) e acaba para "um mau Underworld" previsível e histérico. Nada contra o Electro / Techno, nada contra uma banda experimentar estilos diferentes num mesmo disco, é apenas porque a coisa acaba mesmo mal...


A SPH era a editora de Fernando Cerqueira antes de fundar a Thisco, nossa parceira em vários projectos. Diz a lenda que pela SPH foi editado em Portugal, em k7s, peças de Merzbow, Jim O'Rourke e outros cromos do Noise, música experimental e electrónica. Este foi o primeiro e único CD da editora, para além da sua última edição após uma falência económica e estética - não parece que Telectu tivesse muito haver com o resto do trabalho da editora. Mas eis Theremin Tao (1982-1992) editado em 1993 como forma de comemorar os primeiros 10 anos deste projecto de Jorge Lima Barreto e Vítor Rua. Projecto que não sendo pioneiro em música experimental em Portugal - há História antes deles - é sem dúvida o projecto com maior corpo de trabalho publicado e reconhecido. Numa ordem cronológica descendente vamos ouvir 17 faixas de muitos sintetizadores nos estilos auto-proclamados do projecto como, e passo a citar, "jazz-off", "música mimética", "rock-pop-off" ou "nova música improvisada" mas que na realidade sabe a Drone, gótico-ambiental ou a pós-industrial para filmes de Zombies. Nos tempos pós-PREC e pré-Internet havia mais liberdade para inventar conceitos melómanos.

Pedidos deste disco através da Thisco (?)


O bom fica para o fim! E também é a edição mais antiga, saída originalmente em k7, em 1991 e depois em CD-R pela Charlie Pirate Dreams - é esta versão masterizada e digitalizada que consegui. Trata-se de Sound & Fury de Astronauta Desparecido, onde vamos encontrar nas fileiras do duo o nosso ilustre Rui Eduardo Paes (REP) que pelos vistos na altura estava cheio de raiva. Projecto alinhado com a cena pós-industrial - que existiu em Portugal com alguma força, apesar do seu carácter "underground", completamente apagado ou esquecido pela História oficial, ao contrário do Rock ou do Punk que já há bastante bibliografia. Nesta História por se contar - que se encontra até neste "post" (o caso da SPH) ou em blogues que recuperam / oferecem informação (e não podemos esquecer deste) - temos mais um registo para baralhar tudo. Segundo o REP o som deste projecto tinha «uma postura punk e metodologias da música improvisada (gravações ao primeiro ou ao segundo take, depois de apenas se experimentarem associações de várias fontes sonoras – com base em gravadores de cassetes, gira-discos, leitor de CDs, rádio, televisão, processadores electrónicos, drum machine, sampler casio, percussão, objectos, flautas, vozes). Lembro-me que depois da gravação de Sound & Fury fiquei afónico durante três dias.»
O contraste maior que me parece de outros projectos "industriais" da altura é que este ataca em muitas faixas no Noise, género que por acaso vamos encontrar nesse mesmo ano com os No Noise Reduction - registados na colectânea Em Tempo Real (El Tatu; 1991). Esta k7 deverá receber o mérito de ser o primeiro "disco" de Noise português? É um ramalhete tão importante como o gato mais pardo da Irlanda. No entanto, Sound & Fury não é coisa para meninos nem para perguntas & respostas de Trivial Pursuit. A espontaneidade, a energia e o barulho marcam uma diferença que ainda hoje será difícil encontrar nas dezenas de projectos Noise e Improv que pupulam por aí. Dentro do fato de astronauta há muito Throbbing Gristle como também há SPK (via Zamia Lehmanni - Songs Of Byzantine Flowers), Cyber-Grindcore (!) e até pedaços de Heavy Metal por tratar. O REP é uma caixinha de surpresas!

Obrigado ao REP pelo acesso às gravações - a curiosidade era mesmo muita! Algures nas piratices da 'net encontram-se downloads da k7, é procurar!

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