LIMA PROLÍFERA
É difícil resistir à tentação das delimitações
nacionais quando se trata de falar da banda desenhada e da ilustração de outras
paragens que não os Estados Unidos ou o eixo franco-belga ou o Japão, e isto mesmo
quando as intenções do divulgador pretendem ser tudo menos folclóricas. O que
se procura, com tais enquadramentos, é desvendar uma cena local, intuindo laços
de amizade e colaboração, adivinhando regimes de produção e circuitos de
divulgação que podem dar azo, assim se pensa, a formas específicas de absorver
e digerir as influências estéticas provenientes dos grandes centros, criando
estranhas erupções e alimentando redes que atravessam países e podem mesmo
tornar-se, à sua maneira, globais. O caso do Peru e, em especial, da sua capital,
constitui um bom exemplo. Se a produção clássica e de grande tiragem ficará
claramente aquém da argentina ou brasileira, os circuitos alternativos
contemporâneos da historieta peruana
exibem uma formidável vivacidade. Em termos editoriais, Lima oferece pelo menos
dois núcleos aglutinadores que de algum modo vão refundindo o melhor da banda
desenhada e ilustração autoeditadas: o das Ediciones Contracultura, de Benjamin
Corzo, com livraria aberta no número 986 da Avenida Larco, distrito de
Miraflores; e o do fanzine Carboncito,
editado pelos irmãos Renso e Amadeo Gonzales, onde publicam regularmente os autores
mais influentes do Peru e países circunvizinhos (Renso pode ser encontrado na
livraria de um pequeno centro comercial situado no número 295 da Avenida
Alcanfores, que corre paralela à Avenida Larco). Outro aspecto relevante do
contexto limenho, e que no fundo atesta a sua sintonia com as correntes
alternativas globais, tem a ver com a hibridez entre banda desenhada e
ilustração, nalguns casos abarcando também a pintura ou o design, noutros a
música e a performance.
Lima, Peru
E quem são eles, os novos ilustradores peruanos? Uma primeira
amostra teria de considerar os relatos autobiográficos de Jorge Pérez-Ruibal,
publicados entre 2004 e 2006 no fanzine Trulópolis
e posteriormente reunidos no volume Bestia
(Ediciones Contracultura, 2008): uma sequência de episódios curtos de cunho
realista turvado por uma boa dose de psicadelismo, exibindo recursos narrativos
variados, apuro gráfico e, sobretudo, assinalável versatilidade estilística. Numa
linha semelhante, as ficções suburbanas e decadentes de David Galliquio, autor
prolífico mas evoluindo quase sempre dentro do mesmo registo meticuloso e denso,
preenchendo o branco da página com padrões cruzados, manchas de pontinhos e
balões de texto, devidamente inspirado na melhor banda desenhada underground
(veja-se o fanzine A Mosca e as
várias contribuições nos números de Carboncito
ou Crashboomzap). Num outro
comprimento de onda, mencionem-se as experimentações poéticas e existenciais de
Jesús Cossio no fanzine Ciudades
Convertidas en Selvas, a que se juntam trabalhos mais estruturados e,
sobretudo, fortemente politizados, como Barbárie:
Comics sobre Violencia Política en el Perú, 1985-1990 (Contracultura,
2010).
Jorge Perez-Ruibal, Bestia
David Galliquio, 'Lito El Perro en...', Carboncito 8
Jesús Cossio, Ciudades Convertidas en Selvas, nº 2
Os irmãos Gonzales têm direito a uma menção especial pela sua notável
actividade editorial à frente do fanzine Carboncito,
que se afirma como um excelente ponto de partida para quem quiser conhecer
melhor o universo dos comics
latino-americanos. O seu trabalho artístico é, contudo, igualmente digno de
nota. Renso Gonzales reflecte sobre desventuras de amor em historietas de
persuasão autobiográfica (incluindo as protagonizadas por um possível alter ego
denominado Patrick, publicadas nas páginas de Carboncito), revelando-se ainda como ilustrador expressivo e
explorador dos ambientes da metrópole limenha em Ilustración Desconocida (Carboncito Ediciones, 2007). Amadeo sobressai
como primoroso retratista, cultor de uma estética linear-sintética versada em metamorfoses
e desconformidades, ideal para estampagem em autocolantes e crachás, e que pode
ser saboreada no fanzine Horrible y
Divertido (2011) e em muitas outras contribuições na publicação que dirige
com o irmão Renso. Para além disso, Amadeo Gonzales é músico e cantor de rocanrol, tendo editado, também em 2011,
o CD Mostros Marcianos Y Rocanrol.
Renso Gonzales, La Ilustración Desconocida
Amadeo Gonzales, Horrible y Divertido
Não sendo o objectivo deste post o de traçar um panorama completo,
ficamo-nos por duas referências finais. A primeira diz respeito a Rodrigo La
Hoz. O seu Islas (Contracultura,
2010) é uma história vertiginosa envolvendo sessões de psicoterapia e
adivinhação, relações homossexuais masculinas, alucinogénios naturais
(cogumelos e mel de vespa), ansiedades em torno da procriação e um avião que se
despenha em cima da casa do protagonista. Tudo se passa em Lima e arredores,
numa narrativa atravessada por diferentes escalas e dimensões, que vão do
microscópico e do subterrâneo ao grande plano aéreo, sem esquecer diversos
momentos de devaneio. A segunda referência diz respeito a Manuel Gomez Burns, certamente
um dos mais virtuosos desenhadores peruanos da atualidade, que se detém sobre
os códigos do cartoon e da banda
desenhada vintage para baralhá-los e redistribui-los com resultados surpreendentes,
elegantes e engenhosos (vejam-se as suas experimentações gráficas em torno das
onomatopeias, publicadas em Carboncito
e também no blog do autor).
Rodrigo La Hoz, Islas
Manuel Gomez Burns, 'The Theater of the Sounds and the Eyes' Carboncito 14
Mesmo sumária, esta amostra chega para compreender que os
quadradinhos e a ilustração proliferam sob o céu branco da capital do Peru.
Sites & blogs:
Contactos:
Livraria Contracultura: libreriacontracultura@hotmail.com
Carboncito: carboncitofanzine@yahoo.com
Amadeo Gonzales: amadeo77@gmail.com
David Galliquio: davidalberto699@hotmail.com
Jesús Cossio: graficos777@gmail.com
Jorge Pérez-Ruibal: resinapower@yahoo.com
Manuel Gomez Burns: magomezburns@yahoo.com
Renso Gonzales: rensogonzales80@hotmail.com
Rodrigo La Hoz: rodrigolahozs@gmail.com
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